22 de Novembro de 2004 O Vespertino de Reading CRÓNICA 49*
Concerto da Wah! - Fotografia de Rui Gonçalves

Freaks

Há uns tempos, uns amigos da Cristina, a nossa professora de Yoga, disseram-lhe que toda a gente que faz yoga são freaks. Freak no dicionário diz que é drogado, fenómeno, fanático, bizarro, insólito ou anormal. O Hugo, um colega das aulas de yoga, há muito desaparecido, um dia apresentou-me à namorada como sendo uma prova de que as pessoas que fazem yoga são pessoas normais.

Como se eu fosse normal, porque como já disse uma vez em "O freak que eu sou..." no blog "às vezes tenho a sensação que sou um freak e que à minha volta não encontro muitos que pensem como eu".

Pois no fim-de-semana passado senti o contrário. Aliás sinto muitas vezes quando saio do nosso país, não só porque somos um país diferente culturalmente mas porque somos um povo retrógrado, tacanho e conservador. Mas no fim-de-semana passado a dimensão foi muito maior e por momentos até me senti em Portugal. No Yoga Show em Londres.

Tudo começou na sexta-feira [12 de Novembro de 2004] com o concerto de um tal Lex van Someren. Bem, se eu sou um freak, este alemão está para além do fenómeno. O homem caiu de um planeta qualquer e ainda não sabe bem o que anda a fazer neste mundo. E nós (eu, a Cláudia e a Cristina) por momentos perguntámos a nós próprios o que estávamos ali a fazer e porque gastámos o dinheiro no bilhete. A Cristina fez melhor e adormeceu, só acordando na última música, quando, o tal Lex, começou a cantar numa língua inventada por ele e o CD não arrancou. Parou de cantar, falou para o público na tal língua inventada (não era alemão), sacou o comando à distância do bolso e ligou o CD. Foi um momento único na minha história de espectador de concertos.

Mas voltando à música. Sabem aqueles CDs de música relaxante com sons de golfinhos e que se vendem nos hipermercados? Pois ele já gravou 20 deles e foi ali tocar alguns temas (um deles em brasileiro), mas não levou os golfinhos. Suponho que estes devem ter fugido, porque 20 CDs é muita coisa. Em vez dos golfinhos, o Lex levou uma tipa que era professora de dança e que se ensina aos seus pupilos aquilo que nos mostrou no palco, prefiro nunca os ver a dançar. Principalmente de plumas de pavão!

Porém, muita coisa ficou explicada quando no intervalo antes do segundo concerto (o grupo Bliss) descobri que o homem, para além de músico, era palhaço. Ainda hoje me riu ao escrever isto... E depois eu é que sou freak!

No sábado [13 de Novembro de 2004] é que começava a verdadeira exposição e os workshops que tanto queríamos assistir. Mas assim que chegámos à porta do Olympia 2 ficámos com muito poucas esperanças de que pudéssemos assistir a alguma coisa. Como é normal nos ingleses a fila à porta já chegava à esquina. Ao contrário do que se pensa, a pontualidade inglesa anda nas ruas da amargura e às 10:10 as portas ainda não estavam abertas, quando estava marcada a abertura para as 10h.

Nós atravessámos a rua, ainda a ver como é que iríamos aguentar estar naquela fila, quando as portas abriram e a fila degenerou numa bolha. Foi o caos à portuguesa. Tinha que se trocar os bilhetes por uma pulseira, como nos festivais, mas ninguém sabia onde e além disso ninguém queria muito saber. Era a chamada situação "desculpe, tem o seu pé na minha boca".

Depois foi o ver-se-te-avias para arranjar entradas para os workshops gratuitos. Para os que eu queria não consegui arranjar e acabei por apenas fazer um que não estava interessado. Comprei outro que nem sequer estava a pensar ir fazer e já tinha comprado com antecedência mais alguns, se não passava o dia a ver pessoas, porque a ânsia das compras dos ingleses fazia com que fosse quase impossível chegar aos stands.

Mas depois as coisas foram acalmando e ao fim da tarde já se conseguia respirar no Olympia 2. Até fui a um workshop de Thai Yoga Massage, para o qual não tinha bilhete, mas que como quem o tinha não apareceu, deixaram-me entrar. Ainda fiz muita coisa nesse dia, "The 7 Goals to Success" da Siri Data, "Yoga to Transform your Everyday Life" e "Traditional Thai Yoga Massage".

No fim do dia fomos falar com uma tipa da organização que quase chorou quando nos pedia desculpas pelo facto de termos ido de Portugal e nem sequer tínhamos conseguido ver o que queríamos. A mulher estava quase arrependida de alguma vez ter nascido e deve ter ouvido tantas ou tão poucas nesse dia que nem era capaz de conter as lágrimas. Num stand disseram-me que nem eram capazes de prenunciar uma frase como deve ser, tal era o nível de cansaço, depois de aturar uma horda de ingleses ávidos por compras.

Nós sobrevivemos! E como tínhamos bilhetes para o concerto, descansámos um pouco e fomos, apreensivos, depois da noite anterior, mas esperançados que fosse muito melhor que o palhaço-dos-golfinhos com a bailarina-das-plumas. E foi! Nem muito pela primeira parte em que tocaram as Anjali Sisters a cantarem mantras em versão euro-dance- ibiza-mix, mas pela segunda parte com a freak da Wah! Uma americana de Los Angeles que esteve em Lótus mais de uma hora a tocar baixo e guitarra, enquanto era acompanhada por um tipo que usava uma caixa de uma coluna de som para a percussão e outro que tocava aqueles órgãos indianos de fole. E nos coros uma miúda, linda, que devia de ser filha da Wah!

A Wah!, começou com menos bem, com um ar arrogante e acabou em grande com todos os freaks da sala a cantarem em uníssono e em modo kirtan a mantra "Om Namah Shivaya". Fez-nos esquecer completamente o fiasco da noite anterior e a confusão dessa manhã! Foi um momento único que repetimos esta terça-feira [16 de Novembro de 2004] quando cantámos na aula esse mesmo mantra.

Domingo [14 de Novembro de 2004] as coisas foram muito mais suaves. Depois da confusão do dia anterior a organização decidiu que quem estava interessado nos workshops gratuitos devia de marcar a sua presença, nas normais filas inglesas, à porta da sala. E os primeiros a chegar seriam os primeiros a serem servidos. Isto só fez com que a horda que no dia anterior andou às compras se colocasse estrategicamente posicionada em pelotões à porta das quatro salas de workshops. Até que nos apercebêssemos da táctica do inimigo perdemos a oportunidade de assistir à aula de Kundalini Yoga. Mas depois de assimilada a estratégia consegui entrar no "Detoxification and Purification – the natural way" do Yogi Dr Malik.

E aí foi quando eu senti que afinal há freaks maiores que eu. A sessão era sobre kriyas ou seja técnicas de limpeza e desintoxicação. A primeira foi o Jala Neti que consiste em meter água salgada por uma narina, com a ajuda de um recipiente chamado Lota, e deixar que a água saia pela outra narina. Limpa tudo... O segundo Sutra Neti (acho) consiste em passar um fio de algodão por uma narina e fazer saí-lo pela boca. O primeiro já tinha, e tenho, feito o segundo experimentei mas não consegui que fio saísse da garganta para a boca, quase me provocando o vómito.

Uma tipa que estava atrás de mim só dizia: "Quando chegar a casa e disser que estive meia-hora à espera para ver um tipo meter água e fios pelo nariz vão achar que fui a um freakshow". Um brasileiro que deu o golpe na fila (ou não fosse de origem portuguesa) mesmo atrás de mim tentou o segundo processo, também sem sucesso. Apenas uma tipa foi capaz de o fazer, para além do Dr. Malik.

Seguiu-se um workshop de "Introduction to Tantra" e para acabar o dia, o show e o fim-de-semana um de "Yoga Beats". O primeiro foi engraçado (não foi sexo tântrico) e o segundo foi mais um momento de freaks, com um tipo todo tatuado de cabelos compridos a ensinar-nos a mexer ao som da música em posições de yoga.

Saí do Olympia com os olhos cheios, o corpo moído e a barriga vazia. Fomos directos ao Misato comer um Sushi antes de nos despedirmos do Paulo e do Edgar e voltarmos a Reading, para fazer as malas. O difícil processo de meter tudo nas malas acabou por volta da 1h da manhã. Deitei-me no sofá e nem me cobri. Acordei às 3h30m! Metemos todas as malas e mais 4 pessoas no Besouro, porque o Freddy acordou para nos levar à estação. Chegámos a Portugal às 11h da manhã, mais freaks do que fomos!

* Originalmente e erradamente enviada como Crónica 50.



Índice: Capa
Próxima Crónica: Crónica 50