38 CRÓNICA O Vespertino de Reading 20 de Outubro de 2004

Activistas

Na sexta-feira [15 de Outubro de 2004], ao ver a Siouxsie, no encore, a cantar "Right Now" senti-me um "velho" que foi ao Casino Estoril, vinte anos depois, ver uma velha glória da sua juventude. Senti-me como aqueles que vão ver os decadentes Frank Sinatra ou Tom Jones, só porque eles cantavam umas canções porreiras quando eu era novo e agora até actuam com uma orquestra, ali no Casino.

Polícia em Waterloo Bridge - Fotografia de Cláudia Fernandes e Rui Gonçalves

Mas na verdade foi mais que isso. O concerto da Siouxsie foi muito mais que velhas recordações. Aliás a maioria dos temas do concerto estão no seu novo disco dos The Creatures que explora os tambores e ritmos japoneses. Mas fez-me pensar num velho disco - The Thorn – de há vinte anos atrás (1984) em que ela cantava com uma orquestra. Eu tenho o prazer de ter uma cópia desse raro vinil da Siouxsie and The Banshees, que será brevemente editado em CD, pela primeira vez, numa caixa de lados B da banda. Aliás a razão dos concertos se chamarem The Dreamshow é precisamente porque era um sonho, desde então, da Siouxsie actuar com uma orquestra.

Na verdade o que eu vi na Siouxsie e em Bhagavan Das é que mesmo com uma bonita idade de 47 ou 59 anos se consegue ser excelente naquilo que se faz e se pode ser inovador, mesmo tocando as mesmas músicas de há vinte anos ou só com um dedo numa corda só. E ser inspirador para os mais novos, como para um bebé que assistiu a todo o concerto do Bhagavan Das sem nunca chorar e até mamou na mãe em plena audiência, enquanto esta continuava a cantar os mantras. São momentos que dificilmente esquecerei.

Quem, também, me tem mostrado que é possível ser-se feliz, numa idade bonita, em Portugal, fazendo pelo país e adorando viver são o Ken e a Sue, com quem tivemos o prazer de jantar ontem [Terça-feira 19 de Outubro de 2004]. Já falei deles algures noutra crónica, mas o Ken e a Sue é um casal de ingleses que escolheu viver em Portugal, num lugar perdido no cimo de um monte, com 15 casas, longe de tudo, ali para os lados de Albergaria-a-Velha. Conheci-os numa vinda a Inglaterra em Heathrow e somos amigos desde então. Eles construíram uma casa, lá na Alombada, e alugam o espaço a turistas. São felizes.

Já não estava com eles há uns meses e no entretanto a mãe da Sue morreu. Ontem quando lhe demos os pêsames ela disse uma coisa muito bonita sobre a morte da mãe. Pelos vistos a senhora tinha tido uma trombose há uns quatro anos e isso limitou-lhe muito a vida, mas manteve sempre uma mente forte e apenas o medo do que seria a "vida" depois da morte a mantinha viva. Há uns meses ela perdeu esse medo e decidiu morrer. Gradualmente deixou de comer e beber e há cerca de um mês morreu em paz, por opção própria. Eu sei que é discutível, mas acho bonito que se possa optar pelo que é nosso.

Mas mudando de assunto, mas continuando em opções. No domingo [17 de Outubro de 2004] fomos a uma manifestação anti-Bush. Em Londres! Acordámos cedo, porque ainda fomos a Spitalfields, mas queríamos estar em Russell Square a tempo de ver o Paulo e o Edgar na Capoeira. Chegámos tarde, mas bastante a tempo para nos embrenharmos numa manifestação do Forum Social Europeu. Acho que nem houve Capoeira, mas houve muita gente com cartazes em punho e a gritar em inglês, espanhol, grego, francês, árabe e até português, que o mundo estava melhor sem o Sr. Bush.

Estavam lá bandeiras portuguesas, do Partido Comunista e dos Verdes. Estava polícia por todo lado e não choveu. Mas nem apareceu na televisão! Na verdade a recepção aos atletas Olímpicos e Para- Olímpicos é muito mais importante que uma manifestação de uns activistas quaisquer, que na sua maioria até são uns comunistas. Uma manifestação contra o amigo americano não é motivo de notícia, mas quando o amigo americano pediu para as tropas inglesas ajudarem as americanas em Bagdade as coisas começaram a mudar de figura. Aqui longe da guerra a contestação não interessa, mas lá longe os mortos já contam.

Mas foi bonito ver que ainda há muita gente que se move por causas e persegue os seus sonhos de um mundo melhor. Não que eu acredite em tudo o que se dizia naquela manifestação, pelo contrário, mas mesmo para os menos radicais que por lá andavam, havia um motivo forte para se sentirem importantes na sociedade. E por um bocado senti que fazia parte disso...

Aliás, na noite anterior, no Misato, em Leicester Square, estava um grupo de três portuguesas que acharam que nós tínhamos cara de activistas e disseram-nos "Até amanhã!". Se calhar depois de ver o Bhagavan Das fica-se com cara de activista social... Acho que não deve ser isso! Se calhar era o Saké que elas já tinham bebido.

De activistas a consumistas foi o tempo de chegar de Leicester Square a Camden Town de metro. E por momentos achei que estava mais gente ali nas compras que na manifestação. E de consumistas a escapistas foi o tempo de voltar a casa do PE&M, apanhar o Besouro e voltar a Reading. Estava demasiado cansado! Cheio de informação para arrumar no cérebro. Já nem um Benfica-Porto cabia...

Da Liverpool Street - Fotografia de Cláudia Fernandes Da Waterloo Bridge - Fotografia de Cláudia Fernandes


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