E foi precisamente para ver uma Rainha que fomos na sexta-feira [15 de Outubro de 2004]. A Rainha do Gelo e Princesa do Gótico – Siouxsie Sioux – no Royal Festival Hall, em Londres. Um Real concerto, numa sala Real com uma Rainha. Que mais se pode pedir.
O concerto chamava-se Dreamshow. E para nós por pouco não passou de um sonho. Saímos de Reading com tempo suficiente para chegar ao Royal Festival Hall, em Waterloo, sentarmo-nos e ainda comer qualquer coisa, antes do concerto. Mas em Inglaterra nunca se está a tempo se se andar de carro. Principalmente a uma sexta-feira ao fim da tarde, com chuva.
À saída de Reading estivemos 3/4 de hora parados numa auto-estrada de 3 faixas, porque um tipo simplesmente decidiu remodelar a traseira do carro do tipo da frente. E se em Portugal há muito orçamentistas, aqui não há menos, porque a fila estendeu-se dos dois lados da auto-estrada. Depois foi o normal tráfego de Londres. Estivemos mais cerca de meia hora numa outra fila por causa de um sequência de dois semáforos com tempos muitos curtos de verde e sem problemas nenhuns de trânsito. Aqueles semáforos em Portugal já estavam partidos.
Tinha previsto chegar a casa do Paulo por volta das 18:30 – 19:00, deixar o Besouro e apanhar o metro para Waterloo. Mas tive que deixar o Besouro em Clapham South, lá numa rua, apanhar o metro daí e mesmo assim chegámos ao concerto às 20:30. Mas chegámos, perdemos duas músicas, mas conseguimos.
Entrámos no edifício e já se ouvia a música. Mas o alívio de ter conseguido ali chegar, três horas e meia depois de ter saído de Reading, a cerca de 60 quilómetros dali (uma média de 17 km/h), fez- nos entrar com calma. Procurámos a entrada e foi uma senhora de idade que nos levou até ao nosso lugar. O Royal Festival Hall é uma sala normalmente usada para concertos de música clássico e a acústica da sala é fabulosa. Mal entrámos ficámos embebidos na envolvência da música. A Siouxsie disse "Boa Noite".
O palco estava cheio. À esquerda a pequena orquestra Millennia Ensemble (4 violinos, 2 violoncelos, 2 violas de arco e uma harpa), um teclista, três metais e as coristas. As coristas, segundo a Siouxsie eram gémeas e de Nova York, mas pareciam ter saído de um qualquer concerto do Frank Sinatra, quer pela maneira como dançavam, quer pela indumentária escolhida. Eram os seres mais estranhos no palco, não porque estivessem mal, mas porque não era para aquele concerto que estavam preparadas. Destoavam. À direita um contrabaixista e dois tipos que tanto tocavam xilofone, como sinos, como tímpanos. E ainda um grande tambor japonês. Ao centro, Budgie na bateria, numa posição mais elevada que o resto dos músicos e à frente a Siouxsie, vestida com um kimono preto com umas fitas vermelhas.
Depois entrou Leonard Eto, um dos membros dos Kodo um grupo de tambores japoneses, vestido com uma saía de kimono comprida. Agarrou numas batutas e começaram a tocar "Godzilla!" um tema do último disco dos The Creatures (Siouxsie e Budgie) – Hái! ("Sim" em japonês) – gravado no Japão. Leonard Eto foi sempre uma figura de destaque em todo o concerto, não só porque estava numa posição elevada, mas porque era dos poucos que dançava enquanto tocava.
Os melhores momentos do concerto foram quando se ouviram os primeiros acordes de "Dear Prudence" e quando tocaram "But Not Them". O primeiro tema é uma versão dos Beatles que a Siouxsie tocava com os seus Banshees há cerca de 20 anos atrás. Mal me tinha sentado e tirado o casaco, senti-me transportado até os anos 80. Eu não conheci o tema tocado pelos Beatles, mas sim na sua versão gravada ao vivo do Nocturne da Siouxsie and The Banshees, de 1983. E ali, naquele momento, senti a voz embargada e os olhos húmidos.
"But Not Them" foi o único tema tocado apenas por Budgie e cantado por Siouxsie, assim como deve ter acontecido em 1980, quando eles ficaram sós no estúdio de gravação e apareceu a chama que deu origem aos The Creatures. Budgie e Siouxsie são casados e eles os dois são os The Creatures. Foi um momento muito bonito de sintonia entre os dois.
Houve outros momentos bons, como quando tocaram "Happy House" e o público, já todo de pé, cantou "This is the happy house, we're happy here, in the happy house, oh it's such fun, we've come to play in the happy house". Ou quando a Siouxsie começou a praguejar porque estava corrente de ar, estava com frio, que fechassem as portas e lhe levassem uns Brandies. Alguém lhe atirou um casaco que ela vestiu. Alguém disse que a amava e ela respondeu que ela nos amava a todos.
10 anos depois de a ter visto na Figueira da Foz (onde tive o prazer de falar com ela e ter um autógrafo), a Rainha já com 47 anos conseguiu surpreender-me quando eu achava que já nada nela me surpreendia. Eu achava que a carreira dela estava acabada e que ela já nem sequer sabia cantar, mas ela conseguiu mostrar, ali, em duas horas e meia, que está viva, em forma (deve fazer yoga, pelas posições que fez) e que ainda pode mostrar a muita gente que é a Rainha do Gelo. Um concerto memorável.
Tenho pena que Steven Severin e o Robert Smith, dois membros dos Banshees, não tenham actuado. Mas foi bom ver e ouvir Martin McCarrick, que também foi dos Banshees e dos This Mortal Coil, a tocar violoncelo electrónico. Pena que só tocassem "Peek-a-Boo" no sábado [16 de Outubro de 2004], mas nessa altura estava eu a ver outra personagem Real. O Rei da World Music. Mas isso fica para outra crónica. |