Se o alarme toca todas as segundas-feiras, porque é que eu ia adivinhar que aquele era diferente? Às segundas são testes do alarme, aquele era uma simulação de incêndio. Que pelos vistos não foi muito bem sucedida, porque houve muitos como eu que àquela hora ainda estavam a dormir.
Ontem [Terça-feira, 12 de Outubro de 2004] foi lá no prédio, mas não foi simulação, foi mesmo incêndio. O vizinho lá do apartamento ao fundo do corredor, três portas ao lado do nosso, decidiu tomar banho, mas com uma panela com óleo ao lume. O que vale nesta terra não se brinca com o fogo e o alarme disparou, de tal maneira que era impossível ficar lá dentro. Mas não foi brincadeira, porque acho que pegou fogo ao exaustor e o coitado do marroquino estava aflito. No final os bombeiros demoraram mais tempo a chegar do que o que estiveram lá, mas foram-se em paz, embora o alarme ainda tocasse umas duas vezes (fumo noutros apartamentos). Acho que não apanhei nenhuma constipação à espera dos bombeiros lá fora ao frio e de manga curta. Mas o cheiro a queimado ainda lá estava hoje de manhã.
Por falar em frio, em Edimburgo achava que quando chegasse a Reading até ia sentir calor, mas na verdade aqui não está muito diferente de lá. Lá já cheirava a lareira e viam-se as chaminés a esfumar. Aqui não se usa muito a lareira, é mais aquecimento central. É mais urbano, mais moderno... Mais fino!
Edimburgo está mais ou menos à mesma latitude de Copenhaga. Reading está uns graus a sul, para aí ao nível do sul da Holanda, norte da Bélgica. Para nós portugueses, quer uma quer a outra é muito a norte. As cidades distam uns 4 graus de latitude e ambas estão a mais de 9 graus a norte do norte de Portugal. É frio!
E frio foi o que sentimos quando saímos do hotel, logo pela manhã, depois do pequeno almoço quente escocês, no sábado [9 de Outubro de 2004]. Nem sequer tínhamos olhado para o guia da Lonely Planet, para saber onde ir. Na noite anterior tínhamos visto o castelo ao longe e passeámo-nos pela Royal Mile à procura de comida. Mas ainda não tínhamos visto nada!
Começámos pela New Town, uma parte da cidade criada especialmente para a população mais abastada da cidade, quando a população se multiplicou no século XIX. Ruas paralelas e prédios de pedra com alguns séculos de um lado e doutro. Uma parte da cidade muito desenhada a esquadro e compasso, mas que para além disso, pouco acrescenta a uma cidade por si só caótica no centro. A New Town fica no lado norte da cidade velha, separada desta pelo fosso norte, que hoje em dia é um esplendoroso jardim. São unidas por uma passagem construída pelos despojos da construção da New Town e onde estão uns museus.
No fim da New Town, a Princes Street e a vista sobre a Old Town. A Princes Street é a rua das lojas e dos Department Stores, mas o melhor da rua é a vista que se consegue ter do outro lado, da cidade velha, caótica e deslumbrante. Do Castelo, do velho Parlamento e das casas medievais. Além disso na Princes Street pouco há mais a assinalar que o Jenners, o mais antigo Department Store independente (seja lá o que isso for) do Mundo. Existe desde 1838 e vale a pena visitar o seu interior, que embora não seja um Harrods ou um Printemps, é bonito.
De repente, enquanto decidíamos para onde ir a seguir, passa um avião grande cinzento, sem janelas, a muito baixa altitude, sobre o jardim do fosso norte. O barulho era ensurdecedor. Há algum tempo que víamos um par de helicópteros a sobrevoar o centro da cidade e na noite anterior andavam a colocar barreiras em toda a Royal Mile, mas aquele avião era esquisito. Parecia um avião espião.
Depressa percebemos que era a abertura e inauguração do novo parlamento escocês. Ao fim de quase 300 anos, desde a abolição do seu parlamento, a Escócia passava a ter de novo um parlamento próprio. Para efeito construíram um edifício novo, mesmo em frente ao palácio real e cujo o orçamento "derrapou" para 10 vezes mais o que estava previsto. (Pelos vistos aqui há semelhanças com aquele povo 13 graus lá em baixo.) Para o efeito a cidade contava com a presença da Rainha e de um dos mais ilustres escoceses – Sean Connery.
Mas nós ainda não sabíamos desta parte. Pensámos que era só uma abertura solene e por isso fugimos da Royal Mile para não nos metermos na confusão. Mas nem só de rainhas e actores vivia a cidade, naquele dia, e de repente damos por nós embrenhados numa manifestação do Partido Socialista Nacionalista da Escócia. Bem! Acho que era assim que se chamava, mas o comício era parecido em muito com o modus operandi do Bloco de Esquerda português. Cartazes a favor da Palestina, palavras de ordem pela libertação dos presos mantidos em cativeiro sob a lei do terrorismo, abaixo-assinados para mudar a lei de emigração e vivas à independência da Escócia. Tudo ao som de "God save the queen, She aint no human being, There is no future, In England's dreaming" (Sex Pistols). Ainda houve tempo para actuação de um cómico (ou não estivéssemos em Edimburgo) e de uma foto de grupo sob as colunas do templo romano nunca terminado (por falta de dinheiro) em Colton Hill.
Aliás tudo isto se passou em Colton Hill, onde decidimos ir passear, para fugir da confusão e ter uma vista agradável da cidade. A vista realmente é muito bonita, principalmente do monte Holyrood em frente, da baía de Forth of Firth e de Edimburgo. E a confusão nem era muita e até era cómica. O frio é que era cortante.
E a quantidade de polícia? Se ali, em Colton Hill, para meia dúzia de gatos pingados estava muita polícia, imaginem quanta estava lá em baixo em frente ao Palácio da Rainha, à porta do recentemente inaugurado novo Parlamento da Escócia. Os coletes fluorescentes quase ultrapassavam, em número, os escoceses que esperavam a saída da Rainha. Eram mais estrangeiros que propriamente os escoceses. Estes preparavam-se, nos pubs, para ver o jogo da Escócia com a Noruega (que a Escócia perdeu).
Nós não vimos nem a Rainha, nem o Sean Connery e nem o jogo de futebol. Ainda vimos uns deputados e demos conta que a Rainha saiu do edifício do Parlamento e entrou no Palácio. Mas não se conseguiu ver muito. Ela também é pequenina...
E a polícia o único trabalho que teve foi o de responder, algumas centenas de vezes, que não sabia quando é que a Rainha ia aparecer. Para além disso, só teve que lidar com alguns bêbados. Dois deles vinham à nossa frente a descer de Colton Hill com a bandeira da Escócia e a dizer que queriam a independência já. Acho que estavam à espera que houvesse mais cerveja se isso acontecesse.
Subimos a Royal Mile para tentar comer. Ainda vimos o museu do Povo de Edimburgo (grátis) . Mas com o jogo da Escócia tornou-se difícil arranjar onde comer. E a fome apertava! E quando a fome aperta... Por isso entrámos no Spoon, que tínhamos visto na noite anterior e que nos tinha chamado a atenção. Em nada as nossas expectativas ficaram goradas. Fez-me em muito lembrar o Gruel em Dublin, mas mais arranjadinho e mais caro. Comemos uma sopa vegetariana e uma tortilha. Gostei mesmo muito, principalmente pela calma mesmo ali ao lado da confusão e de poder parar para ler um pouco o jornal. Foi aí que vimos as jantes rotativas.
Quando saímos já estava a escurecer e ameaçava chover. Mas ainda nos faltava o principal da visita – o Castelo. Fomos subindo a Royal Mile, vendo as lojas e deparando com espanhóis e italianos de dez em dez metros. Eles fogem do calor! Nós, portugueses, não temos dinheiro e vamos para o Algarve. Será que se gasta menos?
Finalmente o Castelo de Edimburgo. À porta avisaram-nos que o castelo fechava às 18h e portanto que começássemos a visita pela parte superior do mesmo. Depois percebi porquê. Porque se o castelo fechava às seis, não queria dizer que as exposições não fechassem mais cedo. Mas ainda vimos muita coisa. Vimos as jóias da coroa escocesa, a capela de St. Margaret (o edifício mais antigo do castelo), o memorial das guerras e a prisão onde está uma exposição sobre os prisioneiros de guerra. Para mim foi o melhor da visita, ver como os presos se amontoavam em camaratas minúsculas e quase sem luz. E mais impressionante foi ver algumas das obras de artesanato que faziam com ossos da comida e restos de madeira.
Ainda estivemos uma hora e tal no castelo, mas mesmo assim não vimos tudo. Acho que o dinheiro que é pedido à entrada até é justo, apesar de à primeira vista parecer muito dinheiro.
Quando saímos já as luzes do castelo estavam acesas. Descemos até Princes Street, para umas fotos e decidir onde jantar. Fomos beber uma pint a um pub ali perto, o Abbotsford. Não bebi Whiskie. Acho que foi uma heresia, mas não o fiz, apesar de no bar haver Whiskies para todos os tipos de fregueses. Quase tantos quantos Tequillas em Tijuana. O pub é muito porreiro e o bar é mesmo no centro da sala, o que torna a coisa um pouco diferente do que estamos habituados. O bar é em madeira e todo trabalhado.
Fomos jantar a um indiano (tipicamente escocês) chamado Suruchi's e quando já estávamos quase com toda a vontade de ir para a cama resolvemos entrar numa visita nocturna às catacumbas de Edimburgo. O melhor da viagem! Não vos vou contar muito, porque acho que ia estragar uma eventual visita vossa, mas é uma coisa carregada de emoções que a guia consegue, e muito bem, fazer com que sejamos colocados perante um cenário crescente de pavor que termina num êxtase, numa sala escura debaixo da ponte sul, povoada por fantasmas e um poltergheist. Pelo meio há a visita a uma sala minúscula com artefactos de tortura e um altar pagão de bruxaria. Se forem a Edimburgo procurem o Auld Reekie's Ghost and Torture Tour, mesmo na Royal Mile.
E fomos dormir, ainda abanados com a visita às catacumbas, com o estômago ainda cheio de caril e a cabeça cheia de coisas para nos lembrarmos! Um dia em cheio! |