28 CRÓNICA O Vespertino de Reading 27 de Setembro de 2004

Barreiras

Custa-me começar a escrever. Ontem [Domingo, 26 de Setembro de 2004] cheguei a casa às 2h da manhã, depois de atravessar Londres de metro e depois no Besouro. A viagem de volta a Reading foi muito mais rápida que a ida para Brixton no sábado [25 de Setembro de 2004] à tarde. Não é de admirar, pois os ingleses ao domingo à 1h da manhã estão, na sua maioria, a dormir.

Foi (mais) um fim-de-semana marcante. Esta estadia no Reino Unido pode não ser tão inesquecível como a que tive no Estados Unidos, porque essa foi a minha primeira experiência do género. Nunca será tão surpreendente como a que tive no Japão, que apesar de mais curta foi de certeza muito mais diferente. Mas esta experiência no Reino Unido, começo a ter a certeza, será muito marcante, porque acho que será muito menos de descoberta, mas sim de consolidação de conhecimentos.

Beatles em Oxford Street - Fotografia de Rui Gonçalves

As barreiras mentais a um desafio deste género já não existem. Acho que as perdi nos Estados Unidos e se calhar, por ter sido há tanto tempo, nunca tinha pensado nisso. Só pensei nisso, ontem, porque estive o dia todo com o meu amigo Miguel Monteiro que resolveu viver uns tempos em Londres para quebrar as barreiras mentais que a nossa sociedade nos coloca. Ele, como empresário interessado na internacionalização das suas empresas, pretendia quebrar com as barreiras e os medos dos estrangeiros e do estrangeiro. A sua experiência está a chegar ao fim e as barreiras diminuíram. Está de partida vitorioso sobre si mesmo.

Foi muito inspirador estar com o Miguel. Aliás, ontem estivemos com três Migueis a jantar. Cada um com uma história diferente de paixão, o Miguel Monteiro com uma clara paixão pelos negócios, o Miguel Braga com uma paixão assolapada por viajar e experiências no estrangeiro e o Miguel Silva com uma paixão por estudar. Aliás este último Miguel era novo para todos nós, pois tinha acabado de chegar a Londres para frequentar um MBA e só ali estava porque era professor de um amigo do Miguel Monteiro.

Mas o mais inspirador foi ver que um empresário mediático como o Miguel Monteiro consegue cativar uma audiência e mostrar com exemplos simples em que bases se rege a sua doutrina de gestão de pessoas e empresas. Tudo se baseia numa coisa simples – Congruência. E nunca pensei que um empresário de sucesso fosse uma pessoa tão sensível e conhecedora da natureza humana. Se calhar essa é a chave da gestão de sucesso. A chamada Inteligência Emocional, como diz o Daniel Goleman.

O fim-de-semana não foi marcante só pelas pessoas, mas também por alguns locais ou experiências. Anteontem, quebrei mais umas barreiras e conduzi o Besouro pela maior cidade da Europa. Depois de ter conduzido em Paris, fazê-lo em Londres foi muito simples. Aliás depois de Barcelona acho que qualquer cidade da Europa é fácil de conduzir... Até chegar a Itália. E se conduzi em São Tomé e sobrevivi, que mal me poderia fazer fazê-lo num país civilizado? O único problema foi ter demorado duas horas a fazer o que fiz ontem em cerca de uma. Tudo porque o trânsito em Londres é caótico.

Mas conseguimos chegar a casa do Paulo, Edgar e Miguel, onde dormimos nessa noite. Acho que foi a única coisa que fizemos, porque mal os vimos e nem sequer fomos capazes de lhes fazer o mínimo de companhia. (Desculpem-nos) Mas outras oportunidades haverão e estes dias eram bastante importantes. Voltaremos em breve com mais tempo e uma garrafa de vinho.

Mal chegámos, saímos a correr. As lojas estavam a fechar e ainda esperávamos encontrar umas coisas. Acho que vimos muita coisa, mas muito pouca coisa que nos interessasse. Começámos em Baker Street e acabámos em Oxford Street. Começámos numa loja de luxo de Yoga (http://www.calmia.com/) e acabámos a ver uns tipos a controlarem umas marionetas dos Beatles. Pelo meio ficaram 5 andares do Selfridges e 4 do House of Fraser. E nada que nos fizesse perder a cabeça. A não ser a quantidade de gente que anda em Oxford St. num sábado à tarde.

Depois descemos a Leicester Square, onde desesperámos ainda mais com a quantidade de gente. E quase chorámos quando vimos a fila à porta do restaurante japonês que tínhamos escolhido ir. Quase desistimos, mas ainda bem que não o fizemos. O Misato, é assim que se chama o restaurante, pode não ser o melhor restaurante japonês em Londres, mas se calhar é o mais original. Não é uma Izakaya, mas a comida é japonesa. A comida japonesa de um restaurante rápido e barato. Mas boa comida. Comemos Tori Soba e Tempura Udon, massa grossa com galinha frita e massa de trigo fina com camarões fritos respectivamente. Tudo acompanhado com duas Sapporo e duas Kirin Ichiban. E uma Miso Soup. Um cheiro a Japão.

Comprámos o Observer e fomos dormir. Ainda escrevi algo no meu Moleskine, quando cheguei a casa do PE&M:

"De todas as cidades que já vivi, Londres é a maior. Acho que Nova York deve assemelhar-se a Londres em muita coisa. É uma cidade que me falta no curriculum, mas espero não a deixar por muito mais tempo por explorar.

[...] Passámos a tarde a atravessar Londres. Primeiro no Besouro e depois de Metro e a pé. Mas o mais bonito do dia aconteceu já de noite. Enquanto esperávamos pelo 3, já em Brixton, para aqui chegar, uma senhora vendia quadros no passeio junto à paragem. As pinturas deviam de ser dela, mas até podiam ser da neta, pois eram do mais naif possível. Os desenhos estavam enquadrados com molduras feitas com o que pareciam pratas de chocolate e papel de embrulho. Mas o melhor é que a mulher, visivelmente embriagada ou charrada (é Brixton), tocava uma lata pequena de Pringles com moedas lá dentro, fazendo o ritmo, e soprava um pente de cabelo como se uma gaita de beiços fosse. Lindo! Ela estava feliz e nós também."



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