21 de Setembro de 2004 O Vespertino de Reading CRÓNICA 25
Ex-Libris - Fotografia de Rui Gonçalves

Portugueses no Mundo

Como receptor das minhas crónicas e sabendo que eu estaria interessado, o meu amigo Sérgio "Pipa" Santiago guardou-me o número da Revista Única do Expresso que resumia as viagens do Gonçalo Cadilhe e que me fez chegar através da Cláudia. Eu sou sincero e nem segui muito as crónicas dos 19 meses de viagem à volta do mundo, mas hoje de manhã quando comecei a ler as primeiras linhas do resumo fiquei com uma vontade enorme de voltar atrás e relê-las todas. Não só por causa dos episódios memoráveis, mas porque me identifico com o que ele diz sobre elas. E sobretudo quando ele diz que "O acto de escrever sobrepôs-se ao acto de viajar".

Passo a transcrever coisas que ele escreve e que em tudo tem a ver com este acto de vos escrever. "[...] Escrever bem custa, e cansa. Fazê-lo com periodicidade semanal era uma responsabilidade pesada. [...] Descobri rapidamente uma fórmula para responder a este desafio: em vez de escrever sobre o que me acontecia, escrevia sobre o que me apetecia. Era mais fácil e sempre era mais variado. [...] Eu precisava de algo mais que o dia-a-dia de um viajante e os lugares por onde viajava. [...] Optei, portanto, por uma abordagem intimista e multifacetada, ou se quisermos, um olhar a 360 graus, exterior e interior, das realidades que eu andava a espreitar [...]."

Tudo isto porque já por diversas vezes as pessoas me pediram para escrever menos, ou porque não têm tempo para ler ou porque não têm o hábito de ler. Porém, desculpem-me se pareço egoísta, mas as crónicas são minhas e eu escrevo-as porque, como o Gonçalo, preciso de as escrever assim. As crónicas são um exercício pessoal de registo das minhas experiências e são maiores ou mais pequenas, extensas ou concisas, vagas ou objectivas, confusas ou explícitas, conforme o meu estado de espírito. Eu não pretendo escrever para documentar o que faço (embora pareça), mas como espécie de terapia. E escrevo mais quanto mais só me sinto...

Desculpem, os que gostavam que assim não fosse! Como eu fiz com as crónicas do Expresso, podem lê-las ou não. Eu raramente as volto a ler depois das escrever. Em quatro anos não li uma única Crónica da Califórnia. Talvez quando for mais velho!

Tudo isto porque esta conversa veio mais uma vez à baila, num jantar no sábado à noite [18 de Setembro de 2004]. Um jantar de cerca de 20 portugueses, num restaurante português, servido por portugueses, rodeado de clientes (quase) todos portugueses, com comida portuguesa (o que nem sempre acontece nos restaurantes portugueses fora de Portugal) e bebida portuguesa. Em Londres! Num sítio de seu nome "O Cantinho de Portugal" na Stockwell Road. Enquanto víamos o Porto a empatar em casa com o Estoril, porque num café português há sempre uma televisão ligada (e a dar futebol).

Como a Cláudia disse no blog é sempre bom darmos um passo atrás e apreciarmo-nos à distância ou vermo-nos ao espelho. É isso que acontece quando nos embebemos na nossa própria cultura fora de Portugal, porque aí só os traços mais marcantes prevalecem, todos os outros são, na maioria das vezes, sobrepostos pela cultura local. Senti o mesmo na Casa do Benfica em San José na Califórnia. Mas aqui a proximidade a casa faz com que a cultura local tenha menos influência.

É possível ver que somos mesmo um povo desordenado, mas aberto, simpático e hospitaleiro. Gostamos da conversa como de comida e bebida. Um jantar é coisa para durar 3 horas, desde que não vá faltando de comer e beber, porque a conversa nunca falta. Ah! E as saudades? Todos queremos voltar, "não já", mas voltar está no horizonte de todos os portugueses. É as saudades dos familiares que precisam de nós quando estamos perto ou dos amigos que nos ligam mais quando estamos longe.

Aliás este fim-de-semana foi dedicado aos amigos que estão longe. O Paulo Barbosa que não via há anos, o Edgar que nem sabia que conhecia, o Miguel Braga com quem estive a semana passada e até o Luís Távora que nem conhecia. Com todos existem afinidades e se não existem o facto de estarmos longe faz com que elas apareçam.

Tudo começou na sexta-feira [17 de Setembro de 2004] e foi tudo muito rápido. Uma hora de Reading e estávamos em Brixton, onde íamos ficar no fim-de-semana. Em casa do Paulo Barbosa, do Edgar e do Miguel (outro). Brixton é assim um lugar muito negro, não pela falta de luz, mas porque a maioria da população é das Caraíbas e de raça negra. Fica no sul de Londres e é perfumada a Marijuana.

Mal entrámos em casa estávamos a sair em direcção a uma festa cuja anfitriã não conhecíamos e cujo localização errámos. Percorremos as ruas de Londres, de Brixton a Chelsea, de autocarro. Só parámos para mudar de Lorry e comprar umas Super Bock. A casa foi fácil de encontrar, depois de três autocarros, mas a porta é que não era aquela... Embora a dona da casa nos convidasse a fazer a festa em casa dela, optámos para ir para a verdadeira festa, no prédio ao lado.

A festa em tudo fez-me recuar 4 anos e a San Francisco. Mal entrámos senti-me em casa. A sala estava decorada com gambiarras de natal, sofás velhos e cadeiras todas diferentes. Havia pessoal em todo o lado e nenhum deles condizia com outro em termos de nacionalidade, origem ou raça. Desde japoneses, que não eram do Japão a Argentinos bêbados, havia um pouco de tudo. A dona, que parecia de origem paquistanesa, era colega do Paulo da Capeira e aparentemente é Pediatra.

A festa foi muito rápida. Não que não tenha sido boa, pelo contrário, foi precisamente por ser tão boa que pareceu tão curta. Acho que falei com quase toda a gente na festa. Um casal persa (diziam eles, embora fossem de Teerão), um tipo de origem nigeriana, um brasileiro, um argentino, duas tipas de origem paquistanesa, uma tipa de origem japonesa ou coreana,... E um pouco antes de sairmos (eu e a Cláudia) ainda chegou a trupe tailandesa, mas nós já estávamos a precisar de ar fresco.

Depois foi a aventura de voltar atrás pelo caminho que não conhecíamos até casa do Paulo (que ficou na festa) às 2h da manhã. Foi fácil, basta perguntar aos condutores dos Lorries se passam em determinado sítio ou como se chega não-sei-onde. O Paulo julgou que tivéssemos ido de taxi, mas nós não nos rendemos às adversidades de uma cidade grande. Nem mesmo com os copos.



Índice: Capa
Próxima Crónica: Crónica 26