Este país está carregado de referências portuguesas. Esta semana o nosso futebol está em grande, não porque as equipas portuguesas ou a selecção estejam em destaque, mas entra-se na WHSmith (livraria/papelaria/revistas) e no primeiro expositor, à entrada, dedicado ao futebol (o assunto de interesse nacional, ainda mais que em Portugal) e vê-se o Mourinho a encher a capa de duas revistas, o Cristiano Ronaldo em grande destaque numa terceira e o Deco numa quarta. Nem sombras do Beckham.
Na segunda-feira [13 de Setembro de 2004] no Safeway (supermercado para quem não sabe) na caixa estavam dois indianos mesmo atrás de mim, para pagarem. E o mais novo, que devia ser filho, comentou comigo o facto da fruta que eu estava a comprar estar tocada. Disse- lhe que era para comer já e por isso a escolhi madura. Ele achou estranho o meu sotaque e perguntou-me a nacionalidade. Quando disse que era português, o mais velho, que deveria ser o pai (tem lógica), disse "Bom dia meu senhor como está?" num claríssimo português (obviamente com sotaque). O homem ainda ficou mais surpreendido quando lhe disse que tinha nascido em Lourenço Marques (Moçambique) porque foi lá que ele aprendeu português quando trabalhava numa pastelaria perto da Beira.
Ontem [terça-feira, 14 de Setembro de 2004] a Cláudia chegou para ficar uns meses (está de licença sem vencimento) e fui buscá-la ao aeroporto. A quantidade de portugueses à espera dos seus entes queridos era imensa, porque estavam a chegar, quase ao mesmo tempo, dois voos de Portugal (um de Lisboa e outro do Porto). Mas à noite fomos jantar ao Pizza Express (para tirar saudades da Pizzarte). Claro, e como acho que já disse aqui, fomos atendidos por uma portuguesa. Já nem precisamos de nos esforçar em pedir em inglês.
A caneca por onde estou a beber o chá (que foi uma tradição introduzida por uma portuguesa em Inglaterra - Catarina de Bragança) é portuguesa, apesar de ter sido comprada no Debenhams (Department Store). Diz distintivamente Café (não tem lógica) a toda a volta. As agências de viagem publicitam o `The Algarve' como se fosse O único sítio para passar férias. As referências nunca mais acabam...
O que me leva de novo ao fim-de-semana em Londres e a algumas coisas que ainda não contei, como ir ao pub Oporto ou cruzar-me com portugueses que estão cá à procura de melhores situações de trabalho (como eu?). Mas isso fica para daqui a pouco, porque primeiro convém esclarecer umas coisas. Fiquei surpreso como ninguém detectou na última crónica que eu falei em Nottingham quando me referia a Notting Hill. Provavelmente até detectaram, mas como o meu mail na segunda não funcionou se calhar não recebi os comentários. É verdade, se alguém me escreveu segunda-feira [13 de Setembro de 2004] é provável que não receba resposta porque os mails perderam-se.
Voltando a domingo [12 de Setembro de 2004], acordei um pouco mais tarde que no dia anterior. Desta feita lembrei-me de desligar o despertador, mas como nesta terra de pouca luz ninguém usa persianas é difícil não acordar cedo quando o sol também o faz e decide raiar todo o quarto com a sua esplendorosa luz, potenciada por umas cortinas amarelas e da espessura de uma folha de papel. Pequei no Observer, o jornal que tinha comprado na noite anterior à chegada a Holborn, mesmo ao lado de um tipo que vendia Kebab e cebola frita que enfestava a estação toda com um pestilento cheiro a fritos. Li umas linhas e comecei a ficar com sono novamente. A cabeça começou a cair para o lado, num impulso instintivo devo ter dado um salto na cama e como devia de estar a sonhar com pássaros (influência do passeio à beira do canal provavelmente), achei que estava um pássaro no quarto, uma vez que tinha dormido com a janela aberta.
Não dormi mais e resolvi ir passear pelas redondezas enquanto os outros dormiam. Tomei um banho de água fria (ainda não é gelada) porque o gás estava cortado (ainda não percebi porquê) e disse ao Patrick (o senhorio) para dizer ao Miguel que me ligasse quando acordasse. E rumei à City.
Dei uma volta a Russell Square à procura do alfarrabista do Black Books (uma série cómica da BBC que passa ao sábado à noite em Portugal). Ainda fui à Bloomsbury Street, mas não encontrei o dito cujo. Gostava de ver se o dono se assemelha minimamente ao esquizofrénico da série e se existe algum assistente retardado.
Não encontrada a Black Books, a busca continuou agora com o objectivo de encontrar a Megastore da Forbidden Planet, que como o nome diz é um mundo à parte. Imaginem dois andares de bonecos que reproduzem heróis e vilões de banda desenhada, filmes e séries de ficção científica e jogos de estratégia. Estou a mentir, é só um andar, o outro tem livros e jogos. Aliás foi por causa dos livros (de Banda Desenhada) que lá fui. Mas já não tem a mesma emoção que tinha há uns anos, porque, hoje em dia, quase tudo se pode comprar em, ou de, Portugal. Fiquei surpreendido é como é que há retardados que dão mais de 250 euros por uma estátua de 20cm do Eduardo Mãos-de-Tesoura ou mais de 500 por um Gollum a agarrar um peixe numa escala de 1:2. Em frente fica o tal pub Oporto (já lá vamos).
E fui por ali abaixo até a Covent Garden. Parando aqui e ali, primeiro numa loja com o nome sugestivo de Mysteries (na Monmouth Street) que vendia de tudo para quem gosta de Yoga, Reiki e medicinas alternativas. Ah! Por falar nisso, esqueci-me de falar nos cogumelos mágicos que se vendem por todo o lado, em Camden (e não só), e que o Miguel resolveu saber para que se destinavam. Uma miúda húngara, que vendia uns, disse-nos que dependia dos cogumelos mas que havia uns que eram relaxantes e outros excitantes. E que o efeito durava cerca de 4 a 6 horas. Havia uns especiais, muito apreciados pela comunidade gay, que relaxava todos os músculos do corpo.
Mas voltemos a Convent Garden, onde os ingleses não vão. Acho que voltei a ver apenas dois e deviam estar perdidos. É impressionante a quantidade de gente de diferentes nacionalidades que vive em Covent Garden, deveria alguém pensar se ali caísse de pára-quedas. E seres estranhos que se pintam de dourado, prateado, branco ou preto e ficam imóveis durante horas. Ou que arranjam uns fatos esquisitos e se metem com quem passa, para estas deixarem uma moeda num chapéu virado ao contrário, deixado ali no chão. Covent Garden é bom para quem vem uma vez a Londres. Transpira emoção, divertimento e alegria, mas quem conhece Londres sabe que Covent Garden é uma representação, um teatro a céu aberto onde os turistas deixam uns trocos. Aquilo não é Inglaterra!
Almocei uma versão turística das tortas inglesas de massa folhada, e no meu caso, recheada com Bife temperado com Guinness, na esquina do mercado, na pastelaria West Cornwall (aquela região que foi devastada por umas chuvas torrenciais há umas semanas – a Cornualha). Por sinal estava mesmo boa! Mas ainda não sei se foi por causa disso que tenho os lábios todos rebentados.
Depois foi passear e ver umas lojas. Ainda andei à procura de um estúdio de yoga que supostamente existe ali perto, mas em vez disso encontrei um pátio muito semelhante aos pátios mediterrânicos e muito giro (Neal's Yard). Com um café e lojas de produtos biológicos (orgânicos, nesta terra). Fui experimentar casacos para a The North Face e voltava à Mysteries quando o Miguel telefonou. Ainda bem, já estava a ficar sem ideias.
Sentámo-nos numa esplanada num café pestilento de Fish & Chips italiano, com ar de que estava em Barcelona, não fosse o vento gelado. E ali ficámos umas duas horas na conversa. Mas depressa o tempo começou a mudar e o Miguel queria ir à missa. Voltámos a casa para eu ir buscar as minhas coisas e ele um casaco.
Pelo caminho, o Miguel não resistiu e teve que perguntar ao dono do pub Oporto porque este se chamava assim. O tipo era simpático, mas a resposta foi simplesmente um "Porque sim". Aparentemente o nome já vem de antigos proprietários e ele manteve-o porque gosta do logotipo. Simples! Sem qualquer tipo de referência a Portugal, porque, como ele disse, nem Vinho do Porto vende. O Miguel ficou desiludido.
Já a caminho de Oxford Circus, de volta para Paddington, porque tinha decido andar um pouco mais a pé, e já depois de ter deixado o Miguel no seu caminho para a missa, vinha curioso a apreciar a confusão da Oxford Street quando oiço "... tumái telemóvel eite ó cloque tunáite...". Olho e o tipo entra para um Lorry de dois andares, um homem de meia idade com ar de quem tinha ido para ali à procura de melhor vida, provavelmente nas obras.
Mais à frente, mesmo em Tottenham Court Road, encostado às grades do Underground (Tube como eles lhe chamam carinhosamente), sentado no chão, de costas para quem passava, mas virado para a rua, estava um homem, mais ou menos da mesma idade, que começava a chorar, como se tivesse perdido algo de muito importante na sua vida, um emprego, um amor ou mesmo um ente querido. Desesperado, mas envergonhado, sem poder conter a emoção. Eu só vi porque parei, fugindo da multidão, mesmo em frente a ele, para arranjar o saco. É nestas situações que acho as cidades desumanas. Eu não tive coragem de lhe ir falar, porque eu na mesma situação não queria que fossem falar comigo, mas acho que as cidades tornam as pessoas sós e sem amparo em situações difíceis. A linha que separa a vida do desespero é muito fina, como já tinha achado em São Francisco, uma cidade muito mais pequena que Londres.
Voltei para casa! |