18 CRÓNICA O Vespertino de Reading 8 de Setembro de 2004

24 K

Acabei de chegar de uma volta de bicicleta de 24 kay (como eles aqui chamam carinhosamente a mil unidades de medida de distância do resto do mundo – o quilómetro para os distraídos). As minhas pernas tilintam de comichão em diferentes partes, até no braço esquerdo sinto comichão. Malditas urtigas que existem por todo o lado, por aqui. Mas para compensar existem milhentas amoras silvestres. Não há bela sem senão.

Hoje quando cheguei de manhã ao escritório tinha um e-mail do Phil Baker a dizer que tinha trazido uma bicicleta para mim. Há dias que eles andavam a combinar a volta de hoje, mas como eu não tenho cá nem capacete, nem luvas, nem calções e nem bicicleta, achava que eu estava fora da lista. Pois passei a estar!

Thames Path - Fotografia de Cláudia Fernandes

Não me apetecia nada. Confesso que me apetecia estar numa de solidão e ir a uma aula da yoga da Mary Niker. Mas soube-me pela vida. Acho que há muito que não me sentia tão confiante e divertido. Andar de bicicleta pode ser mais inspirador que meia-hora de meditação. Da última vez foi frustrante, mas hoje soube a vitória.

À hora do almoço vim buscar uns calções, umas sapatilhas e uma t- shirt a casa. Às 16:00 fui à casa-de-banho e às 16:15 estava pronto a andar. Quase porque ainda tínhamos que ir até ao local da largada. Éramos quatro: eu, o Phil, o Alex Greenhalgh e a Julie Teasdale.

Tudo começou em Pangbourne a umas 5 milhas aqui de Reading. Eu tive direito a uma Kona Kula equipada com Shimano Deore e travões de disco Magura Louise. Um luxo! Pena que tivesse que usar uns pedais normais uma vez que não tenho cá as minhas sapatilhas SPD (para quem não sabe é aquele mecanismo de encaixe das sapatilhas nos pedais "automáticos"). E bem falta me fizeram, assim como o capacete. Aqui há bastantes caminhos de pé-posto e as árvores passam a grande velocidade e muito perto de nós.

A volta começou ao atravessar o Tamisa para Whitchurch-On-Thames (paga-se 10p de portagem na ponte, mas só para carros). A paisagem começava bem com belas vistas sobre o rio, assim como a volta que começava a subir. Mas o que sobe tem que descer e logo a seguir umas escadas para descer. O Alex decidiu aventurar-se mas ao terceiro degrau deixou-se vencer pelo medo. Eu, com capacete e SPDs não sei se o faria, sem isso, peguei na bicicleta às costas e desci a pé. Ninguém mais tentou.

Seguiu-se uns belos dois quilómetros ao longo do rio, uma subida infindável e outra descida sempre em pé-posto. Depois seguiram-se troços de alcatrão a subir e descidas em bosque denso e com raízes no chão. Muito calhau solto. Umas vistas soberbas sobre campos de cultivo e o Tamisa. E até sobre uma central de produção de energia, com chaminés semelhantes a uma central nuclear, mas que eles me disseram que era de carvão e petróleo. Bem! A diferença é grande mas não faz dela um belo espectáculo.

A dada altura, depois de uns 3 quilómetros de alcatrão, a subir, o Phil disse que estávamos a meio da volta. Já me doíam as pernas e o rabo começava a dar sinais de que lhe faltavam os poucos milímetros de almofada de uns calções de ciclismo. Metade? Pensava que não chegava ao fim, mas afinal os últimos 12 quilómetros eram bem mais fáceis que os primeiros. Sempre a pedalar, mas muito rápidos. A Julie pensou o mesmo que eu.

À chegada a Whitchurch-On-Thames, numas típicas paisagens rurais inglesas, com cavalariças de um lado, do outro havia uma criação de lamas (dos Andes). Centenas deles. Não percebi bem porque é que se criam lamas na Inglaterra, mas não me parece que seja para carregar mercadorias monte acima, porque montes é coisa que não abunda por estes lados. Acho que deve ser por causa das peles.

A volta acabou com uma pint de lager num pub. À saída os restantes babaram-se quando o cheiro pestilento a fritos emanou o ar vindo de um take-away de fich and ships do outro lado da rua. A mim deu-me vómitos. Mais uma coisa que não consigo compreender nos ingleses, a juntar, entre outros, ao facto de eles gostarem de estar em filas de trânsito (na TV ontem estava a dar uma reportagem que dizia que os ingleses gostam de filas e alguns diziam que era por causa de uma longa tradição de serem educados. Eu acho que eles são mal educados e rudes.).

Mas voltando à volta. Fiquei surpreendido por não ter suado muito. Acho que ando a querer destilar poucas porcarias. Amanhã isso passa com as festividades do fim do projecto onde eu trabalhei e que me fez viajar até ao Japão. Bebida e comida à borla a partir das 17h.



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