12 CRÓNICA O Vespertino de Reading 1 de Setembro de 2004

Irlanda III - Connemara

Acho que alguns dos leitores do Vespertino não perceberam que nas últimas duas Crónicas (assim como nas próximas sobre as férias na Irlanda) algumas das partes (as entre aspas) foram escritas na altura das férias no meu Moleskine [N.R. – Para quem só agora sintonizou este canal, o Monoskine é um famoso livro de apontamentos usado por imensos famosos e que eu adoptei com o mesmo intuito desde a minha última viagem ao país do sol nascente].

Aasleagh Falls - Fotografia de Cláudia Fernandes

Assim, volto a salientar que as partes entre aspas são pensamentos e sentimentos com cerca de uma semana de existência. Não quer dizer que alguns deles não persistam.

[24 de Agosto de 2004 - 9:40] Keel's Camping, Keel, Achill Island

"Em Portugal diz-se que depois da tempestade vem a bonança, parece-me que na Irlanda é o contrário. Está novamente tempo quase de Inverno. Choveu e esteve vento toda a madrugada, mas o nosso iglô passou o teste."

Na verdade as madrugadas na Irlanda são muito frias e normalmente resultam num aumento do vento e na maioria das vezes em precipitação, mas ao fim do dia parecia que o tempo melhorava sempre. Foi uma constante de todas as férias.

Saímos da ilha de Achill muito cedo com o objectivo de visitarmos Westport e daí rumarmos a Connemara. A primeira paragem foi no Rockfleet Castle, uma torre que em tempos albergou a mais temida pirata da costa oeste da Irlanda de seu nome Grace O'Malley. Chamam- lhe castelo mas qualquer semelhança com um normal castelo da nossa terrinha fica-se pelo facto de ser apenas uma torre com vários andares e com ameias. A coisa mais interessante da torre era a meio das escadas haver um pequeno compartimento com um orifício no chão que dava directamente para o exterior, mas ao contrário de os de Savonlina na Finlândia, este não era visível do exterior.

Westport mostrou ser uma cidadezinha sem muito interesse. Algumas lojas e muitos turistas. Demasiados para o meu gosto, o que descaracteriza necessariamente um local. Quando a afluência turística aumenta a autencidade dos lugares começa a diminuir. É tudo feito em prol do interesse dos turistas. Foi isso que aconteceu quando acabámos por comer num restaurante italiano que servia Fish and Chips (que não comemos).

O melhor de Westport é Croagh Patrick, o monte onde St. Patrick (para quem não sabe é o padroeiro da Irlanda) expulsou as cobras da Irlanda e que se tornou um dos maiores pontos de peregrinação da Europa (suponho que depois de Santiago de Compostela, Lourdes e Fátima). O monte é imponente, a subida é dificultada pela pedra solta, mas há centenas de pessoas a fazê-lo todos os dias. Nós subimos um bocado para ver a vista das 365 ilhas que formam a Baía de Clew, mas voltámos para trás pois se não o fizéssemos temíamos que teríamos que o subir todo. A montanha chamava-nos. Se calhar devíamo-lo ter feito.

Para quem quiser lá ir dirija-se a Murrisk e ao lado do pub Campbell's comecem a subir. Se não o quiserem fazer, façam como nós, e vão ver o monumento à grande fome da Irlanda que fica do outro lado da estrada. É um monumento pequeno tendo em conta que esse episódio marca bastante a história a Irlanda, além de a ter quase destruído enquanto nação (embora na altura não o fosse, mas os ingleses pouco fizeram para minimizar a desgraça dos irlandeses). Mas não vou contar agora aqui o período negro da história da Irlanda.

Daí continuámos pelo vale Doolough até Leenane. Desde Loisbourgh até Roundstone, onde pernoitámos, foram sem dúvidas as melhores paisagens de toda a viagem. É difícil de descrever a paisagem, mas parece que de um momento para outro fui transportado para os altos Pirinéus, mas junto à costa da Noruega e carregada de ovelhas da Nova Zelândia. No vale Doolough parecia que estava nos Pirinéus, tudo verde, cercado por picos altos (700-800m, mas um vale profundo), ao chegar a Leenane deparámos com as quedas de água de Aasleagh e de repente achei-me algures no oeste americano. Daí começámos a ver o porto de Killary e o seu fiorde, o único da Irlanda. E logo depois os picos do Parque Natural de Connemara... Sem palavras!

Parámos para ver a Abadia de Kylemore, mas pouco mais vimos que a fachada, o lago e a loja, porque a abadia estava fechada. Em Clifden fizemos a Sky Road e ficámos ainda mais de boca aberta. Aconselho vivamente a quem for à Irlanda a esquecer o resto e ir directamente para Mayo e Galway County, para Connemara. Era onde deveríamos ter ficado mais tempo.

[21:10] Gurteen Camping, Roundstone

"Hoje o dia foi dedicado ao para-arranca. Já nem me lembro onde começou, mas acabou aqui à volta de um belo bife com arroz de tomate e duas cervejas. O sol ainda se põe e está um vento frio, mas tenho a sensação que vou dormir bem (o que não aconteceu desde que aqui cheguei)."

[23:30] De novo no parque, já na tenda.

"Fomos ao pub em Roundstone. Bastante aconchegante. Cheio de gente (10-15 pessoas) e com um cheiro a marisco e fritos que tresandava. Bebi 2 half-pints de Guinness e a Cláudia de Smithwick's (que se lê Schmidicks como somíticos). Pagámos €2.00 por cada.

Um tipo pediu um Porto com Brandy. A mim a mistura parece-me semelhante a nitroglicerina, mas mais explosiva. Mas a empregada disse que era bom.

De repente entrou um tipo com um casaco igual ao meu. Tivemos que bazar.

Estamos acampados ao lado de uma estátua de Nossa Senhora sem cabeça. A noite está agradável com um céu estrelado. Espero não acordar com a chuva de madrugada. O único mal foi montarmos a iglô em baixo de um poste de luz, mas já pus a manta-da-NASA [N.R. – Uma película de alumínio que comprámos há 3 anos nas férias na Finlândia e que nas instruções dizia ser construída com um material desenvolvido pela NASA, daí a alcunha] a bloquear a luz.

Até amanhã."

Na verdade a manta-da-NASA ainda caiu e eu saí para a pôr no lugar. A Cláudia nem deu conta.

Este foi sem dúvida o melhor dia das férias.

Kylemore Abbey - Fotografia de Cláudia Fernandes Killary Fjord - Fotografia de Cláudia Fernandes


Índice: Capa
Mapas da Viagem : Irlanda Mapas 1
Próxima Crónica: Crónica 13