D26 SEGUNDA-FEIRA, 4 DE ABRIL DE 2005
Marito e a namorada - Fotografia de Rui Gonçalves

Há já bastante tempo que não vos escrevo. As crónicas pararam com o fim do Vespertino de Reading e o blog anda muito próximo da estagnação. Ultimamente, quando escrevo, apenas o faço em diálogo pessoal, no meu Moleskine, nos poucos momentos de paz que vou conseguindo arranjar.

Não vos escrevo, não porque não haja o que escrever, mas porque prefiro estar em silêncio. Prefiro não vos escrever porque não quero que vos pareça triste, mas não vos escrevo porque não me sinto especialmente feliz. Embora não me sinta infeliz, não ando com especial inspiração para transformar alguns episódios cómicos, ou menos cómicos, da minha vida em textos capazes de vos inspirar um sorriso. Por isso tenho preferido escrever no meu Moleskine. Pode ser que ele vos conte algumas das histórias, sonhos, desilusões e aventuras dos últimos tempos.

Mas hoje resolvi escrever-vos porque sinto que há momentos que são maiores e merecem um espaço para além das folhas amarelas do meu Moleskine. Alguns estão aqui na minha memória e, como me falta a inspiração, temo que o tempo os faça desaparecer. Permitam-me partilhá-los convosco e desculpem-me a intromissão.

Os últimos tempos da minha vida profissional têm sido marcados por contínuos momentos de desilusão. Sou um perfeccionista e isso faz com que por vezes seja presunçoso e ache que faria melhor que os outros se tivesse a chance de lhes calçar os sapatos. E isso faz com que, na maioria das vezes, apenas veja os erros, de quem os comete e não repare que há sempre coisas boas em toda a gente e em todas as situações. Porém a minha vida pessoal tem mostrado-me que existem razões para estar feliz, porque estou rodeado de razões para não temer o futuro.

Há umas semanas participei numa exposição de fotografia conjunta, com um conjunto de "amigos" fotógrafos. A sua divulgação entre os meus amigos resultou numa onda de e-mails que inundaram a minha caixa de correio com palavras que me deixaram imensamente realizado. Houve até quem viesse de Lisboa para ver a exposição (sem a ver, porque fechava ao fim-de-semana) e resultasse num encontro de amigos com quem já não convivia há algum tempo.

Mas o culminar deste momento foi o interesse de alguém, que não me conhecendo, fez com que vendesse a minha primeira fotografia. Foi tão importante que ainda não depositei o cheque, com medo que não se volte a repetir ou porque não me canso de o ver, ali na minha mesinha de cabeceira. Já tinha ganho vários prémios, mas foi a primeira vez que ganhei dinheiro com uma fotografia. Confesso que meu ego inchou um pouco...

Porém não foi com a intenção de me vangloriar que eu, hoje, decidi escrever. Mas porque "o mundo e a vida reservam-nos surpresas que se tornam em momentos inesquecíveis. Daquelas histórias que gostamos de ouvir aos nossos avós e aos nossos pais" (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005).

No fim-de-semana da Páscoa, eu e a Cláudia, voltámos a Londres. Aproveitando o retorno da viagem que tivemos que comprar para voltar a Portugal, em Novembro, e aproveitando os preços baratos da Ryanair, voltámos à capital mais multi-racial que conheço. Londres pode ter a fama de ser uma cidade sem luz (por oposição à eterna rival, Paris) mas é com certeza uma cidade cheia de cor e de gente.

Voltar a Londres, quatro meses depois, foi como voltar a casa depois de uma curta ausência. Assim que aterrei em Gatwick e apanhei o comboio tive a sensação que tinha estado fora uma semana e que retornava a casa, uma vez mais. Estar em Londres suscitou-me sentimentos contrários, se por um lado me apetecia "andar de um lado para o outro, ver tudo, correr os sítios que já conhecia, uma vez mais, ver se algo me despertava boas memórias" (extraído do meu Moleskine, 26/03/2005), por outro lado "assolou-me uma vontade enorme de ficar sentado a beber umas cervejas, ouvir uma boa música e ver gente bonita" (extraído do meu Moleskine, 26/03/2005), e gozar um bom momento num bar em Portobello Road, só pelo prazer de estar. Espairecer! Por momentos senti-me em São Francisco...

E foi mais ou menos isso que fizemos, eu e a Cláudia, no sábado [26 de Março de 2005] à noite em Camdem, com um velho amigo que já não via há cerca de 10 anos. Tinha-lhe telefonado uns dias antes a combinar um encontro, porque não o via desde que ele emigrou para Inglaterra, aos 20 anos. Assim que o vi e começámos a falar, tive a mesma sensação que à chegada a Londres. Parecia que não nos víamos há uma semana, porque as afinidades continuavam a ser as mesmas. Passámos uns bons momentos de conversa a falar de coisas que já se passaram e acabámos a noite a prometer a ambos que não poderiam passar mais 10 anos sem nos falarmos. Mas se passarem, sabemos que nada mudará.

O Mário, ou o Marito como sempre o conheci, tinha 13 anos quando lhe emprestei um vinil dos The Cramps. Na altura, eu pós adolescente, transitava dos sons de Rockabilly e Psychobilly para umas coisas mais alternativas. Ele começava a ouvir as primeiras coisas fora do normal, que não se conseguiam ouvir na rádio pirata local em horário nobre. Em breve o puto usava crista e andava de botas da tropa. Era o "mau aspecto" do bairro.

15 anos depois, esse puto tem agora 28 anos e vive em Londres há 8. "Mostrou-me a noite de Camden com o mesmo prazer com que eu lhe emprestava os meus vinis. Com a confiança que eu gostava tanto daquilo como ele" (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005). E gosto! Adorei estar com ele, com a namorada e com a Cláudia a falar de coisas velhas à volta de uns copos de cerveja, sem ter jantado. O "mau aspecto" do bairro é agora, para além de mim, o único puto que não se meteu na droga e que não está em trânsito entre a prisão e uma cura de desintoxicação.

Mas o que mais me deixou feliz e sentido foi ele ter dito que nunca se tentou a meter-se nesses mundos porque eu lhe emprestei um vinil dos The Cramps e isso fez com que ele procurasse outras vivências, outras aventuras. Senti-me magnânimo! Senti que deixei o meu toque na vida de alguém!

"Quase chorámos na despedida, não só porque já tínhamos bebido bastante, mas também porque nos sentimos juntos novamente" (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005). Acho que no fundo nos admiramos mutuamente. Eu sempre o admirei porque ele foi o único ser inteligente da minha velha vizinhança que conseguiu fazer-se homem e emigrou à procura de um desafio e uma melhor vida. Ele disse-me que o meu quarto era o sonho de qualquer adolescente (tinha as paredes forradas a cartazes de concertos) e que o facto de eu ter vivido em São Francisco era um sonho para ele.

"O puto é um homem! É um amigo que não vou deixar que esteja novamente 10 anos sem me falar!" "E Camden mostrou ser mesmo um dos sítios mais simpáticos de Londres." (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005).

Assim, como Brixton ou Greenwich. Mas o mais marcante deste pequeno salto a Londres, para além do reencontro com o Marito, vai ser o episódio de andar a tirar fotografias ao Big Ben, às 2h da manhã, com uns copos (bastantes) a mais. Em breve (prometo) farei uma exposição (que esteja aberta ao fim-de-semana e em horários pós-laborais), em parceria com a Cláudia, com fotos de Londres. Fiquem atentos...

Bus - Fotografia de Rui Gonçalves Cláudia e eu - Fotografias de Rui Gonçalves e Cláudia Fermandes


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