Há já bastante tempo que não vos escrevo.
As crónicas pararam com o fim do Vespertino de Reading e o
blog anda muito próximo da estagnação. Ultimamente, quando
escrevo, apenas o faço em diálogo pessoal, no meu Moleskine,
nos poucos momentos de paz que vou conseguindo arranjar.
Não vos escrevo, não porque não haja o que escrever,
mas porque prefiro estar em silêncio. Prefiro não vos escrever
porque não quero que vos pareça triste, mas não vos escrevo
porque não me sinto especialmente feliz. Embora não me sinta
infeliz, não ando com especial inspiração para transformar
alguns episódios cómicos, ou menos cómicos, da minha vida em
textos capazes de vos inspirar um sorriso. Por isso tenho preferido
escrever no meu Moleskine. Pode ser que ele vos conte algumas
das histórias, sonhos, desilusões e aventuras dos últimos tempos.
Mas hoje resolvi escrever-vos porque sinto que
há momentos que são maiores e merecem um espaço para além das
folhas amarelas do meu Moleskine. Alguns estão aqui na minha
memória e, como me falta a inspiração, temo que o tempo os
faça desaparecer. Permitam-me partilhá-los convosco e desculpem-me
a intromissão.
Os últimos tempos da minha vida profissional
têm sido marcados por contínuos momentos de desilusão. Sou
um perfeccionista e isso faz com que por vezes seja presunçoso
e ache que faria melhor que os outros se tivesse a chance de
lhes calçar os sapatos. E isso faz com que, na maioria das
vezes, apenas veja os erros, de quem os comete e não repare
que há sempre coisas boas em toda a gente e em todas as situações.
Porém a minha vida pessoal tem mostrado-me que existem razões
para estar feliz, porque estou rodeado de razões para não temer
o futuro.
Há umas semanas participei numa exposição de
fotografia conjunta, com um conjunto de "amigos" fotógrafos.
A sua divulgação entre os meus amigos resultou numa onda de
e-mails que inundaram a minha caixa de correio com palavras
que me deixaram imensamente realizado. Houve até quem viesse
de Lisboa para ver a exposição (sem a ver, porque fechava ao
fim-de-semana) e resultasse num encontro de amigos com quem
já não convivia há algum tempo.
Mas o culminar deste momento foi o interesse
de alguém, que não me conhecendo, fez com que vendesse a minha
primeira fotografia. Foi tão importante que ainda não depositei
o cheque, com medo que não se volte a repetir ou porque não
me canso de o ver, ali na minha mesinha de cabeceira. Já tinha
ganho vários prémios, mas foi a primeira vez que ganhei dinheiro
com uma fotografia. Confesso que meu ego inchou um pouco...
Porém não foi com a intenção de me vangloriar
que eu, hoje, decidi escrever. Mas porque "o mundo e a
vida reservam-nos surpresas que se tornam em momentos inesquecíveis.
Daquelas histórias que gostamos de ouvir aos nossos avós e
aos nossos pais" (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005).
No fim-de-semana da Páscoa, eu e a Cláudia,
voltámos a Londres. Aproveitando o retorno da viagem que tivemos
que comprar para voltar a Portugal, em Novembro, e aproveitando
os preços baratos da Ryanair, voltámos à capital mais multi-racial
que conheço. Londres pode ter a fama de ser uma cidade sem
luz (por oposição à eterna rival, Paris) mas é com certeza
uma cidade cheia de cor e de gente.
Voltar a Londres, quatro meses depois, foi como
voltar a casa depois de uma curta ausência. Assim que aterrei
em Gatwick e apanhei o comboio tive a sensação que tinha estado
fora uma semana e que retornava a casa, uma vez mais. Estar
em Londres suscitou-me sentimentos contrários, se por um lado
me apetecia "andar de um lado para o outro, ver tudo, correr
os sítios que já conhecia, uma vez mais, ver se algo me despertava
boas memórias" (extraído do meu Moleskine, 26/03/2005),
por outro lado "assolou-me uma vontade enorme de ficar
sentado a beber umas cervejas, ouvir uma boa música e ver gente
bonita" (extraído do meu Moleskine, 26/03/2005), e gozar
um bom momento num bar em Portobello Road, só pelo prazer de
estar. Espairecer! Por momentos senti-me em São Francisco...
E foi mais ou menos isso que fizemos, eu e a
Cláudia, no sábado [26 de Março de 2005] à noite em Camdem,
com um velho amigo que já não via há cerca de 10 anos. Tinha-lhe
telefonado uns dias antes a combinar um encontro, porque não
o via desde que ele emigrou para Inglaterra, aos 20 anos. Assim
que o vi e começámos a falar, tive a mesma sensação que à chegada
a Londres. Parecia que não nos víamos há uma semana, porque
as afinidades continuavam a ser as mesmas. Passámos uns bons
momentos de conversa a falar de coisas que já se passaram e
acabámos a noite a prometer a ambos que não poderiam passar
mais 10 anos sem nos falarmos. Mas se passarem, sabemos que
nada mudará.
O Mário, ou o Marito como sempre o conheci,
tinha 13 anos quando lhe emprestei um vinil dos The Cramps.
Na altura, eu pós adolescente, transitava dos sons de Rockabilly
e Psychobilly para umas coisas mais alternativas. Ele começava
a ouvir as primeiras coisas fora do normal, que não se conseguiam
ouvir na rádio pirata local em horário nobre. Em breve o puto
usava crista e andava de botas da tropa. Era o "mau aspecto" do
bairro.
15 anos depois, esse puto tem agora 28 anos
e vive em Londres há 8. "Mostrou-me a noite de Camden com
o mesmo prazer com que eu lhe emprestava os meus vinis. Com
a confiança que eu gostava tanto daquilo como ele" (extraído
do meu Moleskine, 27/03/2005). E gosto! Adorei estar com ele,
com a namorada e com a Cláudia a falar de coisas velhas à volta
de uns copos de cerveja, sem ter jantado. O "mau aspecto" do
bairro é agora, para além de mim, o único puto que não se meteu
na droga e que não está em trânsito entre a prisão e uma cura
de desintoxicação.
Mas o que mais me deixou feliz e sentido foi
ele ter dito que nunca se tentou a meter-se nesses mundos porque
eu lhe emprestei um vinil dos The Cramps e isso fez com que
ele procurasse outras vivências, outras aventuras. Senti-me
magnânimo! Senti que deixei o meu toque na vida de alguém!
"Quase chorámos na despedida, não só porque
já tínhamos bebido bastante, mas também porque nos sentimos
juntos novamente" (extraído do meu Moleskine, 27/03/2005).
Acho que no fundo nos admiramos mutuamente. Eu sempre o admirei
porque ele foi o único ser inteligente da minha velha vizinhança
que conseguiu fazer-se homem e emigrou à procura de um desafio
e uma melhor vida. Ele disse-me que o meu quarto era o sonho
de qualquer adolescente (tinha as paredes forradas a cartazes
de concertos) e que o facto de eu ter vivido em São Francisco
era um sonho para ele.
"O puto é um homem! É um amigo que não vou
deixar que esteja novamente 10 anos sem me falar!" "E Camden
mostrou ser mesmo um dos sítios mais simpáticos de Londres." (extraído
do meu Moleskine, 27/03/2005).
Assim, como Brixton ou Greenwich. Mas o mais
marcante deste pequeno salto a Londres, para além do reencontro
com o Marito, vai ser o episódio de andar a tirar fotografias
ao Big Ben, às 2h da manhã, com uns copos (bastantes) a mais.
Em breve (prometo) farei uma exposição (que esteja aberta ao
fim-de-semana e em horários pós-laborais), em parceria com
a Cláudia, com fotos de Londres. Fiquem atentos...
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