QUARTA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 2003 D25
Estádio e monte Fuji - Fotografia de David Gaukrodger

Está a chegar ao fim mais uma bela visita ao país do sol nascente (Um à parte: sabem que para representar a China, os japoneses usam dois símbolos Kanji, um que significa "meio" e outro "país", pelo que China é o país do meio... Mais uma coisa estranha! No entretanto, enquanto vos escrevia, descobri que para Portugal usam três símbolos Kanji, os dois primeiros representam "Uvas" e o terceiro significa "Dente Canino", pelo que Portugal deve ser o Canino das Uvas? Ou Portugal é o país da comida e da bebida... Acho que assim é melhor! Ah! Saudades!)

Hoje [17 de Dezembro de 2003] é o meu último dia. Por aqui fica tudo na mesma. Eles continuam a dormir nas secretárias e ar condicionado está sempre no máximo. Nada muda! Acho que vai continuar assim até eu retornar... Nunca se sabe! Eu ganhei mais do que eles com esta visita. Da última (e primeira) vez foi menos assim, eles ganharam alguma coisa, mas eu saio sempre a ganhar. Os japoneses são adversos à mudança, embora sejam bastante permissivos no que toca à introdução de termos estrangeiros na sua linguagem e ao facto de mudarem de local de trabalho várias vezes, mas esta última é mais por imposição hierárquica do que por vontade própria. Eu vou daqui a saber como se trabalha naquele que é considerado o país mais desenvolvido do mundo e que afinal não sabe trabalhar eficientemente, pelo menos no que toca a software. A produção de software é feita à custa de imensas horas no local de trabalho e nem sempre a trabalhar. Pouco rentável...

Parto com pouca vontade de retornar, mas eu sei que nestas coisas de vontade, por vezes mudamos com o tempo. Gostava de ir a Hong Kong da próxima vez ou quem sabe a Shangai. Mas se voltar ao Japão, espero ser avisado com mais antecedência e possa trazer a Cláudia comigo. É bom partilhar estas coisas e andar por aqui sozinho ou com amigos de conveniência nem sempre é bom. Embora ajude em momentos menos bons.

Mas deixemo-nos de balanços e vamos às histórias estranhas de um país estranho do outro lado do mundo, cheio de gente estranha com estranhos costumes.

A melhor coisa do Japão são os comboios. Todos os dias ao pequeno almoço no hotel fico à janela, para ver os Shinkansen passarem. São aqueles comboios que há uns anos eram considerados os mais rápidos do mundo e que dão os 300 km/h. Claro que aqui não conseguem chegar a essa velocidade porque as estações são muito perto, mas mesmo assim quando passa um rápido a sala abana e ainda está a uns 50 metros. Pelo que tenho visto há três tipos de Shinkansen ("Nova Linha Principal" em Japonês), o 300, o 500 e 700. O mais bonito é o 500 que parece mesmo uma bala... (vejam em http://www.h2.dion.ne.jp/~dajf/byunbyun/types.htm).

Mas se os Shinkansen são futuristas os comboios normais são mais velhos e feios que a Sé da Coimbra. E vê-los da janela não é tão bom como estar na estação e ouvir as belas melodias que indicam que as portas vão fechar. Já vos contei, mas não custa repetir, mas quando um comboio pára e as pessoas saem, começa a tocar uma música cujo ritmo vai aumentando e quando termina as portas fecham. É um incentivo a que as pessoas se despachem para entrar.

Tenho estado a ler um livro de banda desenhada chamado " A Pior Banda do Mundo" do José Carlos Fernandes que no seu primeiro volume "Quiosque da Utopia" escreve/desenha a história de um compositor que faz músicas para telefones. Aquelas músicas que nós ouvimos enquanto nos põem pendurados à espera ou transferir a chamada. Cada vez que oiço as belas melodias das estações de comboio aqui no Japão, (sim, porque há várias e cada linha ou estação tem uma música diferente) fico com a sensação que foi o mesmo compositor do livro que as fez. Na história o compositor gabava-se de ser o autor das melodias mais ouvidas em todo o mundo, mas o que fez as músicas das estações de comboio do Japão deve ser aquele que escreveu as melodias ouvidas por o maior número de pessoas do mundo.

Só para acabar com os comboios. Sabem que eles chegam sempre à hora marcada e param sempre no mesmo sítio? Pois! Até está marcado no solo onde ficam as portas e é lindo ver em hora de ponta a fazerem fila naqueles sítios à espera que pare o comboio.

Aliás os japoneses deve ser o povo mais bicha do mundo, mesmo que não se vejam muitos homossexuais (a tradição não o permite e há discriminação, embora tenha visto alguns). Embora não seja bicha no de sentido de homossexual, mas porque fazem fila para tudo. No multibanco aqui da fábrica (Sim! Tem várias caixas multibanco, loja, duas cantinas e às vezes vendedores ambulantes! Isto é uma aldeia...) fazem fila à hora do almoço e até há marcações no chão para fazer a fila direitinha. Há fila para entrar nos restaurantes, pois como sabem aqui as salas são pequenas e aproveitadas ao máximo, pelo que tem que se esperar por mesa cá fora e às vezes à chuva. Há fila para atravessar a passadeira... Há fila para tudo, embora por vezes e como sempre há quem não respeite. Principalmente em Tokyo, onde a pressa de chegar se sobrepõe à educação.

Mas voltando aqui à fábrica (desculpem se parece que ando aqui para trás e adiante na crónica, mas na verdade a minha cabeça está tão cheia de coisas novas que vos gostava de contar que me perco...). Aqui estou eu rodeado de placas enormes (quase um metro) que são telemóveis que em breve serão transformados naquelas miniaturas que vocês usam, mas que para testes convém que sejam grandes. Na verdade estão a testar a recepção de chamadas pelo que a cada dez segundos toca a música da missão impossível ou do 007. Felizmente o som não está muito alto e o barulho das ventoinhas consegue abafar, assim como o barulho do aquecimento. Vocês nem imaginam quantos tubos e de quantas dimensões passam por cima da minha cabeça.

À minha frente está o Tong, um chinês que trabalha em Inglaterra. Uma personagem única e indiscritível, com a sua careca e o raro cabelo no ar. Raramente fala, chega depois de mim e sai sempre primeiro. Almoça sem dizer nada e nem sei se janta. Um cromo raro! Depois existe o Fabrice que para além de francês é louco. O pai é siciliano, diz tudo... Mas é um tipo porreiro!

Mas ainda não vos contei do Stéphan que se foi embora ontem e que é francês também. Mal fala inglês, mas ao contrário de muitos esforça-se e faz-se entender. Mas o melhor é a sua maneira de vestir, com a sua proeminente barriga, onde apertam as calças, mesmo acima da cintura, quase a meio do peito, tão subidas que dão pelo tornozelo, a ver a bela da meia branca e encimado com um belo blazer preto que já roça o cinza. Usa um bigode que acaba no queixo e se estivesse de tronco nu e calças às riscas azuis e brancas diria que era o Obelix. Um outro belo cromo! Mas este bem mais sociável e comunicativo. Um tipo meio Cabil (Argelino), um quarto francês e um quarto austríaco... Lindo!

Depois há os japoneses que são tantos e com nomes tão fáceis (Matsumoto, Muto, Kanai, Abumi, Asai ou Yoshida) que até tenho dificuldade em associar nomes à s caras. Mas no fundo são japoneses normais... Uns mais que outros! Mas normais... Se há alguma coisa de normal no Japão, pelos nossos padrões.

Ah! E os chineses da China (não como o Tong)... Que nem sei os nomes verdadeiros pois eles usam nomes ingleses para que nós possamos falar com eles...

Acho que chega de histórias soltas por hoje... Depois eu conto-vos mais quando estiver convosco, porque é tanta coisa estranha ou diferente que nem me consigo lembrar de metade.

Acho que vou ali à loja comprar o almoço, embalado e aquecido no micro-ondas... Até um dia destes!



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