Está a chegar ao fim mais uma bela visita
ao país do sol nascente (Um à parte: sabem que
para representar a China, os japoneses usam dois símbolos
Kanji, um que significa "meio" e outro "país",
pelo que China é o país do meio... Mais uma coisa
estranha! No entretanto, enquanto vos escrevia, descobri que
para Portugal usam três símbolos Kanji, os dois
primeiros representam "Uvas" e o terceiro significa "Dente
Canino", pelo que Portugal deve ser o Canino das Uvas?
Ou Portugal é o país da comida e da bebida...
Acho que assim é melhor! Ah! Saudades!)
Hoje [17 de Dezembro de 2003] é o meu último
dia. Por aqui fica tudo na mesma. Eles continuam a dormir nas
secretárias e ar condicionado está sempre no
máximo. Nada muda! Acho que vai continuar assim até eu
retornar... Nunca se sabe! Eu ganhei mais do que eles com esta
visita. Da última (e primeira) vez foi menos assim,
eles ganharam alguma coisa, mas eu saio sempre a ganhar. Os
japoneses são adversos à mudança, embora
sejam bastante permissivos no que toca à introdução
de termos estrangeiros na sua linguagem e ao facto de mudarem
de local de trabalho várias vezes, mas esta última é mais
por imposição hierárquica do que por vontade
própria. Eu vou daqui a saber como se trabalha naquele
que é considerado o país mais desenvolvido do
mundo e que afinal não sabe trabalhar eficientemente,
pelo menos no que toca a software. A produção
de software é feita à custa de imensas horas
no local de trabalho e nem sempre a trabalhar. Pouco rentável...
Parto com pouca vontade de retornar, mas eu
sei que nestas coisas de vontade, por vezes mudamos com o tempo.
Gostava de ir a Hong Kong da próxima vez ou quem sabe
a Shangai. Mas se voltar ao Japão, espero ser avisado
com mais antecedência e possa trazer a Cláudia
comigo. É bom partilhar estas coisas e andar por aqui
sozinho ou com amigos de conveniência nem sempre é bom.
Embora ajude em momentos menos bons.
Mas deixemo-nos de balanços e vamos às
histórias estranhas de um país estranho do outro
lado do mundo, cheio de gente estranha com estranhos costumes.
A melhor coisa do Japão são os
comboios. Todos os dias ao pequeno almoço no hotel fico à janela,
para ver os Shinkansen passarem. São aqueles comboios
que há uns anos eram considerados os mais rápidos
do mundo e que dão os 300 km/h. Claro que aqui não
conseguem chegar a essa velocidade porque as estações
são muito perto, mas mesmo assim quando passa um rápido
a sala abana e ainda está a uns 50 metros. Pelo que
tenho visto há três tipos de Shinkansen ("Nova
Linha Principal" em Japonês), o 300, o 500 e 700.
O mais bonito é o 500 que parece mesmo uma bala... (vejam
em http://www.h2.dion.ne.jp/~dajf/byunbyun/types.htm).
Mas se os Shinkansen são futuristas os
comboios normais são mais velhos e feios que a Sé da
Coimbra. E vê-los da janela não é tão
bom como estar na estação e ouvir as belas melodias
que indicam que as portas vão fechar. Já vos
contei, mas não custa repetir, mas quando um comboio
pára e as pessoas saem, começa a tocar uma música
cujo ritmo vai aumentando e quando termina as portas fecham. É um
incentivo a que as pessoas se despachem para entrar.
Tenho estado a ler um livro de banda desenhada
chamado " A Pior Banda do Mundo" do José Carlos
Fernandes que no seu primeiro volume "Quiosque da Utopia" escreve/desenha
a história de um compositor que faz músicas para
telefones. Aquelas músicas que nós ouvimos enquanto
nos põem pendurados à espera ou transferir a
chamada. Cada vez que oiço as belas melodias das estações
de comboio aqui no Japão, (sim, porque há várias
e cada linha ou estação tem uma música
diferente) fico com a sensação que foi o mesmo
compositor do livro que as fez. Na história o compositor
gabava-se de ser o autor das melodias mais ouvidas em todo
o mundo, mas o que fez as músicas das estações
de comboio do Japão deve ser aquele que escreveu as
melodias ouvidas por o maior número de pessoas do mundo.
Só para acabar com os comboios. Sabem
que eles chegam sempre à hora marcada e param sempre
no mesmo sítio? Pois! Até está marcado
no solo onde ficam as portas e é lindo ver em hora de
ponta a fazerem fila naqueles sítios à espera
que pare o comboio.
Aliás os japoneses deve ser o povo mais
bicha do mundo, mesmo que não se vejam muitos homossexuais
(a tradição não o permite e há discriminação,
embora tenha visto alguns). Embora não seja bicha no
de sentido de homossexual, mas porque fazem fila para tudo.
No multibanco aqui da fábrica (Sim! Tem várias
caixas multibanco, loja, duas cantinas e às vezes vendedores
ambulantes! Isto é uma aldeia...) fazem fila à hora
do almoço e até há marcações
no chão para fazer a fila direitinha. Há fila
para entrar nos restaurantes, pois como sabem aqui as salas
são pequenas e aproveitadas ao máximo, pelo que
tem que se esperar por mesa cá fora e às vezes à chuva.
Há fila para atravessar a passadeira... Há fila
para tudo, embora por vezes e como sempre há quem não
respeite. Principalmente em Tokyo, onde a pressa de chegar
se sobrepõe à educação.
Mas voltando aqui à fábrica (desculpem
se parece que ando aqui para trás e adiante na crónica,
mas na verdade a minha cabeça está tão
cheia de coisas novas que vos gostava de contar que me perco...).
Aqui estou eu rodeado de placas enormes (quase um metro) que
são telemóveis que em breve serão transformados
naquelas miniaturas que vocês usam, mas que para testes
convém que sejam grandes. Na verdade estão a
testar a recepção de chamadas pelo que a cada
dez segundos toca a música da missão impossível
ou do 007. Felizmente o som não está muito alto
e o barulho das ventoinhas consegue abafar, assim como o barulho
do aquecimento. Vocês nem imaginam quantos tubos e de
quantas dimensões passam por cima da minha cabeça.
À minha frente está o Tong, um
chinês que trabalha em Inglaterra. Uma personagem única
e indiscritível, com a sua careca e o raro cabelo no
ar. Raramente fala, chega depois de mim e sai sempre primeiro.
Almoça sem dizer nada e nem sei se janta. Um cromo raro!
Depois existe o Fabrice que para além de francês é louco.
O pai é siciliano, diz tudo... Mas é um tipo
porreiro!
Mas ainda não vos contei do Stéphan
que se foi embora ontem e que é francês também.
Mal fala inglês, mas ao contrário de muitos esforça-se
e faz-se entender. Mas o melhor é a sua maneira de vestir,
com a sua proeminente barriga, onde apertam as calças,
mesmo acima da cintura, quase a meio do peito, tão subidas
que dão pelo tornozelo, a ver a bela da meia branca
e encimado com um belo blazer preto que já roça
o cinza. Usa um bigode que acaba no queixo e se estivesse de
tronco nu e calças às riscas azuis e brancas
diria que era o Obelix. Um outro belo cromo! Mas este bem mais
sociável e comunicativo. Um tipo meio Cabil (Argelino),
um quarto francês e um quarto austríaco... Lindo!
Depois há os japoneses que são
tantos e com nomes tão fáceis (Matsumoto, Muto,
Kanai, Abumi, Asai ou Yoshida) que até tenho dificuldade
em associar nomes à s caras. Mas no fundo são
japoneses normais... Uns mais que outros! Mas normais... Se
há alguma coisa de normal no Japão, pelos nossos
padrões.
Ah! E os chineses da China (não como
o Tong)... Que nem sei os nomes verdadeiros pois eles usam
nomes ingleses para que nós possamos falar com eles...
Acho que chega de histórias soltas por
hoje... Depois eu conto-vos mais quando estiver convosco, porque é tanta
coisa estranha ou diferente que nem me consigo lembrar de metade.
Acho que vou ali à loja comprar o almoço,
embalado e aquecido no micro-ondas... Até um dia destes!
|