D24 TERÇA-FEIRA, 16 DE DEZEMBRO DE 2003
Ginza - Fotografia de Rui Gonçalves

Desculpem não vos ter escrito ontem [15 de Dezembro de 2003] mas acho que ainda estava a recuperar do longo dia de domingo [14 de Dezembro de 2003] e do longo jantar de despedida do David, que no entretanto já partiu. Acho que estava um bocado amassado e com dor de cabeça, além de que o cansaço acumulado começa a dar frutos... Não muito doces!

Mas deixemos as lamentações e desculpas para um outro dia e vou vos falar de Tokyo. De Ueno a Shibuya passando por Ginza, de um parque em cores de outono a lojas de nove andares passando por feiras de rua, de templos dourados a paredes de néon passando por imenso tempo dentro de comboios, Tokyo é uma cidade cheia de contrastes, tentações, luz e muita gente.

O dia começou à hora do costume. 10:00 para o pequeno-almoço no hotel, mesmo quando se acaba de jantar às 3:00 da manhã e se brinda com Sakê à saúde de quem viaja no dia seguinte. Só para terem ideia de como não é fácil decorar as estações e as linhas de comboio fiquem na ideia que a viagem começou em ShinYokohama na linha verde (Sim! Tem um nome, mas acreditem que as cores são mais fáceis de decorar), saí em Higashi-Kanagawa e mudei de comboio para chegar a Yokohama. Aí mudei para a linha laranja até Tokyo (passei em Kawasaki, Shinagawa e Akihabara, sendo esta última a conhecida zona do material electrónico mais barato) . Em Tokyo mudei para a linha verde clara (que é a circular de Tokyo) e saí em Ueno.

Sempre com o Fuji-san no horizonte. O magnífico monte Fuji que surpreendentemente mal vi da primeira vez que cá estive, mas que agora com as claras manhãs de inverno, consigo ver quase todos os dias. Como diria o David uma montanha é uma montanha, mas a magnificência do monte Fuji está no facto de ser único e branco. Lá no fundo um monte com uma perfeita forma de um cone, com a ponta cortada e a escorrer neve, no fim de uma planície infinita de casas é magnífico. Mas o David ainda não o tinha visto, porque ontem depois de ter ganho coragem e se ter aproximado da janela do seu quarto no quadragésimo quinto andar do hotel, avistou-o e já admitia que o Fuji-san é um Sr. Monte (Os japoneses tratam-no como uma pessoa, por isso dizem Fuji-san e não Fujiyama que significa Monte Fuji).

Mas voltando, numa hora estava em Ueno Kuen (o parque de Ueno).

O parque de Ueno é assim como um pequeno Central Park de Tokyo e à hora que cheguei, chegaram também algumas largas centenas de pessoas. As flores das árvores estão com as cores de Outono, amarelas, castanhas, vermelhas e roxas e há performers em todas as esquinas. A minha primeira paragem, depois de uma foto a uma árvore carregada de corvos, foi para ver um tipo que estava todo vestido de licra preta, incluíndo a cara, apenas com uns óculos de aros amarelos e que fazia mímica, ao som da música do Michael Jackson.

Segui até ao santuário (se se pode chamar isso numa religião onde não existem santos) de Toshogu dedicado ao primeiro Shogun que estabeleceu Edo (antigo nome de Tokyo) como capital do Japão. O caminho que leva ao santuário é ladeado por enormes lanternas de pedra, mais altas do que eu e com cerca de um metro de diâmetro, ao fundo o vermelho e dourado das paredes contrastam com o cinza da pedra que é colorido pelas folhas amarelas e vermelhas que caem das árvores. Do lado direito fica o Jardim Zoológico, onde a casa dos pássaros é um edifício, género pagode chinês, com cinco andares, todo vermelho e cheio de branco das fezes das garças e demais habitantes. Mas mesmo assim é bonito.

Não resisti e paguei os 200 yens para entrar no santuário. Não é que haja muita coisa para ver dentro (mesmo não sabendo antes de entrar) mas senti-me atraído por aquela atmosfera de calma e beleza. Não me arrependo de o ter feito, pelo contrário, porque se da última vez que cá estive os templos estavam sempre fechados, desta vez não queria ficar de fora a vê-los.

O caminho leva à porta lateral do santuário, depois de dar uma volta ao mesmo. Aí tive que me descalçar par continuar a rodar o edifício mas por uma varada a cerca de um metro do solo e com a largura suficiente para eu caber. Felizmente o chão do varandim está coberto com uma manta de palha, porque estava frio. Finalmente depois de uma volta completa ao santuário entra-se para o seu interior, directamente para a sala do altar que fica num nível inferior. Sentei-me em lótus, como todos os presentes, para que conseguisse apreciar a beleza da sala e do momento. Sem dúvida esta última era maior, não que a sala fosse feia, mas porque era um altar dourado e simples, apenas com uns vasos e uma estrutura metálica com um símbolo semelhante às divisas da tropa. De repente um homem, que estava ao meu lado, levantou-se colocou umas moedas numa caixa, bateu as palmas duas vezes, colocou as mãos como se estivesse a rezar (Sim! É semelhante em muitas religiões) e fez uma vénia.

Prossegui a visita, subindo ao compartimento um pouco acima e à frente do altar, onde estava uma exposição que como devem imaginar não percebi muito bem as legendas. Mas havia um tambor japonês (Tayko) não muito grande, só com um metro de diâmetro e um metro e meio de comprimento, mas com um som espectacular (se eu tivesse espaço na mala levava um...) e uma armadura de combate de um Samurai, não muito rica em detalhes, pelo que não percebi se era do Shogun, mas duvido. A um canto estavam três placas de madeira com caracteres japoneses encimadas por uma suástica invertida (o símbolo que representa o coração de Buda, vejam só como um símbolo pode ser tão denegrido quando mal usado) e alguns quadros de samurais nas paredes. Nada de especial depois do magnífico momento na sala do altar.

Do templo fui passear para perto do lago Shinobazu, uma mistura de parque de diversões, Jardim de Lótus (estavam secos, Cristina) e habitat de aves do Jardim Zoológico. Do outro lado havia um prédio altíssimo e com cerca de dez metros de largura, só na sua altura e que impressionava, sabendo-se que estamos numa zona muito sísmica. Imagino o abanão no último andar... Uma pessoa até pode ser projectado da janela... Para o lago!

E voltei a Ueno. Às ruas de Ueno e ao mercado. Vende-se de tudo, desde peixes com um metro a carteiras Louis Vuitton. Não comprei nada, mas fiquei agradavelmente surpreendido com o que vi. Vida! Muita vida nas ruas, para quem apenas tinha andado às compras em estabelecimentos fechados é bom ver um mercado a ferver de gente. Acho que já me começo a habituar às multidões.

E por falar em multidões. Se em Shibuya fiquei banzado com a quantidade de gente, não imagino o que me teria acontecido se tivesse ido a Ginza no domingo passado. Na verdade parece menos gente, porque as ruas são mais largas, mas com o dinheiro que tem no bolso e as compras que transportam de certeza que ocupam mais espaço. Ginza, para onde fui depois de deixar Ueno, é com certeza a zona das compras mais caras de Tokyo. Tudo quanto é marca de alta costura francesa está lá. Os carros estacionados vão desde Ferraris a Mercedes, passando pelo caríssimo (?) Renault Scénic 4x4. Uma zona digna de Beverly Hills, mas numa dimensão algumas vezes maior. Umas dez!

Estava a anoitecer quando cheguei a Ginza, uma estação antes da central de Tokyo. Eram 16:30! Como é possível não haver sol no país do sol nascente... Só percorri duas ou três ruas. Entrei num department store para tentar comprar algumas prendas de Natal. Mas, nem parei nos andares de roupa. Pela amostra não devo ganhar tão bem como alguns turistas e japoneses que por lá andavam.

Mas o mais impressionante foi que nessa department store havia uma zona dedicada aos sacos e carteiras Louis Vuitton, com pelo menos dois andares de cerca de 12x12 metros, e (vejam só) com guarda à porta. Ainda há pouco as vendiam por 15 ou 20 contos na rua e eram umas imitações feitas por chineses e vendidas por israelitas, imagino quanto custariam em Ginza na zona mais rica da cidade mais consumista do mundo. E para terem guardas à porta da secção Louis Vuitton...

Estava a ficar farto de compras e aquelas não me diziam nada. Fugi para Shibuya, sem dúvida a melhor zona de compras em Tokyo. Em meia-hora comprei quase todas as prendas a que me tinha proposto, e ainda comprei umas coisas para a minha casa. Comprei as prendas todas de Natal. Devem imaginar que não consigo levar tudo comigo, por isso algumas vão pelo correio. Esperem pela vossa...

No entretanto o David telefonou para combinar o jantar de despedida dele. Quando voltei ao hotel, fomos jantar. Os franceses viriam mais tarde, porque esses têm trabalho. Começámos às 22:15 e acabámos muito próximo das 2:00 da manhã...

Percebem agora porque não vos escrevi ontem? Desculpem!



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