Ontem [7 de Dezembro de 2003] tirei o dia para
passear. Domingo é sagrado e na verdade estou aqui apenas
de prevenção, pelo que estive contactável
o dia todo e se fosse preciso numa hora estava no escritório.
Mas, felizmente não foi preciso.
Se da última (e primeira) vez que cá estive
vi um bocado do Japão mais tradicional, mesmo que só de
fora porque ou estava fechados ou eu chegava atrasado. Vi os
templos e os santuários de Kamakura, vi o palácio
imperial e vi as termas de Noboribetsu. Desta vez resolvi ir
ver a verdadeira Tóquio. A Tóquio dos actuais
japoneses, consumistas e excêntricos. Fui para Shibuya,
uma das zonas mais populares da juventude japonesa em Tóquio.
É difícil explicar a dimensão
da coisa. Mas imaginem numa série de ruas contíguas
quatro ou cinco department stores com oito andares e três
edifícios cada um, mais prédios de restaurantes
e lojas e ainda prédios da Chanel e afins. Tudo isto
com anúncios electrónicos que colocam Picadilly
Circus de Londres na terceira divisão da distrital.
Agora tentem imaginar quantas pessoas andavam às compras
num domingo à tarde com um sol radiante... Agora multipliquem
por dois e somem-lhe mais um, que era eu.
Não foi fácil! Digamos que na
noite anterior deitei-me à s duas da manhã, quase
três, depois de um jantar tardio e regado a sakê.
Acordar de manhã foi mesmo um acto heróico. O despertador
tocou às 9:30, para ver se apanhava o pequeno-almoço
do hotel. Claro está que não me consegui levantar
tempo de lá chegar antes das 10:30. Comprei pão
no supermercado e fui para Tóquio.
A minha mente estava completamente alterada.
Em Yokohama entrei num comboio que julgava ia para Shibuya,
mas ia para o centro de Tóquio. Quando cheguei a Kawasaki
sai e voltei a Yokohama. Até que percebesse como chegar
a Shibuya... Foram quase duas horas para lá chegar.
Podia ter seguido naquele comboio até Shinagawa e daí mudar
para outro até Shibuya. Mas em vez disso voltei a Yokohama,
andei às voltas, e apanhei a mesma linha até Tóquio.
Daí troquei de linha e fui até Shinjuku, perdi-me
na estação que está em obras e trocaram
as linhas, mas os avisos estão em japonês. Entrei
num comboio que ia no sentido contrário do que queria,
pelo que tive que sair na próxima estação
e voltar para trás. Finalmente consegui apanhar o comboio
certo e por volta das 14:00 estava em Shibuya.
Pelo mapa que tenho achava que a saída
da estação era para Leste. E saí pela
saída Leste. Fiquei completamente abismado com a quantidade
de gente. Mas ainda fiquei pior quando reparei que afinal a
saída principal não era aquela e quando lá cheguei...
(Só há pouco percebi que afinal o Norte no mapa
que tenho não é onde eu pensava, não é para
cima, mas para a direita. Afinal não queria a saída
Leste, mas sim a Norte).
Na verdade ontem não estava muito bem.
Tive que fazer umas respirações e umas concentrações
no comboio para Shinjuku para ver se me conseguia controlar
e concentrar em chegar. Adormeci... Mas depois foi passando
e quando cheguei a Shibuya já estava bem, mas era impossível
não ficar completamente abismado com aquilo que via.
A praça em frente à estação
estava inundada de gente. De repente o semáforo ficou
verde para os peões e por pouco ia ser atropelado por
um milhão de jovens. Os japoneses conduzem do lado contrário
da estrada (como os ingleses) e portanto quando andam a pé andam
ao contrário de nós... Principalmente quando
são aos milhões... Pois eu estava do lado errado!
E depois não dão hipótese de mudarmos de lado,
porque não param para ninguém. Tive que esperar
pelo próximo verde.
Além disso as passadeiras são
demais. Existe uma passadeira em cada rua do cruzamento e ainda
uma que atravessa o cruzamento de ponta a ponta. Lindo! É mesmo
algo do outro mundo! Ou aliás, deste mundo!
Entrei em algumas lojas e fiz algumas compras.
Mas fiquei decepcionado. Todas as lojas são essencialmente
de roupa e a maioria de marcas internacionais a que nós
temos acesso e a preços para japonês. Estava à espera
de ver algumas mais excêntricas, mas as poucas que vi
eram proibitivas. Mesmo as sapatilhas são tão
normais. Aliás a moda das sapatilhas-bota de desportos
automóveis só agora é que está cá a
chegar. Imaginem qual é a próxima... Sapatilhas
baseadas em pés-de-gato de escalada.
Fui andando pela rua principal, mantendo a boca
fechada e tentando não escorregar na minha própria
baba. A cada esquina parecia que se multiplicavam as lojas
e as pessoas. Fui andando até ao parque Yoyogi. Quando
lá cheguei eram 16:00 e estava a escurecer! E a ficar
frio... Comi qualquer coisa e continuei a minha saga. The North
Face, Patagonia, Tower Records, HMV, Levi’s, Nike, Adidas,
GAP, Dior, Chanel, sem falar em IOIO, SEIBU ou outras department
stores que nem entrei, porque estava mais surpreendido com
a dimensão de tudo.
E os jovens japoneses que eu só tinha
visto fora daqui estavam lá todos. Loiros oxigenados,
de cabelo em pé e com as roupas mais estrambólicas.
E elas? No meio daquela gente toda era difícil não
haver mulheres bonitas... E algumas até conseguiam andar
direito, sem estarem com os joelhos encostados e os pés
tortos. Aliás mulheres bonitas era coisa que não
faltava... Ou será que os meus padrões de beleza
já se estão a ajustar?
Perto do parque encontrei uma feira catita.
Pela primeira vez vi negros e árabes no Japão.
Os primeiros vendem roupa e os segundos kebab em carrinhas
paradas no passeio. O multi-cultural e o multi-raça
não é muito do agrado dos japoneses. Os estrangeiros
têm sempre uma sensação que são
estranhos. Mas há quem se dê bem!
Devo ter andado uns largos quilómetros.
Sem contar com o que andei em algumas lojas, porque muitas
delas tem 8 andares. Embora possam ser pequenas em área
por andar conseguem ser grandes porque têm vários
andares. Aqui é tudo por andares. Há prédios
de restaurantes em que cada andar é um restaurante diferente
e quando se sai do elevador já se está dentro
do restaurante. E há prédios de lojas com a mesma
filosofia... Imaginem lojas sem montras em andares... Mas com
néons enormes para serem notadas. Já perceberam
a confusão de néons...
Quando já estavam a fechar as lojas,
encontrei a primeira loja de decoração. A Loft.
Entrei com a ideia de comprar as coisas mais inutilmente úteis
e kitsch possíveis, para minha casa e para oferecer
no Natal. Depressa vi que os preços não eram os
melhores e tive que desistir porque a necessidade de reactivar
o meu cérebro com um café simplesmente me impôs
um ritmo de procura bastante mais rápido mas muito menos
concentrado. E depressa eram 8h e repetiram alto a mesma frase
várias vezes, começaram a repor a mercadoria
e as escadas rolantes pararam. A loja começou a ficar
vazia... Estava a fechar!
Acabei por comprar muito pouca coisa. Acho que
quando a oferta é tanta, se está cheio de sono
e não se tem muito dinheiro, torna-se difícil
fazer escolhas. Por acaso na loja da Adidas tinha um belo conselho
de viagem que dizia – Se nas compras numa viagem ficar
indeciso entre duas coisas compre ambas. Acho que era conselho
para japonês, porque no meu caso foi diferente. Falta-me
o plafond deles... Não que eles ganhem muito, mas com
a quantidade de horas que trabalham, também não
o gastam.
Na verdade só me entusiasmei com coisas
para mim e para a minha casa. Fui um pouco egoísta! Eu sei...
Mas estava a precisar! Mas não se preocupem que hei-de
lá voltar e comprar todas as prendas de Natal! Fiquem à espera...
Pode ser que compre para vocês!
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