SEGUNDA-FEIRA, 8 DE DEZEMBRO DE 2003 D21
Passadeira em Shibuya - Fotografia de David Gaukrodger

Ontem [7 de Dezembro de 2003] tirei o dia para passear. Domingo é sagrado e na verdade estou aqui apenas de prevenção, pelo que estive contactável o dia todo e se fosse preciso numa hora estava no escritório. Mas, felizmente não foi preciso.

Se da última (e primeira) vez que cá estive vi um bocado do Japão mais tradicional, mesmo que só de fora porque ou estava fechados ou eu chegava atrasado. Vi os templos e os santuários de Kamakura, vi o palácio imperial e vi as termas de Noboribetsu. Desta vez resolvi ir ver a verdadeira Tóquio. A Tóquio dos actuais japoneses, consumistas e excêntricos. Fui para Shibuya, uma das zonas mais populares da juventude japonesa em Tóquio.

É difícil explicar a dimensão da coisa. Mas imaginem numa série de ruas contíguas quatro ou cinco department stores com oito andares e três edifícios cada um, mais prédios de restaurantes e lojas e ainda prédios da Chanel e afins. Tudo isto com anúncios electrónicos que colocam Picadilly Circus de Londres na terceira divisão da distrital. Agora tentem imaginar quantas pessoas andavam às compras num domingo à tarde com um sol radiante... Agora multipliquem por dois e somem-lhe mais um, que era eu.

Não foi fácil! Digamos que na noite anterior deitei-me à s duas da manhã, quase três, depois de um jantar tardio e regado a sakê. Acordar de manhã foi mesmo um acto heróico. O despertador tocou às 9:30, para ver se apanhava o pequeno-almoço do hotel. Claro está que não me consegui levantar tempo de lá chegar antes das 10:30. Comprei pão no supermercado e fui para Tóquio.

A minha mente estava completamente alterada. Em Yokohama entrei num comboio que julgava ia para Shibuya, mas ia para o centro de Tóquio. Quando cheguei a Kawasaki sai e voltei a Yokohama. Até que percebesse como chegar a Shibuya... Foram quase duas horas para lá chegar. Podia ter seguido naquele comboio até Shinagawa e daí mudar para outro até Shibuya. Mas em vez disso voltei a Yokohama, andei às voltas, e apanhei a mesma linha até Tóquio. Daí troquei de linha e fui até Shinjuku, perdi-me na estação que está em obras e trocaram as linhas, mas os avisos estão em japonês. Entrei num comboio que ia no sentido contrário do que queria, pelo que tive que sair na próxima estação e voltar para trás. Finalmente consegui apanhar o comboio certo e por volta das 14:00 estava em Shibuya.

Pelo mapa que tenho achava que a saída da estação era para Leste. E saí pela saída Leste. Fiquei completamente abismado com a quantidade de gente. Mas ainda fiquei pior quando reparei que afinal a saída principal não era aquela e quando lá cheguei... (Só há pouco percebi que afinal o Norte no mapa que tenho não é onde eu pensava, não é para cima, mas para a direita. Afinal não queria a saída Leste, mas sim a Norte).

Na verdade ontem não estava muito bem. Tive que fazer umas respirações e umas concentrações no comboio para Shinjuku para ver se me conseguia controlar e concentrar em chegar. Adormeci... Mas depois foi passando e quando cheguei a Shibuya já estava bem, mas era impossível não ficar completamente abismado com aquilo que via.

A praça em frente à estação estava inundada de gente. De repente o semáforo ficou verde para os peões e por pouco ia ser atropelado por um milhão de jovens. Os japoneses conduzem do lado contrário da estrada (como os ingleses) e portanto quando andam a pé andam ao contrário de nós... Principalmente quando são aos milhões... Pois eu estava do lado errado! E depois não dão hipótese de mudarmos de lado, porque não param para ninguém. Tive que esperar pelo próximo verde.

Além disso as passadeiras são demais. Existe uma passadeira em cada rua do cruzamento e ainda uma que atravessa o cruzamento de ponta a ponta. Lindo! É mesmo algo do outro mundo! Ou aliás, deste mundo!

Entrei em algumas lojas e fiz algumas compras. Mas fiquei decepcionado. Todas as lojas são essencialmente de roupa e a maioria de marcas internacionais a que nós temos acesso e a preços para japonês. Estava à espera de ver algumas mais excêntricas, mas as poucas que vi eram proibitivas. Mesmo as sapatilhas são tão normais. Aliás a moda das sapatilhas-bota de desportos automóveis só agora é que está cá a chegar. Imaginem qual é a próxima... Sapatilhas baseadas em pés-de-gato de escalada.

Fui andando pela rua principal, mantendo a boca fechada e tentando não escorregar na minha própria baba. A cada esquina parecia que se multiplicavam as lojas e as pessoas. Fui andando até ao parque Yoyogi. Quando lá cheguei eram 16:00 e estava a escurecer! E a ficar frio... Comi qualquer coisa e continuei a minha saga. The North Face, Patagonia, Tower Records, HMV, Levi’s, Nike, Adidas, GAP, Dior, Chanel, sem falar em IOIO, SEIBU ou outras department stores que nem entrei, porque estava mais surpreendido com a dimensão de tudo.

E os jovens japoneses que eu só tinha visto fora daqui estavam lá todos. Loiros oxigenados, de cabelo em pé e com as roupas mais estrambólicas. E elas? No meio daquela gente toda era difícil não haver mulheres bonitas... E algumas até conseguiam andar direito, sem estarem com os joelhos encostados e os pés tortos. Aliás mulheres bonitas era coisa que não faltava... Ou será que os meus padrões de beleza já se estão a ajustar?

Perto do parque encontrei uma feira catita. Pela primeira vez vi negros e árabes no Japão. Os primeiros vendem roupa e os segundos kebab em carrinhas paradas no passeio. O multi-cultural e o multi-raça não é muito do agrado dos japoneses. Os estrangeiros têm sempre uma sensação que são estranhos. Mas há quem se dê bem!

Devo ter andado uns largos quilómetros. Sem contar com o que andei em algumas lojas, porque muitas delas tem 8 andares. Embora possam ser pequenas em área por andar conseguem ser grandes porque têm vários andares. Aqui é tudo por andares. Há prédios de restaurantes em que cada andar é um restaurante diferente e quando se sai do elevador já se está dentro do restaurante. E há prédios de lojas com a mesma filosofia... Imaginem lojas sem montras em andares... Mas com néons enormes para serem notadas. Já perceberam a confusão de néons...

Quando já estavam a fechar as lojas, encontrei a primeira loja de decoração. A Loft. Entrei com a ideia de comprar as coisas mais inutilmente úteis e kitsch possíveis, para minha casa e para oferecer no Natal. Depressa vi que os preços não eram os melhores e tive que desistir porque a necessidade de reactivar o meu cérebro com um café simplesmente me impôs um ritmo de procura bastante mais rápido mas muito menos concentrado. E depressa eram 8h e repetiram alto a mesma frase várias vezes, começaram a repor a mercadoria e as escadas rolantes pararam. A loja começou a ficar vazia... Estava a fechar!

Acabei por comprar muito pouca coisa. Acho que quando a oferta é tanta, se está cheio de sono e não se tem muito dinheiro, torna-se difícil fazer escolhas. Por acaso na loja da Adidas tinha um belo conselho de viagem que dizia – Se nas compras numa viagem ficar indeciso entre duas coisas compre ambas. Acho que era conselho para japonês, porque no meu caso foi diferente. Falta-me o plafond deles... Não que eles ganhem muito, mas com a quantidade de horas que trabalham, também não o gastam.

Na verdade só me entusiasmei com coisas para mim e para a minha casa. Fui um pouco egoísta! Eu sei... Mas estava a precisar! Mas não se preocupem que hei-de lá voltar e comprar todas as prendas de Natal! Fiquem à espera... Pode ser que compre para vocês!



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