Pois é! Hoje [6 de Dezembro de 2003] é sábado,
são 21:15 e eu ainda estou a trabalhar. Para ajudar,
em Portugal, é fim-de-semana prolongado. Aqui é mais
um dia de trabalho. Acho que amanhã vou passear até Tóquio...
Mas levo o telemóvel comigo, não vá eu
estar a divertir-me e tenha que voltar a correr aqui para o
inferno de Kamoi.
Eu já vos contei no passado como é aqui
a fábrica, onde trabalham mais de 4000 pessoas, onde
não se vê a luz do sol porque há poucas
janelas e as que existem tem vidros foscos, há salas
de fumo assistido e os corredores parecem saídos de
um filme do Alfred Hitchcock. As retretes são buracos
no chão à caçador, não há toalhas
para limpar as mãos na casa-de-banho e vivemos todos
em dois metros quadrados. Acho que não existe quase
nada de bom nesta fábrica a não ser uma ligação
permanente à Internet e a porta da saída... Quando
saímos!
O tipo na secretária ao meu lado está a
dormir há quase uma hora. Eu já tomei três
cafés para não fazer o mesmo. As caras à minha
volta têm todas os olhos em bico. Acho! Porque nem consigo
ver os olhos de alguns pois estão mais fechados que
os museus em Portugal à segunda-feira. Alguns destes
japoneses ainda são os mesmos que eu conheci em Sapporo
há seis meses atrás, quando cá vi da primeira
vez. A maioria não tem um fim-de-semana livre desde
então.
A fábrica está quase vazia, mas
aqui neste escritório poucas são as secretárias
vazias. Enquanto o telemóvel não for lançado
no mercado de Hong Kong, ninguém descansa.
Dos engenheiros que eu conheci há seis
meses, o Abuni-San está ali de pé a coçar
a cabeça e olhar para um PC ligado a uma placa de testes
que será um dia o hardware de um telemóvel, o
Asai-san mal se vê e o Kanai-san, o chefe deles, anda à três
dias com um emplastro na testa aparentemente porque está constipado.
Começou a falar uma tipa nos altifalantes.
Suponho que seja a tal que diz para nos irmos embora porque
estamos a gastar a luz à empresa e ela não nos
paga para cá estarmos. É assim que querem melhorar
a moral destes tipos. Como é que eles aguentam?
Mas mudando de assunto. O Olivier, o francês-chinês
já se foi embora. Aliás, ele só vai embora
amanhã à tarde, mas disse que ia hoje para poder
ir a Tóquio dar uma volta. Acho que já cá estava
há duas ou três semanas e hoje é o primeiro
dia de folga. Eu fiz questão de mostrar que não
me vai acontecer. Aliás o David apoia-me...
No entretanto chegou outro francês, o
Christophe, que é um misto de francês com francês.
Ainda não percebi que fascínio têm estes
tipos pelas camisas bordeaux ou azul torqués. Ontem
[5 de Dezembro de 2003] o Olivier tinha uma camisa bordeaux
e o Christophe trazia a mesma camisa que traz hoje (como é normal)
azul turquês. Uma camisa lisa e larga, bordeaux ou azul
turquês... Aliás, eu só tenho confirmado
que a fama de que os franceses não gostam muito de mudar
de roupa é realmente verdade. Da última vez que
cá estive andei a contar os dias que o Thomas usou a
sua bela camisa bordeaux, aqui o colega Christophe anda há dois
dias com a mesma camisa azul turquês, e a Christine,
uma francesa que também anda cá pela fábrica,
anda com a mesma roupa desde que a vi no primeiro dia que cheguei.
Ou eles têm um guarda roupa muito pouco variado ou então
gostam de poupar a roupa... Esperemos que não façam
o mesmo com a pele ou em breve vou ter problemas.
Ou menos nisso o David é diferente. Hoje,
ao fim de 5 dias, já quer saber onde é a lavandaria.
Acho bem...
Por falar em David. Ele diz que o Japão
só se define numa palavra – Strange! E acreditem
que é a palavra certa. Quando fui daqui a última
vez, eu e os meus colegas que cá estiveram, tentámos
explicar como era o Japão, aos nossos amigos, colegas
e chefes, mas acho que ninguém ficou com uma ideia correcta
de como é o país, porque é mesmo estranho.
Aliás, acho que o meu chefe só percebeu pelo
que passámos, quando ele próprio veio para cá duas
semanas. A atitude de para com a nossa vinda mudou radicalmente
desde então.
Como é que se explica a uma pessoa que
se comem as cartilagens dos ossos das coxas do frango e que é um
pitéu? Como se explica o que é o wasabi ou os
pickles de gengibre? Como se explica que se trabalham mais
de 12h por dia, incluindo sábados e domingos, durante
7 meses e ainda têm empregados? Como se explica que existem
máquinas de bebidas em cada esquina e que um telemóvel
com televisão custa 15 contos? Como se explica que se
separe o lixo excelentemente, de uma maneira como nunca vi
e quando chove o rio só leve pacotes de leite e demais
porcarias a boiar? Como se explica que não há passeios,
mas que os peões nunca atravessam no vermelho? Como
se explica que uma população inteira de vários
milhões não saiba andar? Como se explica que
há pessoas pagas para fazer de semáforo a noite
toda?
É estranho!!! Mas é divertido...
Talvez segunda-feira eu já veja mais coisas positivas!!!!
Como o fascínio que um país como este nos transmite,
pelas suas tradições e o modo calmo como os japoneses
encaram tudo na vida.
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