SEXTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 2003 D19
Cores de Outono em Kamoi - Fotografia de Rui Gonçalves

Kon'nichi wa. Watashi wa Nihon ni imasu.*

Pois é aqui estou eu de novo pelas país do Sol Nascente, embora seja mais vezes de noite que de dia no meu universo japonês. De volta ao peixe crú, ao ar condicionado no máximo e às sanitas aquecidas (vocês acreditam que aquelas coisas custam entre 60 a 150 contos? Só o tampo aquecido e com esguicho lava-rabos...). De volta às salas de fumo e aos escritórios sem janelas. De volta aos tremores de terra... Quem sabe?

De volta ao mundo estranho de um país do outro lado do globo!

Foi uma decisão rápida, mas se na quinta-feira [27 de Novembro de 2003] estava decidido, na segunda-feira [1 de Dezembro de 2003] já podia viajar. Nem tempo tive de trocar yenes no banco ou de pensar que roupa trazer. Às vezes os acontecimentos são mais rápidos que a nossa capacidade de nos adaptarmos a eles. É estranho um dia estar em Portugal sentado na minha secretária a fazer o meu trabalho normal e dois dias depois estar num país no lado oposto do mundo com uma língua estranha, uma comida esquisita e numa sala onde cabem centenas de empregados, e onde me está reservada uma secretária de 100x80 cm e uma cadeira, numa fila de 6 e de caras com mais 6 programadores que mudam conforme as horas vão passando. Não sei se me estou a repetir, mas aqui não há lugares marcados na maioria das vezes. As pessoas sentam-se numa secretária vazia e ligam o seu portátil à rede e trabalham. Quem sabe, quando eles se forem embora alguém não ocupará a secretária vazia.

Pois é, enquanto vocês gozavam um feriado, eu aproveitava para visitar aeroportos, Londres e dormir numa cadeira de avião. É sempre bom... E foi uma viagem fácil embora atribulada. Do Porto para Heathrow apanhámos algum mau tempo sobre o canal e na aterragem um meu vizinho decidiu mostrar a toda a gente que não gostava da comida da TAP e fê-lo da pior maneira possível, mostrando-a depois de mastigada. Não foi muito agradável, principalmente para ele.

A mim esperavam-me umas 7h de seca. E como a bagagem ia directa, dei um salto a Londres. Porém o Tube não ajudou em nada, pois normalmente a viagem demora 0:45, mas como havia um comboio avariado estava a demorar 1:10. 2:20 de viagem e estar a tempo de fazer o check-in para o próximo voo, fez com que apenas tivesse 0:45 para passear. Depois um erro técnico da minha parte ainda me fez perder mais tempo, pois saí em Picadilly Circus, quando queria ir para Oxford Street e tive que fazer a Regent Stret até ao Oxford Circus a pé. Estava frio, mas fiquei decepcionado pois esperava que houvesse mais animação por ser quase Natal, mas as luzes eram fracas e havia pouco mais que a multidão normal às compras. Não encontrei nada que me entusiasmasse e o pior foi que no Porto levantei todo o dinheiro que os meus cartões deixaram e depois em Londres não consegui levantar libras para comer. O que vale é que aceitavam cartão de crédito.

Voltemos ao aeroporto. Ou aliás, à viagem. O avião vinha quase vazio. Ainda vi o "Hulk", parte do "Bruce, O Todo-Poderoso", parte do "O Guarda-Fraldas" e ainda dormi umas 4h. Em 12h de voo é surpreendente a quantidade de coisas que se consegue fazer... Principalmente porque não podemos ir a lado nenhum, a não ser à casa-de-banho. Mas o pior destas longas viagens é a porcaria de comida que comemos durante 24h. Aliás 26, que foi o tempo que eu demorei desde sair de casa em Aveiro até entrar no hotel em Shin-Yokohama.

À chegada ao aeroporto de Narita [2 de Dezembro de 2003] fiquei alegremente surpreso por ver a minha mala chegar no tapete rolante. Estava à espera de não a ver, pois o meu voo da TAP do Porto para Heathrow não tinha nada a ver com o meu voo da JAL de Heathrow para Narita, mas no entanto fiz check-in no Porto e só levantei a mala em Narita. Excelente! Estas companhias aéreas estão a ficar mais espertas. Isto do sector andar em crise tem as suas vantagens, pois faz com que as companhias procurem maneiras de atrair os clientes e isso torna a nossa vida melhor.

Já vos contei a minha aventura desde o aeroporto até ao hotel numa crónica anterior (N.R.: Crónica depois da Califórnia pt. 6 em breve disponível em http://www.ruigo.net/sf/), porém desta vez decidi variar e apanhar o Shinkansen de Tóquio até Shin-Yokohama. Só tinha que mudar uma vez de comboio e assim experimentava o tão famoso comboio-bala japonês (não é o mono-carril). Eh! Nada de especial... Aliás, fiquei na carruagem de fumadores e pouco mais vi que fumo, pois em 20 minutos estava a chegar. Além disso à s 5:00 da tarde já era noite e lá fora só se viam as luzes da cidade. Que no caso de Tóquio são mesmo muitas.

Depois de 80km de carro, 1000milhas num avião, 2 vezes 20 milhas de metro, 3km a pé, 7000milhas noutro avião, 60km num comboio, 20km no bala e 100m a pé lá cheguei ao hotel.

Telefonei ao David (o meu chefe inglês que vai estar aqui comigo), tomei um banho, dei uma volta pelo supermercado do Hotel (vocês nem imaginam o que se vê aqui num sítio desses) e quando ele chegou fomos jantar. Até às 2h da manhã (que aí eram 5 da tarde do dia anterior, pois aqui são 9h mais tarde). O sono não vinha... E a cerveja estava fresca!

O problema foi acordar no dia seguinte [3 de Dezembro de 2003]. E chegar aqui a este forno. O ar condicionado deve estar nos 28º C e mesmo que não esteja muito frio lá fora o choque é impressionante. Passo o dia a soar e a beber chá gelado. Parece que estou em São Tomé, só que aqui não há sol nem praia, só tipos de olho em bico a falar por silabas.

Está aqui também um francês, que é chinês, chamado Olivier. Já devem estar a imaginar como deve andar aqui a minha cabecita. A ouvir japonês, francês e inglês ainda não sei como consigo estar a escrever em português. Aliás hoje já ouvi russo no hotel e até já me lembrei de dizer "Spassiva" assim como ontem disse " Ché Ché" ao Olivier (N.R.: Ambas querem dizer " obrigado", a primeira em russo e a segunda em chinês). É um mundo muito intercultural... Ainda está aqui um alemão, mas só fala inglês.

Portanto estou aqui há dois dias (hoje [5 de Dezembro de 2003] é o terceiro) completos e pouco mais vi que o hotel, a fábrica de Kamoi, o comboio de Shin-Yokohama e um ou dois restaurantes manhosos. Tenho me deitado quase sempre depois das 2h da manhã, pois só saio daqui à meia-noite (ontem saímos à 1h) e o David insiste em ir beber um copo. Na verdade ele anda completamente de rastos ao fim de três dias, pois já não tem 34 anos... Tem 48!

Tenho trabalhado cerca de 12h por dia, mas pouco fiz de trabalho aqui. Basicamente tenho feito o meu trabalho normal em Portugal, pois ligo-me daqui ao escritório e vou fazendo alguns documentos à distância. A tecnologia é uma maravilha não é? Estou a mais de 11000km de casa e consigo estar a trabalhar em Aveiro. Não fosse o ar condicionar a bombar calor e pensava que estava mesmo...

Vou vos deixar os comentários e histórias para as próximas crónicas, pois ainda estou meio abananado com a diferença horária. Fiquei atentos, pois aqui fala-se desde sanitas aquecidas, anda-se descalço e come-se polvo cru...

Jaa Ne. (N.R.: Uma maneira menos formal de dizer " Adeus" ou "Até logo")

* N.R.: Qualquer coisa como "Boa Tarde! Eu estou no Japão!"



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