A ânsia de vos contar as minhas férias
antes que me esqueça de alguns pormenores ou antes que
adie demais a coisa e depois nunca mais escreva as Crónicas
das mesmas, tem feito com que atropele alguns episódios.
Não que sejam importantes, mas há um ou outro
que merecem ser focados. Além disso esta primeira semana
de trabalho tem sido um bocado esquisita, pois não tenho
dormido muito bem, ou aliás tenho acordado muito cedo
e com a cabeça a trabalhar muito rápido, o que
tem feito com que a minha memória esteja muito fraccionada
(esta é à engenheiro) e faça com que no
final da Crónica já me tenha esquecido do que
escrevi no parágrafo anterior.
Assim de repente o pormenor que me esqueci de
vos contar foi o de que na estação de esqui de
Astún, no teleférico que subimos para ver os
lagos, pode subir-se com a bicicleta no telesilha e descer
com a mesma pelos caminhos em autêntico downhill. Se
subirmos e descermos no teleférico paga-se 7 euros,
mas se se descer de ginga pode-se subir até três
vezes pelo mesmo preço. É a loucura!!! People
temos que pensar numa aventura destas, um dia destes, antes
que a barriga não permita virar o guiador.
Mas voltemos às férias onde tínhamos
ficado... Na viagem para Barcelona.
Ok! Como vos contei, na noite antes de sairmos
de Ordesa choveu torrencialmente, embora a Cláudia nem
tenha dado conta. De manhã já não chovia,
mas o céu alternava entre o escuro e o muito escuro,
com uma aberta além que logo desaparecia, assim que
uma nuvem cinzenta se sobrepunha. Tínhamos duas hipóteses:
Ou bazar ou bazar, pelo que desmontamos a tenda, depois do
pequeno-almoço e do banho e em pouco tempo estávamos
a sair de Bujaruelo. Acho que nem tivemos tempo de nos despedir
convenientemente do vale, pois logo mal saímos do parque
de campismo dêmos boleia a um tipo que por sinal teve
mais sorte que juízo.
É normal haver gente a pedir boleia naqueles
3,5 quilómetros que vão desde o parque até à estrada
e também é normal dar boleia. O que não é normal é apanhar
uma boleia para Barcelona, logo à saída do parque,
como aconteceu ao tipo. Nós íamos dar boleia
até Torla, uns 10 quilómetros dali, mas conversa
vai, conversa vem e o tipo disse que se o levássemos
para Barcelona que contribuía para o gasóleo,
mas se não quiséssemos que apanhava a camioneta
em Torla, dali para Jaca, daí para Saragoça e
daí para Barcelona. Dêmo-lhe boleia e nem pedimos
nada em troca.
Fizemos quase 4h de viagem e só soubemos
o nome dele quando o largámos em L’Hospitálet,
perto de Barcelona. Chamava-se Raul e tinha andado 5 dias em
Ordesa de mochila às costas, desde o abrigo de Goriz
ao Monte Perdido, pela Brecha de Rolando e até Bujaruelo,
tinha andado a percorrer o parque natural quase todo. Cheirava
como alguém que realmente tinha andado esse tempo, mas
era um tipo porreiro e entendia o nosso portunhol o suficiente
para mantermos uma conversação. Ia para Barcelona
para daí ir ter com a namorada alemã a Munique.
Era um tipo "viajado"... Até tinha estado
em Ibiza... Como Okupa!!! Lindo!!!
Pelo caminho fomos ouvindo na Rádio Nacional
de Espanha 3 (RNE 3) os concertos do festival de Benicàssim,
que tinha ocorrido no fim-de-semana anterior. Deu o concerto
quase todo dos Suede. Aliás esta rádio foi uma
lufada de ar fresco nas nossas viagens e uma surpresa para
nós que sempre achámos que a rádio em
Espanha era feita de conversas e sevilhanas. Pena que o sinal
por vezes era fraco e que os locutores, assim como a maioria
dos espanhóis, digam os nomes das bandas com aquele
sotaque de que não se percebe nada. Alguém é capaz
de saber que Rruuuél quer dizer Jewel? Haja paciência!
Mas voltemos a Barcelona. Pois bem, o que posso
dizer sobre Barcelona... Não vos vou contar os pormenores
da estadia, porque isso dava uma dúzia de Crónicas
e além disso se querem conhecer saiam da frente do computador
e vão lá!
Barcelona é muito mais que Gaudi. Aliás
o Gaudi foi uma desilusão! Não porque as coisas
do Gaudi sejam más ou feias, mas porque já vi
tanto livro, fotografia ou programa de televisão sobre
o tema que quando se chega lá pouco ou nada a mais há para
ver. Ainda por cima quando à entrada nos cobram 10 euros
para ver um andar e um vão de escada.
Barcelona é muito mais que as Ramblas.
Toda a gente me falou na Praça de Catalunha e nas Ramblas
como sendo o expoente máximo de Barcelona. É verdade!
Mas, por amor de Deus, aquilo parece uma feira de venda de
recuerdos e de assaltos aos turistas. Além disso quando
a cidade fervilha em calor e humidade a última coisa
que queremos é encontrões, fumo de carros e barulho.
Barcelona são os pequenos bairros e as
ruas estreitas e escuras do Bairro Gótico, do Born e
da Gràcia. São os barzitos, tascos e restaurantes
que ficam nas esquinas dessas ruas e que têm uma cerveja
gelada ou ar-condicionado. Fujam das avenidas largas onde os
preços não têm IVA e onde abundam os turistas
e percam-se pelas ruelas dos bairros de Barcelona. Vejam a
cidade, não vejam as casas do Gaudi, porque para isso
e pelo mesmo preço podem comprar os livros de fotografias,
que aliás estão bem melhor porque não
têm uma dezena de italianos à vossa frente.
Quando chegámos a Barcelona no domingo
[17 de Agosto de 2003] foi um choque. Vínhamos da montanha
onde os carros que se viam eram à unidade e as ruas
tinham duas faixas quando não tinham apenas uma e de
repente estamos numa cidade com carros às centenas,
avenidas com sete faixas e muito, mas muito calor e humidade.
Aliás, o calor era muito, mas com a humidade tão
alta, tornava a respiração um acto de difícil
desempenho.
Encontrámos os IKEA fechados e rumámos à praia.
Ficámo-nos por Vilassar de Mar uma praia logo a norte
de Barcelona com cerca de 5 metros de areia castanha esmagada
entre a linha de comboio e o mediterrâneo e com uma água
cheia de detritos a boiar. Bem! Detritos mais ou menos naturais
e devidos às chuvas da manhã que tinham escoado
pelos riachos ramos e ervas das montanhas. Claro que de vez
em quando passava um saco de plástico ou um maço
de tabaco a boiar. Uma maravilha! Mas os mexilhões ao
pôr-do-sol acompanhados por um pão com tomate
tradicional da Catalunha e umas cervejinhas souberam bem melhor.
A Cristina só chegava de Portugal às
23h e encontrar a casa dela foi uma dor de cabeça, mas
assim que parámos em frente já não tive
coragem de me oferecer a ir buscá-la ao aeroporto. Três
dias depois já o fazia na boa, mas naquela noite não!
Desculpa Cristininha!
Segunda-feira [18 de Agosto de 2003] foi dedicado
ao IKEA. Aliás aos IKEAs, que há dois em Barcelona.
De manhã, o IKEA de Badalona e de tarde o IKEA de L’Hospitálet,
pois não tinha tudo o que queríamos no primeiro.
Nem no segundo, pelo que tivemos que esperar até ao
fim da semana para lá voltar. Ainda bem, porque desconfio
que se houvesse tudo tínhamos voltado mais depressa
a Portugal, tal era a ânsia de ver as coisas montadas.
O jipe ficou cheio até não haver
mais espaço. O porteiro do Aparthotel onde vive a Cristina
e ela também ficaram de olhos em bico quando viram a
quantidade de coisas que metemos lá em casa. Nem imaginam
o que suámos para descarregar o carro e para voltar
a carregá-lo à vinda. Nem imaginam como veio
o jipe na viagem de volta. Foram 1100 quilómetros com
embrulhos até quase tapar a visibilidade para trás,
mesmo com os bancos rebatidos. E a preços de fazer rir...
Nesse dia ainda fomos jantar com a Cristina
ao Born, uma zona bem catita género Bairro Alto, mas
ainda a começar. Gostei muito!
Terça-feira [19 de Agosto de 2003] foi
o dia dedicado à zona velha da cidade. Ramblas abaixo
e já estávamos fartos. Mas assim que entrámos
no Bairro Gótico e parámos na Praça George
Orwell para uma cerveja e uma pita tudo se tornou muito mais
colorido.
À noite fomos às festas da Gràcia
com a Cristina e umas amigas. Havia um concurso de decoração
de ruas e estas estavam extraordinariamente coloridas e bem
arranjadas. As ruas fervilhavam de gente e havia concertos
em todas as esquinas.
Quarta-feira [20 de Agosto de 2003] foi o dia
dedicado ao Gaudi. Começámos pela casa Batló e
a Cláudia já nem quis ver mais nada. Eu ainda
fui à Pedrera, mas depois de me chularem 10 euros numa
e 7 noutra para ver dois andares, fiquei farto do Gaudi. O
que vale é que no parque Güell não cobravam
nada, porque depois do que subi e do pouco que vi se me cobravam
alguma coisa, acho que batia em alguém. Soámos
mais que numa sauna e quando chegámos a casa fizemos
um belo de um arroz de frango e bebemos a última das
garrafas de rosé de Olite. Maravilha! Cama directa sem
passar pela casa da partida...
Quinta-feira [21 de Agosto de 2003] foi o dia
dedicado... Sei lá! Fomos ao parque de Montjuic porque
o Raul (o que demos boleia, lembram-se?) disse que havia lá um
jardim de cactos. Bem se havia, já não há ou
nós não vimos. Inclino-me mais para a segunda
hipótese. Fugimos para a praia e fomos para a Barceluneta,
a zona da cidade melhorada na altura dos jogos olímpicos
e onde ficou a aldeia olímpica. A praia não é má,
mas a areia é castanha e a água... Bem podem
dizer que está "Muito boa" de qualidade,
mas aquelas coisas a boiar... Sacos de plásctico, papéis,
maços de tabaco e sei lá que mais... As praias
de Barcelona são de fugir.
Depois de jantar ainda fui ver a Sagrada Família.
Estava à espera de algo ainda mais grandioso. Acho que
as fotografias que vi dão uma imagem mais imponente
da coisa e se calhar criei demasiadas expectativas... Mas é espectacular!
Vão lá... A Cláudia não foi capaz
naquele dia e voltei no dia seguinte.
Sexta-feira [22 de Agosto de 2003], dia do meu
aniversário, foi dedicado a Sitges, uma vila a sul de
Barcelona com umas praias bem melhores e sem dúvida
um centro de paragem no roteiro gay internacional. Acho que
já não via tantos homossexuais desde Castro em
São Francisco, embora de uma maneira diferente. Em Castro
notava-se que havia já um estatuto de normalidade da
homossexualidade, ali em Sitges ainda se sentia de alguma maneira
que havia necessidade de mostrar e ter orgulho na condição
de gays. Mas de qualquer maneira eram mais homossexuais que
hetero.
Mas como regra geral, e como dizia alguém,
a comunidade gay anda sempre à frente e tem bom gosto,
Sitges é sem dúvida um sítio por descobrir
e cheio de boas praias e lojas bonitas. E come-se bem! Almoçámos
numa marisqueira de seu nome "La Santa Maria",
cujo símbolo era a caravela do mesmo nome e que não
me desiludiu nem um pouco. Do outro lado da rua, no passeio
junto à praia, o desfile gay era um espectáculo
a não perder...
À noite era suposto irmos jantar a casa
de uma amiga da Cristina. E fomos! Era perto do Camp Nau onde
nessa mesma noite o Barcelona apresentava a sua nova equipa.
Não foi difícil dar com a casa, onde vivia a
Rita, um madrileno, um galego e um mexicano. Ainda haviam mais
convidados, portugueses, brasileiros, espanhóis e uma
colombiana. Estávamos em casa!
Ainda tive direito a soprar 34 velas! Ufa! (Obrigado
Rita!!!)
Na volta para casa, enquanto os outros rumaram
a uma discoteca, eu e a Cláudia passámos por
uma daquelas experiências dignas de um filme. Quando
chegámos à estação do metro estava à entrada
uma multidão que tinha acabado de sair do jogo de apresentação
do Barcelona. Com aquele calor e com tanta gente pensámos
em desistir antes de nos metermos nos túneis do metro
que eram já por si um forno (ao contrário das
carruagens que eram um frigorífico). Mas tudo se processou
nas calmas e sem problemas. Aliás os túneis até tinham
uma ventilação porreira. Assim que parou o metro
a estação ficou vazia e nós só saímos
para ver a Sagrada Família.
Depois de em 2000 em São Francisco, 2001
em Helsínquia, 2002 em Paris, este ano comemorei o meu
aniversário em Barcelona. Estou-me a aproximar de casa...
Pode ser que para o ano que vem tenha boas razões para
comemorar os meus 35 anos na companhia dos meus amigos... Obrigado
a todos os que escreveram e telefonaram! Obrigado!
|