D18 SEXTA-FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2003
Guerreiros de La Pedrera - Fotografia de Rui Gonçalves

A ânsia de vos contar as minhas férias antes que me esqueça de alguns pormenores ou antes que adie demais a coisa e depois nunca mais escreva as Crónicas das mesmas, tem feito com que atropele alguns episódios. Não que sejam importantes, mas há um ou outro que merecem ser focados. Além disso esta primeira semana de trabalho tem sido um bocado esquisita, pois não tenho dormido muito bem, ou aliás tenho acordado muito cedo e com a cabeça a trabalhar muito rápido, o que tem feito com que a minha memória esteja muito fraccionada (esta é à engenheiro) e faça com que no final da Crónica já me tenha esquecido do que escrevi no parágrafo anterior.

Assim de repente o pormenor que me esqueci de vos contar foi o de que na estação de esqui de Astún, no teleférico que subimos para ver os lagos, pode subir-se com a bicicleta no telesilha e descer com a mesma pelos caminhos em autêntico downhill. Se subirmos e descermos no teleférico paga-se 7 euros, mas se se descer de ginga pode-se subir até três vezes pelo mesmo preço. É a loucura!!! People temos que pensar numa aventura destas, um dia destes, antes que a barriga não permita virar o guiador.

Mas voltemos às férias onde tínhamos ficado... Na viagem para Barcelona.

Ok! Como vos contei, na noite antes de sairmos de Ordesa choveu torrencialmente, embora a Cláudia nem tenha dado conta. De manhã já não chovia, mas o céu alternava entre o escuro e o muito escuro, com uma aberta além que logo desaparecia, assim que uma nuvem cinzenta se sobrepunha. Tínhamos duas hipóteses: Ou bazar ou bazar, pelo que desmontamos a tenda, depois do pequeno-almoço e do banho e em pouco tempo estávamos a sair de Bujaruelo. Acho que nem tivemos tempo de nos despedir convenientemente do vale, pois logo mal saímos do parque de campismo dêmos boleia a um tipo que por sinal teve mais sorte que juízo.

É normal haver gente a pedir boleia naqueles 3,5 quilómetros que vão desde o parque até à estrada e também é normal dar boleia. O que não é normal é apanhar uma boleia para Barcelona, logo à saída do parque, como aconteceu ao tipo. Nós íamos dar boleia até Torla, uns 10 quilómetros dali, mas conversa vai, conversa vem e o tipo disse que se o levássemos para Barcelona que contribuía para o gasóleo, mas se não quiséssemos que apanhava a camioneta em Torla, dali para Jaca, daí para Saragoça e daí para Barcelona. Dêmo-lhe boleia e nem pedimos nada em troca.

Fizemos quase 4h de viagem e só soubemos o nome dele quando o largámos em L’Hospitálet, perto de Barcelona. Chamava-se Raul e tinha andado 5 dias em Ordesa de mochila às costas, desde o abrigo de Goriz ao Monte Perdido, pela Brecha de Rolando e até Bujaruelo, tinha andado a percorrer o parque natural quase todo. Cheirava como alguém que realmente tinha andado esse tempo, mas era um tipo porreiro e entendia o nosso portunhol o suficiente para mantermos uma conversação. Ia para Barcelona para daí ir ter com a namorada alemã a Munique. Era um tipo "viajado"... Até tinha estado em Ibiza... Como Okupa!!! Lindo!!!

Pelo caminho fomos ouvindo na Rádio Nacional de Espanha 3 (RNE 3) os concertos do festival de Benicàssim, que tinha ocorrido no fim-de-semana anterior. Deu o concerto quase todo dos Suede. Aliás esta rádio foi uma lufada de ar fresco nas nossas viagens e uma surpresa para nós que sempre achámos que a rádio em Espanha era feita de conversas e sevilhanas. Pena que o sinal por vezes era fraco e que os locutores, assim como a maioria dos espanhóis, digam os nomes das bandas com aquele sotaque de que não se percebe nada. Alguém é capaz de saber que Rruuuél quer dizer Jewel? Haja paciência!

Mas voltemos a Barcelona. Pois bem, o que posso dizer sobre Barcelona... Não vos vou contar os pormenores da estadia, porque isso dava uma dúzia de Crónicas e além disso se querem conhecer saiam da frente do computador e vão lá!

Barcelona é muito mais que Gaudi. Aliás o Gaudi foi uma desilusão! Não porque as coisas do Gaudi sejam más ou feias, mas porque já vi tanto livro, fotografia ou programa de televisão sobre o tema que quando se chega lá pouco ou nada a mais há para ver. Ainda por cima quando à entrada nos cobram 10 euros para ver um andar e um vão de escada.

Barcelona é muito mais que as Ramblas. Toda a gente me falou na Praça de Catalunha e nas Ramblas como sendo o expoente máximo de Barcelona. É verdade! Mas, por amor de Deus, aquilo parece uma feira de venda de recuerdos e de assaltos aos turistas. Além disso quando a cidade fervilha em calor e humidade a última coisa que queremos é encontrões, fumo de carros e barulho.

Barcelona são os pequenos bairros e as ruas estreitas e escuras do Bairro Gótico, do Born e da Gràcia. São os barzitos, tascos e restaurantes que ficam nas esquinas dessas ruas e que têm uma cerveja gelada ou ar-condicionado. Fujam das avenidas largas onde os preços não têm IVA e onde abundam os turistas e percam-se pelas ruelas dos bairros de Barcelona. Vejam a cidade, não vejam as casas do Gaudi, porque para isso e pelo mesmo preço podem comprar os livros de fotografias, que aliás estão bem melhor porque não têm uma dezena de italianos à vossa frente.

Quando chegámos a Barcelona no domingo [17 de Agosto de 2003] foi um choque. Vínhamos da montanha onde os carros que se viam eram à unidade e as ruas tinham duas faixas quando não tinham apenas uma e de repente estamos numa cidade com carros às centenas, avenidas com sete faixas e muito, mas muito calor e humidade. Aliás, o calor era muito, mas com a humidade tão alta, tornava a respiração um acto de difícil desempenho.

Encontrámos os IKEA fechados e rumámos à praia. Ficámo-nos por Vilassar de Mar uma praia logo a norte de Barcelona com cerca de 5 metros de areia castanha esmagada entre a linha de comboio e o mediterrâneo e com uma água cheia de detritos a boiar. Bem! Detritos mais ou menos naturais e devidos às chuvas da manhã que tinham escoado pelos riachos ramos e ervas das montanhas. Claro que de vez em quando passava um saco de plástico ou um maço de tabaco a boiar. Uma maravilha! Mas os mexilhões ao pôr-do-sol acompanhados por um pão com tomate tradicional da Catalunha e umas cervejinhas souberam bem melhor.

A Cristina só chegava de Portugal às 23h e encontrar a casa dela foi uma dor de cabeça, mas assim que parámos em frente já não tive coragem de me oferecer a ir buscá-la ao aeroporto. Três dias depois já o fazia na boa, mas naquela noite não! Desculpa Cristininha!

Segunda-feira [18 de Agosto de 2003] foi dedicado ao IKEA. Aliás aos IKEAs, que há dois em Barcelona. De manhã, o IKEA de Badalona e de tarde o IKEA de L’Hospitálet, pois não tinha tudo o que queríamos no primeiro. Nem no segundo, pelo que tivemos que esperar até ao fim da semana para lá voltar. Ainda bem, porque desconfio que se houvesse tudo tínhamos voltado mais depressa a Portugal, tal era a ânsia de ver as coisas montadas.

O jipe ficou cheio até não haver mais espaço. O porteiro do Aparthotel onde vive a Cristina e ela também ficaram de olhos em bico quando viram a quantidade de coisas que metemos lá em casa. Nem imaginam o que suámos para descarregar o carro e para voltar a carregá-lo à vinda. Nem imaginam como veio o jipe na viagem de volta. Foram 1100 quilómetros com embrulhos até quase tapar a visibilidade para trás, mesmo com os bancos rebatidos. E a preços de fazer rir...

Nesse dia ainda fomos jantar com a Cristina ao Born, uma zona bem catita género Bairro Alto, mas ainda a começar. Gostei muito!

Terça-feira [19 de Agosto de 2003] foi o dia dedicado à zona velha da cidade. Ramblas abaixo e já estávamos fartos. Mas assim que entrámos no Bairro Gótico e parámos na Praça George Orwell para uma cerveja e uma pita tudo se tornou muito mais colorido.

À noite fomos às festas da Gràcia com a Cristina e umas amigas. Havia um concurso de decoração de ruas e estas estavam extraordinariamente coloridas e bem arranjadas. As ruas fervilhavam de gente e havia concertos em todas as esquinas.

Quarta-feira [20 de Agosto de 2003] foi o dia dedicado ao Gaudi. Começámos pela casa Batló e a Cláudia já nem quis ver mais nada. Eu ainda fui à Pedrera, mas depois de me chularem 10 euros numa e 7 noutra para ver dois andares, fiquei farto do Gaudi. O que vale é que no parque Güell não cobravam nada, porque depois do que subi e do pouco que vi se me cobravam alguma coisa, acho que batia em alguém. Soámos mais que numa sauna e quando chegámos a casa fizemos um belo de um arroz de frango e bebemos a última das garrafas de rosé de Olite. Maravilha! Cama directa sem passar pela casa da partida...

Quinta-feira [21 de Agosto de 2003] foi o dia dedicado... Sei lá! Fomos ao parque de Montjuic porque o Raul (o que demos boleia, lembram-se?) disse que havia lá um jardim de cactos. Bem se havia, já não há ou nós não vimos. Inclino-me mais para a segunda hipótese. Fugimos para a praia e fomos para a Barceluneta, a zona da cidade melhorada na altura dos jogos olímpicos e onde ficou a aldeia olímpica. A praia não é má, mas a areia é castanha e a água... Bem podem dizer que está "Muito boa" de qualidade, mas aquelas coisas a boiar... Sacos de plásctico, papéis, maços de tabaco e sei lá que mais... As praias de Barcelona são de fugir.

Depois de jantar ainda fui ver a Sagrada Família. Estava à espera de algo ainda mais grandioso. Acho que as fotografias que vi dão uma imagem mais imponente da coisa e se calhar criei demasiadas expectativas... Mas é espectacular! Vão lá... A Cláudia não foi capaz naquele dia e voltei no dia seguinte.

Sexta-feira [22 de Agosto de 2003], dia do meu aniversário, foi dedicado a Sitges, uma vila a sul de Barcelona com umas praias bem melhores e sem dúvida um centro de paragem no roteiro gay internacional. Acho que já não via tantos homossexuais desde Castro em São Francisco, embora de uma maneira diferente. Em Castro notava-se que havia já um estatuto de normalidade da homossexualidade, ali em Sitges ainda se sentia de alguma maneira que havia necessidade de mostrar e ter orgulho na condição de gays. Mas de qualquer maneira eram mais homossexuais que hetero.

Mas como regra geral, e como dizia alguém, a comunidade gay anda sempre à frente e tem bom gosto, Sitges é sem dúvida um sítio por descobrir e cheio de boas praias e lojas bonitas. E come-se bem! Almoçámos numa marisqueira de seu nome "La Santa Maria", cujo símbolo era a caravela do mesmo nome e que não me desiludiu nem um pouco. Do outro lado da rua, no passeio junto à praia, o desfile gay era um espectáculo a não perder...

À noite era suposto irmos jantar a casa de uma amiga da Cristina. E fomos! Era perto do Camp Nau onde nessa mesma noite o Barcelona apresentava a sua nova equipa. Não foi difícil dar com a casa, onde vivia a Rita, um madrileno, um galego e um mexicano. Ainda haviam mais convidados, portugueses, brasileiros, espanhóis e uma colombiana. Estávamos em casa!

Ainda tive direito a soprar 34 velas! Ufa! (Obrigado Rita!!!)

Na volta para casa, enquanto os outros rumaram a uma discoteca, eu e a Cláudia passámos por uma daquelas experiências dignas de um filme. Quando chegámos à estação do metro estava à entrada uma multidão que tinha acabado de sair do jogo de apresentação do Barcelona. Com aquele calor e com tanta gente pensámos em desistir antes de nos metermos nos túneis do metro que eram já por si um forno (ao contrário das carruagens que eram um frigorífico). Mas tudo se processou nas calmas e sem problemas. Aliás os túneis até tinham uma ventilação porreira. Assim que parou o metro a estação ficou vazia e nós só saímos para ver a Sagrada Família.

Depois de em 2000 em São Francisco, 2001 em Helsínquia, 2002 em Paris, este ano comemorei o meu aniversário em Barcelona. Estou-me a aproximar de casa... Pode ser que para o ano que vem tenha boas razões para comemorar os meus 35 anos na companhia dos meus amigos... Obrigado a todos os que escreveram e telefonaram! Obrigado!



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