D16 TERÇA-FEIRA, 26 DE AGOSTO DE 2003
Ermida de San Bartolomé - Fotografia de Rui Gonçalves

De volta de ferias e antes que comece de novo a rat race vou contar-vos os melhores momentos e as coisas que me surpreenderam durante as mesmas. Não estou muito inspirado, pelo que me desculpem, mas sei que em breve não vou ter tempo para escrever e não queria deixar de partilhar de novo convosco alguns dos melhores momentos.

Estas férias ao contrário das últimas, foram menos aventurosas, porque foram passadas aqui perto de casa, menos dispendiosas, porque o orçamento estava reduzido devido a outras prioridades de que vos espero falar em breve e muito menos programadas, porque depois da ronda pela Europa no verão do ano passado ficámos "vacinados" em relação a querer-ver-tudo e afinal, acabar-por-não-ver-nada. A única coisa que estava programada era a visita à Cristina Santos, que nos dava hospedagem em Barcelona, na segunda semana de férias, e mesmo isso foi só combinado uns dias antes da partida e a morada foi enviada por SMS quando estávamos já em Vilar Formoso. Tirando isso queríamos passar pelos Pirinéus e decidimos passar pelo Cañón de Río Lobos, para não fazer a viagem num só dia.

Aliás, estas férias foram diferentes em muita coisa em relação a todas as outras que fizemos ultimamente. Queríamos que fossem muito calmas e sem stresses, por isso na sexta-feira [8 de Agosto de 2003] quando saí do trabalho, nem sequer os sacos tínhamos feito e só pensávamos sair no dia seguinte quando nos apetecesse.

Sábado [9 de Agosto de 2003] partimos rumo a Espanha, ao Parque Natural del Cañón de Río Lobos, em Castilla e León, na província de Burgos, algures a meio caminho entre Aranda de Duero e Soria. A viagem fez-se bem, tirando o calor que chegou aos 41º C em Fornos de Algodres (daí o nome), as obras na IP5 perto da Guarda, as trovoadas que se repetiam de 100 em 100 kms e Vallodolid que além de ser uma seca de terra não tem placas a indicar o caminho.

Chegámos já de noite, pois a viagem pela região demarcada do vinho da Ribera del Duero é fantástica, com paisagens muito bonitas e diferentes do que estamos habituados por cá. Apesar de se ver vinha como em muitos sítios em Portugal, a aridez do solo e as zonas inóspitas com relevo tem umas cores e umas formas, que ao pôr-do-sol ficam magníficas. Só espero que as fotos estejam à altura... As adegas, que têm a particularidade de terem as caves cavadas e debaixo do solo, são enormes e muito bonitas,... por fora! Porque à hora que lá passámos (saímos tarde e sem stresses, lembram-se?) já não dava para visitar.

O parque de campismo de Ucero, embora ostente a classificação de 1ª Categoria, deixa muito a desejar, embora seja muito bom. Simplesmente os preços são de primeira e nem sempre os serviços o são. Pagámos cerca de 20 euros por noite o que se tornou no o parque mais caro de todas as férias. Além disso, o nosso vizinho ressonava... E na segunda noite um tipo que estava a sete alvéolos do nosso, ressonava tanto e tão alto que se conseguia ouvir da nossa tenda, nas alturas mais calmas... Não sei como é que a mulher aguentava... Se não fosse mesmo ela a ressonar em uníssono.

Mas, falemos do Canyon que é bem melhor que falar dos vizinhos-ronca. Foi um bom começo e um excelente ensaio para os Pirinéus. O Canyon de Rio Lobos é, como o próprio nome diz, um vale escarpado (Canyon) talhado pelas águas do Rio Lobos, onde habita uma fauna abundante da qual se salienta o Grifo (buitre leonado para os espanhóis). Existem cerca de uma centena de exemplares destas aves de hábitos necrófagos numa extensão de apenas 25 kms, que é extensão do Canyon protegido. O mais impressionante é que enquanto caminhávamos ao longo do vale, no Domingo [10 de Agosto de 2003], tínhamos sempre por companhia estas aves de grande envergadura (2, 3 metros) a sobrevoar-nos em grupos de meia-dúzia e em círculos, como se esperassem por um vacilo para nos comerem. E acreditem que vacilar num vale profundo como aquele, sem vento e com temperaturas a mais de 35º, não era assim tão difícil. O que vale é que haviam sempre sombras, fontes de água fresca e alguns pedaços de rio para nos refrescarmos, porque chegámos a pensar servir de refeição aos Grifos.

Mas antes que nos tornássemos num pitéu de Grifo, como uma ovelha que encontrámos pelo caminho, resolvemos não fazer o vale todo até à Puente de los Siete Ojos desde o Valdecea, e voltámos para trás na fonte de El Perín, depois de nos saciarmos de água fresca. Isto porque segundo umas tipas, dali para a frente a paisagem deixava de ser tão bonita e era só "piños" (pinheiros) e o tempo estava a ficar "un poco raro" (estranho) com a aproximação de umas nuvens um pouco escuras demais para o nosso gosto. Voltámos à Ermita de S. Bartolomé, uma ermida construída pelos monges-cavaleiros da Ordem dos Templários, mesmo no meio do Canyon, numa elevação de terreno, protegida das águas furiosas do rio (no inverno) junto à Cueva Grande, uma gruta com marcas de ocupação desde o início da humanidade. O ambiente estava bem menos povoado de que quando resolvemos nos aventurar pelo Canyon. O número de famílias tinha diminuído e a luz estava a ficar porreira para umas últimas fotos antes de voltar à tenda.

Com o calor que estava nem pensámos em tomar banho de á gua quente e depois de umas cervejas ao jantar e uma vista de olhos por umas linhas de um livro, estávamos prontos para dormir... Mesmo com o ressonar do tipo lá do fundo, junto às casas-de-banho.

Segunda-feira [11 de Agosto de 2003] levantámos o acampamento depois do habitual pequeno-almoço e rumámos até Calatañazor, uma sugestão de um percurso todo-o-terreno que sacámos da net, mas que nem tínhamos tido tempo de ler antes de começarem as férias. Recomendo vivamente a quem passar perto de Soria a fazer um desvio de 30 quilómetros e visitar esta aldeia perdida e que mantém o aspecto medieval, embora por vezes roce a ruína mantém um aspecto de parada no tempo. Esta aldeia foi, aparentemente, um marco mozárabe (cristãos que viviam sobre o domínio á rabe) importante. Mas o que recomendo mesmo é uma refeição no Hostal Restaurante Calatañazor (http://usuarios.lycos.es/calatanazor/index.htm), mesmo no centro da aldeia. Provem os enchidos e as migas com nomes tão sugestivos como migas pastoriles, chorizo de la Abuela e especialmente a morcilla, uma morcela de arroz que faz chorar por mais. A voltar!

Já saímos tarde, mas não tínhamos pressa de chegar a lado nenhum. Já tínhamos decidido deixar a ida para os Pirinéus para o dia seguinte e resolvemos explorar a zona junto à nascente do rio Douro. Mas, nada correu como queríamos e acabámos o dia numa praia fluvial numa albufeira do Douro – Embalse de la Cuerda Del Pozo – junto ao parque de campismo "El Frontal", que também recomendo pela sua calma e localização.

É impressionante como em férias, quando menos esperamos e num dia que à partida parecia já perdido, aparecem lugares que nos enchem por completo. Parar, olhar e apreciar é tão bom, especialmente se a companhia é boa. Haviam de ver o nascer da lua reflectido nas águas calmas e límpidas do Douro, numa bela noite de verão...



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