SEXTA-FEIRA, 25 DE JUlHO DE 2003 D15
St. Mary's Church - Fotografia de Rui Gonçalves

Cá estou eu de novo a escrever-vos. Tem sido uma correria o último mês, desde que cheguei do Japão. De repente o meu chefe achou que eu estava capaz de gerir uma tarefa localmente a par com os meus colegas ingleses em Inglaterra. Na verdade o que fizemos foi forçar que o plano de trabalho fosse dividido em duas partes e uma delas fosse dirigida por mim em Portugal, com mais três colegas, e a outra parte fosse gerida pelo Simon em Inglaterra e que incluía mais três colegas ingleses.

Assim, de repente vejo-me a gerir uma tarefa e o trabalho de três engenheiros, mais o meu. Tem sido uma experiência interessante, acho que algum sucesso e muito cansativa, embora não muito stressante. É estranho, mas acho que de alguma maneira tenho aprendido a lidar com a pressão de maneira que não me tenho sentido muito stressado. Penso que a ida ao Japão ajudou muito nisso. Depois de lidar com aquela pressão, esta aqui é uma brincadeira de crianças. Além disso tenho aprendido algumas técnicas no Yoga que me permitem controlar melhor as emoções.

Bem, o que estou a fazer, de momento, é implementar um interface em Java que permita uma pessoa usar aplicações de localização num telemóvel. Por outras palavras, estamos a fazer com que vocês num futuro, não muito longínquo, consigam ter uma espécie de GPS no vosso telemóvel que vos diga as coordenadas do ponto onde se encontram, ver essa localização num mapa, saber onde são os restaurantes mais próximos, saber quando se aproximam de uma dada localização e muitas coisas mais… Interessante, né?

Na verdade não vos escrevi para vos maçar com explicações do que ando a fazer em termos de trabalho, mas sim para vos dar conta das minhas últimas aventuras dentro e fora do nosso país. Esta introdução basicamente serve para vos explicar que neste momento estou em Inglaterra, de onde vos escrevo a presente crónica.

Mas voltemos atrás uns dias até terça-feira [22 de Julho de 2003], a noite antes de partir para o Reino de Sua Majestade. Localizemo-nos em Águeda, uma terra de que não guardava nenhuma recordação que pudesse ser considerada agradável e cujas gentes (salvo raras excepções) julgava serem pouco interessantes. Isto depois de uma passagem traumatizante por uma empresa local que não me permitiu perceber que afinal haviam bem mais coisas interessantes na terra que o caminho de volta para casa.

Ganhei uns bilhete para ver uma banda húngara no Festival Músicas do Mundo Cigano, organizado pela D’Orfeu, uma colectividade de Águeda e de repente estava num espaço exterior à sede da D’Orfeu rodeado de gente conhecida, com uma cerveja preta na mão a assistir a uns tipos que tocavam uma música que parecia saída de uma cena do casamento do Gato Preto, Gato Branco. Ainda esperei ver uns ciganos inconscientes embrulhados em gelo ou um caído na retrete da casa de banho, mas afinal estava bem longe daquele ambiente, e bem perto de casa. É bom saber que em redor de nossa casa existem afinal sítios que ainda não conhecemos e visões que nos agradam. Assim, e de repente somos transportados muito para além do que é normal no nosso dia-a-dia e tudo tem um sabor, um cheiro e uma sensação de férias.

Infelizmente o retorno foi rápido e quando cheguei a casa ainda tive que fazer a mala para vir para aqui. Não dormi muito e acordei algo nervoso. Mas, nada que uns exercícios respiratórios (pranayama) de yoga não fizessem acalmar e ajudassem a descansar um pouco. Ainda passei pelas brasas no avião, algures depois de me terem presenteado com uma verdadeira refeição digna da galinha mais rançosa lá do quintal da vizinha. É impressionante as coisas que nos dão a comer nestes sítios, mas que podemos nós fazer? A verdade é que se houvesse um bar a bordo, aposto que ninguém comeria aquela mistela de pepino com fiambre. Mas as portas estavam fechadas e não havia por onde fugir.

O que vale é que quando aqui cheguei o Samuel tinha me comprado uma sandes como lhe tinha pedido. Embora não fosse aquela que eu desejava a verdade é que era bem melhor que qualquer comida de avião. Por esta altura e depois de tudo o que disse sobre a comida de avião devem imaginar o que sofre uma pessoa quando vem do Japão e que durante 24h só come em aviões e aeroportos. Mas acreditem que logo a seguir à comida de avião vêm as sandes inglesas, que são a única coisa que se come aqui à hora do almoço.

Não vos vou martirizar com pormenores de trabalho, mas está cá o Shionoya-san que conheci no Japão e que está a trabalhar com o Samuel, meu colega de Portugal... Ou aliás o Samuel está a trabalhar e ele a ver! Mesmo ao lado do meu amigo Frederico, que como bom português em terra de cegos, é quase rei desta empresa. Bem! É melhor não dizer isto porque os ingleses podem ficar traumatizados com o facto de depois do caril ter sido considerado o prato nacional, qualquer dia o cozido é considerado um petisco regional de Reading.

Ah! Pois, eu estou em Reading, a cerca de 40 milhas de Londres, mais jarda menos jarda. Como é que estes gajos ainda usam um sistema de medida tão arcaico, com base nas medidas dos pés e polegares dum rei qualquer e em múltiplos do número 12, como se alguém tivesse doze dedos nas mãos e pudesse contar pelos dedos. Mas, pronto há certas coisas nos ingleses que não são para perceber, como por exemplo o facto de se embebedarem constantemente com cerveja quente e amarga. Deve ser um género de urinoterapia, mas com álcool.

Nessa noite fomos quase directos do escritório para o centro de Reading, para jantar com o Freddy e a mulher, a Gisela. Depois de muito pensar optámos pela comida mexicana no Chilis, um restaurante semi-panorâmico mesmo no meio do Oracle, o Forum cá do burgo. Comi que nem um alarve, mas também depois de uma sandes e uma salada manhosa (não que eu tenha alguma coisa contra saladas), que foi tudo o que tinha comido nesse dia, tinha que recuperar.

E por falar em recuperar, o dia seguinte [23 de Julho de 2003] foi duro. Não pelo trabalho, mas pela comida mexicana e especialmente pela meia dúzia de vodkas que tomei no Brannigans. E, também pelas poucas horas de sono, porque saímos de là por volta da uma da manhã, depois de uma noite bem passada, a ver uns tipos a cantar umas canções pirosas, vestidos de mulher, na companhia do Freddy, Gisela e umas amigas suíças e uma espanhola, cujos nomes nem sei. O melhor da noite foi voltar ao hotel num taxi típico inglês, daqueles com um espaço enorme e portas que abrem ao contrário. Foi divertido, mas o preço a pagar no dia seguinte...

Bem! Rapidamente foi esquecido, quando depois de um longo dia de trabalho, tive o privilégio de gozar umas braçadas na piscina do hotel e uns minutos no jakuzzi. Ah! Luxos que pela primeira vez foram postos à minha disposição, porque pela primeira vez fiquei no Holiday Inn aqui mesmo ao lado do escritório.

Sinceramente devia de haver um fundo de uso de piscinas ou para as pessoas comprarem e manterem piscinas, porque acho que são tão boas para a saúde que se o governo as subsidiasse, provavelmente o Serviço Nacional de Saúde tinha menos despesas com medicamentos e operações. Aliás, por falar em subsídios, levantei aqui no escritório uma discussão sobre apoios da empresa aos empregados que praticam Yoga, quando descobri que a Nadeine faz yoga e lhe mandei um artigo sobre algumas companhias que contrataram instrutores de Yoga para aumentar a rentabilidade dos seus trabalhadores. Fiquei logo a saber que há pelo menos uma dezena de praticantes aqui na NEC UK, ao contrário de em Portugal, onde sou o ú nico.

Mas estava vos a contar o que se tinha passado ontem, depois do trabalho, pois sobre trabalho não se fala aqui. Depois da piscina e de um sirsasana (posição de yoga que consiste em permanecer invertido sobre a cabeça, mas que no meu caso ainda é feito com a ajuda da parede) estava pronto para ir jantar com o David (o meu Team Leader) e o Samuel, a um restaurante Nepalês, que basicamente é um indiano, em termos de comida. Eu e o Samuel comemos borrego vindaloo, que na escala de picante dos indianos é o degrau antes do máximo. Bebi duas cervejas indianas – Cobra – de 660ml. Saí do restaurante e pensai que ia rebentar com tanto liquido. Na verdade nem comi muito, mas estava cheio de líquidos, que depressa devem ter sido absorvidos pelo Nan, o pão indiano que eu prefiro ao arroz para acompanhar as refeições.

Mas ainda houve espaço para uma pint (660ml) de Ale no pub onde o David nos levou para jogar uma coisa parecida com bilhar, mas com bolas mais pequenas, montes de buracos na mesa, com diferentes valores e dois mecos que não podem cair. Uma coisa que só mesmo os ingleses podem gostar, depois de beberem umas pints... O que eles se devem rir quando os mecos caem. Já estou a imaginar...

A verdade é que até me diverti, mas às 11h30m lá nos expulsaram do pub, pois ia fechar. É outra coisa que não entendo nestes gajos... As 11h deviam de estar a abrir e não a fechar... Pelo menos é assim de onde eu venho!

O David foi para casa e nós fomos ter com o Freddy e demais amigas a um bar/disco no centro de Reading. Ficámos junto à câmara municipal e ainda tive tempo de dar uma mija num mictório elevatório, uma daquelas coisas quase tão boas como as sanitas aquecidas do Japão. Passo a explicar, existem uns mictórios que durante o dia estão escondidos no solo e que à noite levantam e ficam disponíveis para que os homens (em geral) possam fazer as suas necessidades urinárias. Assim, previne-se o facto de que os homens não façam essas mesmas necessidades contra uma qualquer esquina, quando saem bêbados dos pubs. Mas e as mulheres, é que se esquecem que estas inglesas são umas doidas.

Haviam de ver as cenas que elas fazem nos bares depois de dois sumos de laranja e uma coca-cola... Só visto! É decadente ver como estas tipas, que se vestem mal, são feias e mal feitas se embebedam com tão pouco e fazem o que fazem... Estive mesmo para ir dar a chave do meu quarto do hotel a um casal que lá andava a exibir-se pelo chão do bar. Lindo!

De qualquer maneira tenho que acabar esta crónica pois vêm nos buscar, a mim ao Samuel, para irmos para Heathrow e voltar a Portugal, daqui a pouco. Mas, pronto eu depois conto mais, pois estarei de volta em Setembro, se não for antes.

Enquanto vos escrevo esta crónica, um inglês aqui do lado, levantou-se e foi à máquina do café. Chama-se Brian e não havia nada de especial, não pesasse ele quase 200 kgs e o chão não tremesse à sua passagem, numa reprodução quase perfeita do terramoto que presenciei no Japão. Mas é um tipo porreiro, como todos os gordos (é melhor dizer bem deles, não vá eu continuar a inchar) e sempre bem disposto.

Além dele há uma série de cromos únicos mas isso fica para outra crónica...



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