Cá estou eu de novo a escrever-vos. Tem sido
uma correria o último mês, desde que cheguei do Japão.
De repente o meu chefe achou que eu estava capaz de gerir uma tarefa
localmente a par com os meus colegas ingleses em Inglaterra. Na
verdade o que fizemos foi forçar que o plano de trabalho
fosse dividido em duas partes e uma delas fosse dirigida por mim
em Portugal, com mais três colegas, e a outra parte fosse
gerida pelo Simon em Inglaterra e que incluía mais três
colegas ingleses.
Assim, de repente vejo-me a gerir uma tarefa e o
trabalho de três engenheiros, mais o meu. Tem sido uma experiência
interessante, acho que algum sucesso e muito cansativa, embora
não muito stressante. É estranho, mas acho que de
alguma maneira tenho aprendido a lidar com a pressão de
maneira que não me tenho sentido muito stressado. Penso
que a ida ao Japão ajudou muito nisso. Depois de lidar com
aquela pressão, esta aqui é uma brincadeira de crianças.
Além disso tenho aprendido algumas técnicas no Yoga
que me permitem controlar melhor as emoções.
Bem, o que estou a fazer, de momento, é implementar
um interface em Java que permita uma pessoa usar aplicações
de localização num telemóvel. Por outras palavras,
estamos a fazer com que vocês num futuro, não muito
longínquo, consigam ter uma espécie de GPS no vosso
telemóvel que vos diga as coordenadas do ponto onde se encontram,
ver essa localização num mapa, saber onde são
os restaurantes mais próximos, saber quando se aproximam
de uma dada localização e muitas coisas mais… Interessante,
né?
Na verdade não vos escrevi para vos maçar
com explicações do que ando a fazer em termos de
trabalho, mas sim para vos dar conta das minhas últimas
aventuras dentro e fora do nosso país. Esta introdução
basicamente serve para vos explicar que neste momento estou em
Inglaterra, de onde vos escrevo a presente crónica.
Mas voltemos atrás uns dias até terça-feira
[22 de Julho de 2003], a noite antes de partir para o Reino de
Sua Majestade. Localizemo-nos em Águeda, uma terra de que
não guardava nenhuma recordação que pudesse
ser considerada agradável e cujas gentes (salvo raras excepções)
julgava serem pouco interessantes. Isto depois de uma passagem
traumatizante por uma empresa local que não me permitiu
perceber que afinal haviam bem mais coisas interessantes na terra
que o caminho de volta para casa.
Ganhei uns bilhete para ver uma banda húngara
no Festival Músicas do Mundo Cigano, organizado pela D’Orfeu,
uma colectividade de Águeda e de repente estava num espaço
exterior à sede da D’Orfeu rodeado de gente conhecida,
com uma cerveja preta na mão a assistir a uns tipos que
tocavam uma música que parecia saída de uma cena
do casamento do Gato Preto, Gato Branco. Ainda esperei ver uns
ciganos inconscientes embrulhados em gelo ou um caído na
retrete da casa de banho, mas afinal estava bem longe daquele ambiente,
e bem perto de casa. É bom saber que em redor de nossa casa
existem afinal sítios que ainda não conhecemos e
visões que nos agradam. Assim, e de repente somos transportados
muito para além do que é normal no nosso dia-a-dia
e tudo tem um sabor, um cheiro e uma sensação de
férias.
Infelizmente o retorno foi rápido e quando
cheguei a casa ainda tive que fazer a mala para vir para aqui.
Não dormi muito e acordei algo nervoso. Mas, nada que uns
exercícios respiratórios (pranayama) de yoga não
fizessem acalmar e ajudassem a descansar um pouco. Ainda passei
pelas brasas no avião, algures depois de me terem presenteado
com uma verdadeira refeição digna da galinha mais
rançosa lá do quintal da vizinha. É impressionante
as coisas que nos dão a comer nestes sítios, mas
que podemos nós fazer? A verdade é que se houvesse
um bar a bordo, aposto que ninguém comeria aquela mistela
de pepino com fiambre. Mas as portas estavam fechadas e não
havia por onde fugir. O que vale é que quando aqui cheguei o Samuel
tinha me comprado uma sandes como lhe tinha pedido. Embora não
fosse aquela que eu desejava a verdade é que era bem melhor
que qualquer comida de avião. Por esta altura e depois de
tudo o que disse sobre a comida de avião devem imaginar
o que sofre uma pessoa quando vem do Japão e que durante
24h só come em aviões e aeroportos. Mas acreditem
que logo a seguir à comida de avião vêm as
sandes inglesas, que são a única coisa que se come
aqui à hora do almoço.
Não vos vou martirizar com pormenores de
trabalho, mas está cá o Shionoya-san que conheci
no Japão e que está a trabalhar com o Samuel, meu
colega de Portugal... Ou aliás o Samuel está a trabalhar
e ele a ver! Mesmo ao lado do meu amigo Frederico, que como bom
português em terra de cegos, é quase rei desta empresa.
Bem! É melhor não dizer isto porque os ingleses podem
ficar traumatizados com o facto de depois do caril ter sido considerado
o prato nacional, qualquer dia o cozido é considerado um
petisco regional de Reading.
Ah! Pois, eu estou em Reading, a cerca de 40 milhas
de Londres, mais jarda menos jarda. Como é que estes gajos
ainda usam um sistema de medida tão arcaico, com base nas
medidas dos pés e polegares dum rei qualquer e em múltiplos
do número 12, como se alguém tivesse doze dedos nas
mãos e pudesse contar pelos dedos. Mas, pronto há certas
coisas nos ingleses que não são para perceber, como
por exemplo o facto de se embebedarem constantemente com cerveja
quente e amarga. Deve ser um género de urinoterapia, mas
com álcool.
Nessa noite fomos quase directos do escritório
para o centro de Reading, para jantar com o Freddy e a mulher,
a Gisela. Depois de muito pensar optámos pela comida mexicana
no Chilis, um restaurante semi-panorâmico mesmo no meio do Oracle,
o Forum cá do burgo. Comi que nem um alarve, mas também
depois de uma sandes e uma salada manhosa (não que eu tenha
alguma coisa contra saladas), que foi tudo o que tinha comido nesse
dia, tinha que recuperar.
E por falar em recuperar, o dia seguinte [23 de
Julho de 2003] foi duro. Não pelo trabalho, mas pela comida
mexicana e especialmente pela meia dúzia de vodkas que tomei
no Brannigans. E, também pelas poucas horas de sono, porque
saímos de là por volta da uma da manhã, depois
de uma noite bem passada, a ver uns tipos a cantar umas canções
pirosas, vestidos de mulher, na companhia do Freddy, Gisela e umas
amigas suíças e uma espanhola, cujos nomes nem sei.
O melhor da noite foi voltar ao hotel num taxi típico inglês,
daqueles com um espaço enorme e portas que abrem ao contrário.
Foi divertido, mas o preço a pagar no dia seguinte...
Bem! Rapidamente foi esquecido, quando depois de
um longo dia de trabalho, tive o privilégio de gozar umas
braçadas na piscina do hotel e uns minutos no jakuzzi. Ah!
Luxos que pela primeira vez foram postos à minha disposição,
porque pela primeira vez fiquei no Holiday Inn aqui mesmo ao lado
do escritório.
Sinceramente devia de haver um fundo de uso de piscinas
ou para as pessoas comprarem e manterem piscinas, porque acho que
são tão boas para a saúde que se o governo
as subsidiasse, provavelmente o Serviço Nacional de Saúde
tinha menos despesas com medicamentos e operações.
Aliás, por falar em subsídios, levantei aqui no escritório
uma discussão sobre apoios da empresa aos empregados que
praticam Yoga, quando descobri que a Nadeine faz yoga e lhe mandei
um artigo sobre algumas companhias que contrataram instrutores
de Yoga para aumentar a rentabilidade dos seus trabalhadores. Fiquei
logo a saber que há pelo menos uma dezena de praticantes
aqui na NEC UK, ao contrário de em Portugal, onde sou o ú nico.
Mas estava vos a contar o que se tinha passado ontem,
depois do trabalho, pois sobre trabalho não se fala aqui.
Depois da piscina e de um sirsasana (posição de yoga que consiste em permanecer invertido sobre a cabeça, mas
que no meu caso ainda é feito com a ajuda da parede) estava
pronto para ir jantar com o David (o meu Team Leader) e o Samuel,
a um restaurante Nepalês, que basicamente é um indiano,
em termos de comida. Eu e o Samuel comemos borrego vindaloo, que
na escala de picante dos indianos é o degrau antes do máximo.
Bebi duas cervejas indianas – Cobra – de 660ml. Saí do
restaurante e pensai que ia rebentar com tanto liquido. Na verdade
nem comi muito, mas estava cheio de líquidos, que depressa
devem ter sido absorvidos pelo Nan, o pão indiano que eu
prefiro ao arroz para acompanhar as refeições.
Mas ainda houve espaço para uma pint (660ml)
de Ale no pub onde o David nos levou para jogar uma coisa parecida
com bilhar, mas com bolas mais pequenas, montes de buracos na mesa,
com diferentes valores e dois mecos que não podem cair.
Uma coisa que só mesmo os ingleses podem gostar, depois
de beberem umas pints... O que eles se devem rir quando os mecos
caem. Já estou a imaginar...
A verdade é que até me diverti, mas às
11h30m lá nos expulsaram do pub, pois ia fechar. É outra
coisa que não entendo nestes gajos... As 11h deviam de estar
a abrir e não a fechar... Pelo menos é assim de onde
eu venho!
O David foi para casa e nós fomos ter com
o Freddy e demais amigas a um bar/disco no centro de Reading. Ficámos
junto à câmara municipal e ainda tive tempo de dar
uma mija num mictório elevatório, uma daquelas coisas
quase tão boas como as sanitas aquecidas do Japão.
Passo a explicar, existem uns mictórios que durante o dia
estão escondidos no solo e que à noite levantam e
ficam disponíveis para que os homens (em geral) possam fazer
as suas necessidades urinárias. Assim, previne-se o facto
de que os homens não façam essas mesmas necessidades
contra uma qualquer esquina, quando saem bêbados dos pubs.
Mas e as mulheres, é que se esquecem que estas inglesas
são umas doidas.
Haviam de ver as cenas que elas fazem nos bares
depois de dois sumos de laranja e uma coca-cola... Só visto! É decadente
ver como estas tipas, que se vestem mal, são feias e mal
feitas se embebedam com tão pouco e fazem o que fazem...
Estive mesmo para ir dar a chave do meu quarto do hotel a um casal
que lá andava a exibir-se pelo chão do bar. Lindo!
De qualquer maneira tenho que acabar esta crónica
pois vêm nos buscar, a mim ao Samuel, para irmos para Heathrow
e voltar a Portugal, daqui a pouco. Mas, pronto eu depois conto
mais, pois estarei de volta em Setembro, se não for antes.
Enquanto vos escrevo esta crónica, um inglês
aqui do lado, levantou-se e foi à máquina do café.
Chama-se Brian e não havia nada de especial, não
pesasse ele quase 200 kgs e o chão não tremesse à sua
passagem, numa reprodução quase perfeita do terramoto
que presenciei no Japão. Mas é um tipo porreiro,
como todos os gordos (é melhor dizer bem deles, não
vá eu continuar a inchar) e sempre bem disposto.
Além dele há uma série de cromos únicos
mas isso fica para outra crónica...
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