SEGUNDA-FEIRA, 9 DE JUNHO DE 2003 D13
Susukino - Fotografia de Rui Gonçalves

Trabalhar no Japão tem sido uma experiência inolvidável (como diria o nosso amigo Luxúria Canibal). Viajar é extraordinário, aprende-se muito, mas trabalhar num outro país é mesmo diferente. Aquando da minha passagem pela Califórnia tive a oportunidade de saber como se trabalha por aquelas bandas, mas fiquei sempre com a sensação que não exigiam mais de mim porque sabiam que era estagiário e não me pagavam. Mas aqui a pressão é outra e é tão bom ver que afinal o nosso trabalho é válido e serve para alguma coisa.

Mas se eu estivesse a viajar como é que eu ia saber como se empilham verticalmente 20 pessoas num elevador, quando para mim ali nunca caberiam mais de uma dúzia? Como é que ia ter a experiência de comunicar através de um tradutor automático com o Monguchi-san, para resolver problemas de trabalho? E acima de tudo como é que eu iria saber que estes tipos estão tantas horas no trabalho (não necessariamente a trabalhar) que até há intervalos para esticar as pernas e braços?

Parece-me que já estou com saudades e ainda não parti. Porque será que nunca estamos bem? Custou vir e custa sempre voltar. Mas, desta vez custa muito menos que da vez na Califórnia. Lá haviam bem mais coisas que me prendiam e afinal de contas foram 9 meses. O Japão é diferente mas não é necessariamente um país que me prenda, mas também acho que este sentimento mudava se eu vivesse aqui os mesmos 9 meses ou se a Cláudia estivesse cá. Estar só é muito difícil e longe de casa também.

De qualquer maneira não custou muito e até já estava a começar a aprender algumas palavras em Japonês. Sim! A aventura está a chegar ao fim... Mas ainda vos vou contar umas desventuras.

Na quinta-feira [5 de Junho de 2003] tive uma prova de fogo e cometi um sacrilégio. Ao almoço fui a uma Izakaya daquelas que nos sentamos no chão. Na verdade todas as Izakayas que tinha ido até agora, descalçamo-nos à entrada, mas existe sempre um buraco debaixo da mesa para pôr as pernas, mas naquela não. E lá estive eu o almoço todo de pernas cruzadas sentado no chão, como se estivesse na posição de Lótus, como no Yoga. No fim da refeição tive que me pôr em pé com muito cuidado porque as pernas estavam dormentes. Foi uma prova de fogo, porque nós ocidentais não estamos habituados a estar naquela posição, há muito que nos entregámos ao conforto da cadeira e do sofá. Mas graças a um ano e meio de prática de Yoga consegui superar mais uma prova cultural japonesa.

O sacrilégio foi jantar num mexicano. Um mexicano que tinha "burittos"!!!! Mas o meus intestinos sonhavam com uns feijões, pois desde que cheguei aqui que não via feijões a sério. Há aqui uma espécie de feijão-fava que sabe a feijão-verde, mas uma bela de uma feijoada é diferente. E os intestinos agradeceram...

Na sexta-feira [6 de Junho de 2003] estive aqui a trabalhar até às 2:30 da manhã. Mas conseguimos (o pessoal aí em Aveiro e eu aqui) pôr isto a funcionar, mesmo a tempo de estes japoneses demorarem quase 19 horas para testar as mudanças que fizemos e darem-me a oportunidade de ir beber um copo até Susukino, às 21:00 de sábado [7 de Junho de 2003], para celebrar... Sozinho!

Mas, antes disso, sábado foi um dia muito especial. Durante o fim-de-semana aqui em Sapporo houve um festival de danças e cantares Yosakoi Soran, que é assim um misto entre uma dança local chamada Soran com os cantares de uma ilha qualquer (Kochi) chamados Yosakoi. Neste festival que decorreu em diversos pontos da cidade, onde actuaram cerca de 380 equipas num total de 30.000 pessoas, cada equipa tem cerca de 10-15 minutos para mostrarem o que valem no Yosakoi Soran.

Para um estrangeiro numa terra estranha, como eu, o que me foi dado a ver, foi mais uma explosão de cor, som e muita alegria, mais do que uma competição. É difícil explicar, porque estas coisas não se explicam, mas tive uma sensação muito parecida como a que tive em São Tomé na passagem de ano. O choque cultural é tão grande e de alguma maneira apanha-nos tão de surpresa, porque nunca esperamos ver estas coisas acontecerem na nossa vida, que de repente a sensação de alegria transforma-se num nó na garganta e uma lágrima no canto do olho. Pode ser que eu estivesse mais sensível depois de uma noite mal dormida, mas na verdade no sábado de manhã, em frente à estação, onde estava um dos palcos, estive para desistir de voltar ao trabalho.

Mas, na verdade, depois de uma hora, todos os grupos parecem semelhantes e o dever chamava. Grande dever! Passei o sábado todo sem fazer nada e apenas solicitaram a minha ajuda bem tarde, quase noite. Eu explico, a minha função aqui é estar de prevenção, ajudar no que souber e no que não souber solicitar a ajuda de Portugal, França ou Inglaterra. Como devem compreender ao sábado, se não souber ninguém me vai ajudar. Mas safei-me... E fui ao centro, a Susukino, beber um copo.

As ruas estavam cheias de pessoas nos trajes do festival, como se tivessem acabado de actuar. Em Odori Park a festa era de arromba, mas não durou muito, pois por aqui as coisas não acabam muito tarde.

Eu vagueei por ali, a ver pessoas e luzes. Fui jantar a um restaurante numa viela, mesmo por detrás de toda a acção, onde já tinha ido na segunda-feira [2 de Junho de 2003] e onde tinha sido bem tratado. O dono falava mais de três palavras de inglês e o menu estava bem ilustrado com fotografias sugestivas, porque de resto só percebia mesmo os preços. Escrevi-lhe o meu nome em Katakana (um dos três alfabetos usados pelos japoneses) e passei a Rui-san. Para me tentar animar mostrou-me uma revista da Vodafone, que era a única coisa europeia que devia ter por ali, mas que estava em Japonês, apesar de ter umas fotos do Beckham. Num monitor de um telefone tinha uma foto que parecia Monsaraz, mas que até podia ser algures no sul de Espanha. Mostrei-lhe como era a minha terra e ficou surpreendido com o facto de as casas serem caiadas e lá lhe expliquei que era do calor. Uma conversa de surdos... Ele falava em japonês e eu respondia em inglês... Com muitos gestos à mistura!

Para comemorar bebi três canecas de cerveja, com as quais fiquei prontinho para partir para o reino de Morpheus. Mas estava de barriga cheia e resolvi dar uma volta. Encontrei mais uns vendedores de anéis, colares e relógios falsificados vindos de Israel. Pelos vistos é moda, pois em Yokohama já tinha conhecido mais dois. Mas voltei ao hotel...

Domingo [8 de Junho de 2003] acordei completamente estremunhado. Não tinha que trabalhar, mas tinha decidido visitar Noboribetsu-Onsen, que no fundo quer dizer, nascente quente de Noboribetsu, que fica a cerca de 2 horas de autocarro daqui de Sapporo. Qualquer coisa como 100 quilómetros a sul de Sapporo. E para ver alguma coisa tinha que apanhar o autocarro das 9:30.

Saber onde apanhar o autocarro e arranjar os horários foi a aventura do dia anterior. Pedi ao Yoshida-san para me escrever Noboribetsu-Onsen em japonês e lá fui eu à central de camionagem pedir indicações. Depois de andar a descer a subir escadas entre plataformas durante 20 minutos, enquanto era mandado de guichet em guichet, lá consegui encontrar uma jovem que percebia duas palavras de inglês e um outro que até falava cinco, e consegui um horário. Assinalaram-me o sítio onde estava escrito Noboribetsu-Onsen e Sapporo. E pronto...

No domingo dirigi-me à respectiva plataforma e apanhei o autocarro para Noboribetsu-Onsen. Simples! E lá fui por Hokkaido a fora, por belas auto-estradas e vilas até Noboribetsu-Onsen.



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