Trabalhar no Japão tem sido uma experiência
inolvidável (como diria o nosso amigo Luxúria Canibal).
Viajar é extraordinário, aprende-se muito, mas trabalhar
num outro país é mesmo diferente. Aquando da minha
passagem pela Califórnia tive a oportunidade de saber como
se trabalha por aquelas bandas, mas fiquei sempre com a sensação
que não exigiam mais de mim porque sabiam que era estagiário
e não me pagavam. Mas aqui a pressão é outra
e é tão bom ver que afinal o nosso trabalho é válido
e serve para alguma coisa.
Mas se eu estivesse a viajar como é que eu
ia saber como se empilham verticalmente 20 pessoas num elevador,
quando para mim ali nunca caberiam mais de uma dúzia? Como é que
ia ter a experiência de comunicar através de um tradutor
automático com o Monguchi-san, para resolver problemas de
trabalho? E acima de tudo como é que eu iria saber que estes
tipos estão tantas horas no trabalho (não necessariamente
a trabalhar) que até há intervalos para esticar as
pernas e braços?
Parece-me que já estou com saudades e ainda
não parti. Porque será que nunca estamos bem? Custou
vir e custa sempre voltar. Mas, desta vez custa muito menos que
da vez na Califórnia. Lá haviam bem mais coisas que
me prendiam e afinal de contas foram 9 meses. O Japão é diferente
mas não é necessariamente um país que me prenda,
mas também acho que este sentimento mudava se eu vivesse
aqui os mesmos 9 meses ou se a Cláudia estivesse cá.
Estar só é muito difícil e longe de casa também.
De qualquer maneira não custou muito e até já estava
a começar a aprender algumas palavras em Japonês.
Sim! A aventura está a chegar ao fim... Mas ainda vos vou
contar umas desventuras.
Na quinta-feira [5 de Junho de 2003] tive uma prova
de fogo e cometi um sacrilégio. Ao almoço fui a uma
Izakaya daquelas que nos sentamos no chão. Na verdade todas
as Izakayas que tinha ido até agora, descalçamo-nos à entrada,
mas existe sempre um buraco debaixo da mesa para pôr as pernas,
mas naquela não. E lá estive eu o almoço todo
de pernas cruzadas sentado no chão, como se estivesse na
posição de Lótus, como no Yoga. No fim da
refeição tive que me pôr em pé com muito
cuidado porque as pernas estavam dormentes. Foi uma prova de fogo,
porque nós ocidentais não estamos habituados a estar
naquela posição, há muito que nos entregámos
ao conforto da cadeira e do sofá. Mas graças a um
ano e meio de prática de Yoga consegui superar mais uma
prova cultural japonesa.
O sacrilégio foi jantar num mexicano. Um
mexicano que tinha "burittos"!!!! Mas o meus intestinos
sonhavam com uns feijões, pois desde que cheguei aqui que
não via feijões a sério. Há aqui uma
espécie de feijão-fava que sabe a feijão-verde,
mas uma bela de uma feijoada é diferente. E os intestinos
agradeceram...
Na sexta-feira [6 de Junho de 2003] estive aqui
a trabalhar até às 2:30 da manhã. Mas conseguimos
(o pessoal aí em Aveiro e eu aqui) pôr isto a funcionar,
mesmo a tempo de estes japoneses demorarem quase 19 horas para
testar as mudanças que fizemos e darem-me a oportunidade
de ir beber um copo até Susukino, às 21:00 de sábado
[7 de Junho de 2003], para celebrar... Sozinho!
Mas, antes disso, sábado foi um dia muito
especial. Durante o fim-de-semana aqui em Sapporo houve um festival
de danças e cantares Yosakoi Soran, que é assim um
misto entre uma dança local chamada Soran com os cantares
de uma ilha qualquer (Kochi) chamados Yosakoi. Neste festival que
decorreu em diversos pontos da cidade, onde actuaram cerca de 380
equipas num total de 30.000 pessoas, cada equipa tem cerca de 10-15
minutos para mostrarem o que valem no Yosakoi Soran.
Para um estrangeiro numa terra estranha, como eu,
o que me foi dado a ver, foi mais uma explosão de cor, som
e muita alegria, mais do que uma competição. É difícil
explicar, porque estas coisas não se explicam, mas tive
uma sensação muito parecida como a que tive em São
Tomé na passagem de ano. O choque cultural é tão
grande e de alguma maneira apanha-nos tão de surpresa, porque
nunca esperamos ver estas coisas acontecerem na nossa vida, que
de repente a sensação de alegria transforma-se num
nó na garganta e uma lágrima no canto do olho. Pode
ser que eu estivesse mais sensível depois de uma noite mal
dormida, mas na verdade no sábado de manhã, em frente à estação,
onde estava um dos palcos, estive para desistir de voltar ao trabalho.
Mas, na verdade, depois de uma hora, todos os grupos
parecem semelhantes e o dever chamava. Grande dever! Passei o sábado
todo sem fazer nada e apenas solicitaram a minha ajuda bem tarde,
quase noite. Eu explico, a minha função aqui é estar
de prevenção, ajudar no que souber e no que não
souber solicitar a ajuda de Portugal, França ou Inglaterra.
Como devem compreender ao sábado, se não souber ninguém
me vai ajudar. Mas safei-me... E fui ao centro, a Susukino, beber
um copo.
As ruas estavam cheias de pessoas nos trajes do
festival, como se tivessem acabado de actuar. Em Odori Park a festa
era de arromba, mas não durou muito, pois por aqui as coisas
não acabam muito tarde.
Eu vagueei por ali, a ver pessoas e luzes. Fui jantar
a um restaurante numa viela, mesmo por detrás de toda a
acção, onde já tinha ido na segunda-feira
[2 de Junho de 2003] e onde tinha sido bem tratado. O dono falava
mais de três palavras de inglês e o menu estava bem
ilustrado com fotografias sugestivas, porque de resto só percebia
mesmo os preços. Escrevi-lhe o meu nome em Katakana (um
dos três alfabetos usados pelos japoneses) e passei a Rui-san.
Para me tentar animar mostrou-me uma revista da Vodafone, que era
a única coisa europeia que devia ter por ali, mas que estava
em Japonês, apesar de ter umas fotos do Beckham. Num monitor
de um telefone tinha uma foto que parecia Monsaraz, mas que até podia
ser algures no sul de Espanha. Mostrei-lhe como era a minha terra
e ficou surpreendido com o facto de as casas serem caiadas e lá lhe
expliquei que era do calor. Uma conversa de surdos... Ele falava
em japonês e eu respondia em inglês... Com muitos gestos à mistura!
Para comemorar bebi três canecas de cerveja,
com as quais fiquei prontinho para partir para o reino de Morpheus.
Mas estava de barriga cheia e resolvi dar uma volta. Encontrei
mais uns vendedores de anéis, colares e relógios
falsificados vindos de Israel. Pelos vistos é moda, pois
em Yokohama já tinha conhecido mais dois. Mas voltei ao
hotel...
Domingo [8 de Junho de 2003] acordei completamente
estremunhado. Não tinha que trabalhar, mas tinha decidido
visitar Noboribetsu-Onsen, que no fundo quer dizer, nascente quente
de Noboribetsu, que fica a cerca de 2 horas de autocarro daqui
de Sapporo. Qualquer coisa como 100 quilómetros a sul de
Sapporo. E para ver alguma coisa tinha que apanhar o autocarro
das 9:30.
Saber onde apanhar o autocarro e arranjar os horários
foi a aventura do dia anterior. Pedi ao Yoshida-san para me escrever
Noboribetsu-Onsen em japonês e lá fui eu à central
de camionagem pedir indicações. Depois de andar a
descer a subir escadas entre plataformas durante 20 minutos, enquanto
era mandado de guichet em guichet, lá consegui encontrar
uma jovem que percebia duas palavras de inglês e um outro
que até falava cinco, e consegui um horário. Assinalaram-me
o sítio onde estava escrito Noboribetsu-Onsen e Sapporo.
E pronto...
No domingo dirigi-me à respectiva plataforma
e apanhei o autocarro para Noboribetsu-Onsen. Simples! E lá fui
por Hokkaido a fora, por belas auto-estradas e vilas até Noboribetsu-Onsen.
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