Todos os dias me lembro que me esqueci de vos falar
de algumas coisas que nós ocidentais, ou não-japoneses,
achamos estranho mas que para estes seres "estranhos" é natural.
Mas, quando aqui estou a escrever volto a esquecer-me.
Além disso muita gente, principalmente quem
nunca saiu da Europa, me pergunta como é que é a
comida japonesa, no Japão. Eu realmente ainda não
falei aqui da comida, pois na parte que contei da minha estadia,
ainda só tinha comido em restaurantes chineses, italo-americanos
e indianos. Acho que é normal para quem está no Japão!
A verdade é que as pessoas com quem ia jantar em Shin-Yokohama
já cá estavam antes de mim há pelo menos duas
semanas e se calhar queriam variar.
Mas hoje decidi fazer as duas coisas. Não
me esquecer e falar-vos da comida. Vamos a ver se consigo!
Pois bem, no outro dia quando vos descrevi a "fábrica" de
Kamoi onde estava, esqueci-me de vos falar das belas salas de fumadores
que existem espalhadas por quase todas as secções. É difícil
descrever o quanto mau aquilo é, os fumadores são
confinados a salas género solitárias como se fossem
criminosos. Não é que eu concorde com o facto de
que os fumadores possam fumar onde quiserem, mas se a lei permite
que eles existam, pelo menos dêem-lhes condições
condignas para se "matarem". Mas, aquilo são
piores que salas de chuto e sem assistência médica.
Eu vou tentar descrever. Imaginem uma sala de 4
metros de largura, 2,5 metros de comprimento e cerca de 2,5 metros
de altura, onde estão duas máquinas de purificação
de ar ou coisa parecida, e onde fumam até uma dúzia
de pessoas ao mesmo tempo. As paredes são amarelas, vêem-se
as marcas dos cartazes que no entretanto desapareceram ou arderam,
os vidros estão coloridos de fumo, as máquinas escorrem
nicotina, o aspirador (para a cinza) parece velho e queimado pelo
sol e os cinzeiros... É me difícil descrever os cinzeiros
sem que me sinta mal. Os cinzeiros... São assim um misto
de pó vulcânico misturado com pasta de cimento, numa
proporção de 100 para 1. Isto porque, embora não
pareça, há água nos cinzeiros, para apagar
os cigarros. Ainda há um balde para onde são despejados
os cinzeiros, mas não tive coragem de o abrir. Mas, se visitarem
o Japão e virem um balde vermelho com uns caracteres a branco,
tapado, não abram... Pode ser a caixa de Pandora e podem
libertar os males todos do mundo.
Eu e o Thomas, na quinta [29 de Maio de 2003] resolvemos
experimentar a sensação de estar numa daquelas salas,
depois de tomar o café, a seguir ao almoço. O Thomas é fumador.
A experiência foi interessante, espero é não
vir a sofrer mais tarde as consequências de ter estado tanto
tempo num antro daqueles.
Mas há locais ao ar livre para fumar dentro
do complexo. Mas quando chove... Tem de se fumar na sala de fumeiro.
Aliás há zonas em Tokyo (pelo menos) que são
livres de fumo, como em frente ao MacDonalds.
Ah! Esquecia-me de vos dizer que afinal no complexo
de Kamoi da NEC trabalham 5744 pessoas, se não se despediu,
foi despedido, morreu ou desapareceu (ali tudo é possível)
ninguém, desde que eu saí de lá.
Mudando de assunto, porque já cheira aqui
a tabaco, embora a sala de fumo aqui seja bem melhor e arejada,
uma vez que é numa varanda no sétimo andar. Vamos
falar de parques de estacionamento verticais.
Eu já os tinha visto mas ontem [2 de Junho
de 2003] é que vi um a funcionar. Depois do trabalho saí e
fui até ao centro de Sapporo e em Susukino, na zona onde
estão os bares e restaurantes da cidade, vi um estacionamento
vertical a funcionar. É do belo, uma coisa que só imaginava
num filme daqueles de ficção científica em
que a humanidade destruiu a natureza toda e vivem aglomerados em
cidades onde o espaço é um bem precioso. Assim tipo Blade
Runner. Assim como Tokyo... Mas isso fica para outra crónica.
De volta ao estacionamento. Imaginem um prédio
com cerca de 10 andares da largura de pouco mais de dois carros
lado-a-lado e uma entrada de garagem. Dentro da entrada da garagem
existe um carrinho tipo os da feira popular, da roda gigante, mas
suficientemente grande para aguentar com um carro. O carro entra
para o "cesto" e a roda gigante anda uma posição
para o próximo carro poder entrar, da mesma maneira que
funciona na feira para as pessoas. E assim sucessivamente, até a "roda" estar
cheia. Quando queremos o nosso carro de volta, a "roda" anda
até à posição do nosso carro e só tirá-lo
de lá. Um sistema engenhoso para quem tem pouco espaço
para estacionar. Na Califórnia é ao contrário,
leva-se o carro para dentro dos bares, nem é preciso estacionar.
Pronto, agora vamos falar de comida, pode ser?
Desde que aqui estou já fui a diversos restaurantes,
para além daqueles que vos falei, mas na maioria das vezes
são restaurantes japoneses tipo franchising e género fast-food,
mas japonesa. Isto porque são os únicos que têm
o menu em inglês e fotografias que podem ser apontadas para
se fazer o pedido. Além destes fui a uma Izakaya em
Kamoi, na sexta [31 de Maio de 2003] em modo de despedida antes
da minha partida para Sapporo. Claro que fui com os Japoneses,
porque o menu está todo em japonês, mesmo os preços,
e acreditem que até os números são diferentes,
assim como o símbolo do Yen.
Izakayas são os tradicionais restaurantes/bares
japoneses onde se tem que se descalçar à entrada,
come-se em salas pequenas, reservadas, com pouca luz e onde se
come comida tradicional japonesa. É essa experiência
que eu vos vou falar como a referência da comida japonesa,
mas posso complementar com outras comidas que já comi em
outros locais, como por exemplo a cantina de Kamoi.
Eu já conhecia o Sushi e Sashimi desde
as minhas experiências na Califórnia. Para quem não
sabe Sushi são rolos de arroz compacto com peixe
cru com Wasabi no meio, enrolados dentro de uma folha
de Nori. Wasabi é uma pasta "especiaria" japonesa
extraída da raiz de uma planta com o mesmo nome e cujo sabor
se assemelha a nada que alguma vez, nós portugueses, usámos
na nossa comida. Wasabi é wasabi e só provando
se sabe o que é. Se quiserem eu tenho em casa em Aveiro,
passem lá que eu faço Sushi. Sushi também
pode ser feito sem Nori, apenas com o peixe cru pousado
sobre pequenos montes de arroz compacto. Nori são
folhas muito finas de algas secas. E, Sashimi são
fatias de peixe cru.
Mas dizia eu que já conhecia o Sushi e Sashimi,
porque aliás até os faço em casa em Portugal,
com os ingredientes que a ex-namorada do Jesse – Melody – me
mandou da Califórnia. Conhecia menos, ou não com
esse nome, o Soba, o Yakitori, o Tempura e
outros. Ah! Esquecia-me da sopa de Miso, que o Victor
dizia que lhe sabia ao que a Avó dele usava para alimentar
as galinhas, lá em Guimarães.
A primeira coisa a falar é o facto de não
ficarem surpreendidos se forem a um restaurante no Japão
e não existirem guardanapos e nem talheres. Ah! E nos fast-foods há sempre
reproduções tridimensionais em plástico dos
pratos, assim como nas máquinas há das bebidas.
Num restaurante, a primeira coisa logo a seguir
aos " Irasshaimase" (Bem Vindo) de todos os
empregados e depois de se sentarem, recebem uma pequena toalha
molhada, aquecida e embrulhada para que possam limpar as mãos.
Recebem também os pauzinhos. Em seguida pedem a bebida e
mais tarde os pratos.
Na Izakaya, começámos por
umas entradas que consistiam em pequenas porções
da cabeça do polvo (não eram tentáculos) embebido
num molho de wasabi e de um molusco que não me conseguiram
traduzir, mas que alguém disse que tinha a casca como o
caracol, mas não sabia a búzio. O Polvo estava melhor,
para quem já está habituado ao wasabi, porque
estava forte, mas o outro nem sabia a nada. Se calhar era por comparação.
Em seguida comemos, Soba, ou noodles japoneses. Noodles é uma
massa género espaguete mas feita de arroz. Estava muito
bom! Parece-se com as massas chinesas, aliás noodles.
Depois veio o Sashimi, que como já disse é apenas
peixe cru, onde se coloca um pouco de wasabi e molha-se
em molho de soja, antes de se meter à boca, obviamente. Sashimi,
pode parecer, pela descrição, algo intragável,
mas para quem não se deixar sugestionar pelo facto de ser
peixe cru, digo-vos que é do melhor.
Ainda comemos uns rolos de massa de arroz com carne
de porco dentro, que não sei o nome, mas que foi cozido
ali na mesa e que é normalmente servido como entrada. Estava
uma maravilha... Se eu vir a fotografia eu sei qual é!
Yakitori que são pequenas espetadas
grelhadas de diferentes tipos, camarão, porco, mas essencialmente
de galinha (ontem [2 de Junho de 2003] comi uma deliciosa em Susukino).
Ah! E a Miso Soup, claro! A tal que sabe a farelo, segundo
o Victor, mas que sabe tão bem.
Para finalizar o belo do sakê para
ajudar a aliviar a digestão, porque eram quase 5h da manhã quando
saímos do restaurante, quando ele fechou. Sim! Os restaurantes
aqui estão abertos até altas horas, porque as pessoas
devem sair do trabalho a altas horas também, pela a amostra
que eu estou a ter.
Mas voltando ao Sakê. Bem! O nosso
estômago e intestinos não estão habituados
a estas bebidas de arroz com perfume de rosas. E pior é quando
de cada vez que eu bebia um golito do copo, o Arata-san carregava
mais Sakê no meu minúsculo copo. No início
bebia o copo todo, mas quando vi que a coisa estava a começar
a descambar, comecei a sorvar pequenos golos. Posso vos dizer que
no dia seguinte tinha os intestinos feitos num nó.
Só me falta falar aqui em duas referências
da comida japonesa que me lembro agora. O Tempura e o Nankotsu.
Tempura vem do português "tempero" e
consiste em peixe, carne ou marisco frito. Muito frito. Foi o meu
almoço hoje [3 de Junho de 2003]. E o Nankotsu que
os franceses e o Victor não foram capazes de comer e que
eu até de sobremesa já pedi para os impressionar,
consiste em cartilagens de galinha fritas. Aquelas partes da junção
entre a perna e a coxa da galinha. Sim! Eles comem isso frito!
E é bom... Nós não comemos tripas enfarinhadas?
Bem! Tenho que voltar, porque esta conversa de comida
já me abriu o apetite. Só espero que não me
tenha esquecido de nada e que não tenha trocado os nomes
das comidas, ou vocês quando cá vierem vão
ficar ainda mais surpresos.
Ah! À saída os empregados todos gritam "Arigato
Gozaimasu" (Muito Obrigado)!
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