D10 TERÇA-FEIRA, 3 DE JUNHO DE 2003
Estacionamento Vertical - Fotografia de Rui Gonçalves

Todos os dias me lembro que me esqueci de vos falar de algumas coisas que nós ocidentais, ou não-japoneses, achamos estranho mas que para estes seres "estranhos" é natural. Mas, quando aqui estou a escrever volto a esquecer-me.

Além disso muita gente, principalmente quem nunca saiu da Europa, me pergunta como é que é a comida japonesa, no Japão. Eu realmente ainda não falei aqui da comida, pois na parte que contei da minha estadia, ainda só tinha comido em restaurantes chineses, italo-americanos e indianos. Acho que é normal para quem está no Japão! A verdade é que as pessoas com quem ia jantar em Shin-Yokohama já cá estavam antes de mim há pelo menos duas semanas e se calhar queriam variar.

Mas hoje decidi fazer as duas coisas. Não me esquecer e falar-vos da comida. Vamos a ver se consigo!

Pois bem, no outro dia quando vos descrevi a "fábrica" de Kamoi onde estava, esqueci-me de vos falar das belas salas de fumadores que existem espalhadas por quase todas as secções. É difícil descrever o quanto mau aquilo é, os fumadores são confinados a salas género solitárias como se fossem criminosos. Não é que eu concorde com o facto de que os fumadores possam fumar onde quiserem, mas se a lei permite que eles existam, pelo menos dêem-lhes condições condignas para se "matarem". Mas, aquilo são piores que salas de chuto e sem assistência médica.

Eu vou tentar descrever. Imaginem uma sala de 4 metros de largura, 2,5 metros de comprimento e cerca de 2,5 metros de altura, onde estão duas máquinas de purificação de ar ou coisa parecida, e onde fumam até uma dúzia de pessoas ao mesmo tempo. As paredes são amarelas, vêem-se as marcas dos cartazes que no entretanto desapareceram ou arderam, os vidros estão coloridos de fumo, as máquinas escorrem nicotina, o aspirador (para a cinza) parece velho e queimado pelo sol e os cinzeiros... É me difícil descrever os cinzeiros sem que me sinta mal. Os cinzeiros... São assim um misto de pó vulcânico misturado com pasta de cimento, numa proporção de 100 para 1. Isto porque, embora não pareça, há água nos cinzeiros, para apagar os cigarros. Ainda há um balde para onde são despejados os cinzeiros, mas não tive coragem de o abrir. Mas, se visitarem o Japão e virem um balde vermelho com uns caracteres a branco, tapado, não abram... Pode ser a caixa de Pandora e podem libertar os males todos do mundo.

Eu e o Thomas, na quinta [29 de Maio de 2003] resolvemos experimentar a sensação de estar numa daquelas salas, depois de tomar o café, a seguir ao almoço. O Thomas é fumador. A experiência foi interessante, espero é não vir a sofrer mais tarde as consequências de ter estado tanto tempo num antro daqueles.

Mas há locais ao ar livre para fumar dentro do complexo. Mas quando chove... Tem de se fumar na sala de fumeiro. Aliás há zonas em Tokyo (pelo menos) que são livres de fumo, como em frente ao MacDonalds.

Ah! Esquecia-me de vos dizer que afinal no complexo de Kamoi da NEC trabalham 5744 pessoas, se não se despediu, foi despedido, morreu ou desapareceu (ali tudo é possível) ninguém, desde que eu saí de lá.

Mudando de assunto, porque já cheira aqui a tabaco, embora a sala de fumo aqui seja bem melhor e arejada, uma vez que é numa varanda no sétimo andar. Vamos falar de parques de estacionamento verticais.

Eu já os tinha visto mas ontem [2 de Junho de 2003] é que vi um a funcionar. Depois do trabalho saí e fui até ao centro de Sapporo e em Susukino, na zona onde estão os bares e restaurantes da cidade, vi um estacionamento vertical a funcionar. É do belo, uma coisa que só imaginava num filme daqueles de ficção científica em que a humanidade destruiu a natureza toda e vivem aglomerados em cidades onde o espaço é um bem precioso. Assim tipo Blade Runner. Assim como Tokyo... Mas isso fica para outra crónica.

De volta ao estacionamento. Imaginem um prédio com cerca de 10 andares da largura de pouco mais de dois carros lado-a-lado e uma entrada de garagem. Dentro da entrada da garagem existe um carrinho tipo os da feira popular, da roda gigante, mas suficientemente grande para aguentar com um carro. O carro entra para o "cesto" e a roda gigante anda uma posição para o próximo carro poder entrar, da mesma maneira que funciona na feira para as pessoas. E assim sucessivamente, até a "roda" estar cheia. Quando queremos o nosso carro de volta, a "roda" anda até à posição do nosso carro e só tirá-lo de lá. Um sistema engenhoso para quem tem pouco espaço para estacionar. Na Califórnia é ao contrário, leva-se o carro para dentro dos bares, nem é preciso estacionar.

Pronto, agora vamos falar de comida, pode ser?

Desde que aqui estou já fui a diversos restaurantes, para além daqueles que vos falei, mas na maioria das vezes são restaurantes japoneses tipo franchising e género fast-food, mas japonesa. Isto porque são os únicos que têm o menu em inglês e fotografias que podem ser apontadas para se fazer o pedido. Além destes fui a uma Izakaya em Kamoi, na sexta [31 de Maio de 2003] em modo de despedida antes da minha partida para Sapporo. Claro que fui com os Japoneses, porque o menu está todo em japonês, mesmo os preços, e acreditem que até os números são diferentes, assim como o símbolo do Yen.

Izakayas são os tradicionais restaurantes/bares japoneses onde se tem que se descalçar à entrada, come-se em salas pequenas, reservadas, com pouca luz e onde se come comida tradicional japonesa. É essa experiência que eu vos vou falar como a referência da comida japonesa, mas posso complementar com outras comidas que já comi em outros locais, como por exemplo a cantina de Kamoi.

Eu já conhecia o Sushi e Sashimi desde as minhas experiências na Califórnia. Para quem não sabe Sushi são rolos de arroz compacto com peixe cru com Wasabi no meio, enrolados dentro de uma folha de Nori. Wasabi é uma pasta "especiaria" japonesa extraída da raiz de uma planta com o mesmo nome e cujo sabor se assemelha a nada que alguma vez, nós portugueses, usámos na nossa comida. Wasabi é wasabi e só provando se sabe o que é. Se quiserem eu tenho em casa em Aveiro, passem lá que eu faço Sushi. Sushi também pode ser feito sem Nori, apenas com o peixe cru pousado sobre pequenos montes de arroz compacto. Nori são folhas muito finas de algas secas. E, Sashimi são fatias de peixe cru.

Mas dizia eu que já conhecia o Sushi e Sashimi, porque aliás até os faço em casa em Portugal, com os ingredientes que a ex-namorada do Jesse – Melody – me mandou da Califórnia. Conhecia menos, ou não com esse nome, o Soba, o Yakitori, o Tempura e outros. Ah! Esquecia-me da sopa de Miso, que o Victor dizia que lhe sabia ao que a Avó dele usava para alimentar as galinhas, lá em Guimarães.

A primeira coisa a falar é o facto de não ficarem surpreendidos se forem a um restaurante no Japão e não existirem guardanapos e nem talheres. Ah! E nos fast-foods há sempre reproduções tridimensionais em plástico dos pratos, assim como nas máquinas há das bebidas.

Num restaurante, a primeira coisa logo a seguir aos " Irasshaimase" (Bem Vindo) de todos os empregados e depois de se sentarem, recebem uma pequena toalha molhada, aquecida e embrulhada para que possam limpar as mãos. Recebem também os pauzinhos. Em seguida pedem a bebida e mais tarde os pratos.

Na Izakaya, começámos por umas entradas que consistiam em pequenas porções da cabeça do polvo (não eram tentáculos) embebido num molho de wasabi e de um molusco que não me conseguiram traduzir, mas que alguém disse que tinha a casca como o caracol, mas não sabia a búzio. O Polvo estava melhor, para quem já está habituado ao wasabi, porque estava forte, mas o outro nem sabia a nada. Se calhar era por comparação.

Em seguida comemos, Soba, ou noodles japoneses. Noodles é uma massa género espaguete mas feita de arroz. Estava muito bom! Parece-se com as massas chinesas, aliás noodles. Depois veio o Sashimi, que como já disse é apenas peixe cru, onde se coloca um pouco de wasabi e molha-se em molho de soja, antes de se meter à boca, obviamente. Sashimi, pode parecer, pela descrição, algo intragável, mas para quem não se deixar sugestionar pelo facto de ser peixe cru, digo-vos que é do melhor.

Ainda comemos uns rolos de massa de arroz com carne de porco dentro, que não sei o nome, mas que foi cozido ali na mesa e que é normalmente servido como entrada. Estava uma maravilha... Se eu vir a fotografia eu sei qual é!

Yakitori que são pequenas espetadas grelhadas de diferentes tipos, camarão, porco, mas essencialmente de galinha (ontem [2 de Junho de 2003] comi uma deliciosa em Susukino). Ah! E a Miso Soup, claro! A tal que sabe a farelo, segundo o Victor, mas que sabe tão bem.

Para finalizar o belo do sakê para ajudar a aliviar a digestão, porque eram quase 5h da manhã quando saímos do restaurante, quando ele fechou. Sim! Os restaurantes aqui estão abertos até altas horas, porque as pessoas devem sair do trabalho a altas horas também, pela a amostra que eu estou a ter.

Mas voltando ao Sakê. Bem! O nosso estômago e intestinos não estão habituados a estas bebidas de arroz com perfume de rosas. E pior é quando de cada vez que eu bebia um golito do copo, o Arata-san carregava mais Sakê no meu minúsculo copo. No início bebia o copo todo, mas quando vi que a coisa estava a começar a descambar, comecei a sorvar pequenos golos. Posso vos dizer que no dia seguinte tinha os intestinos feitos num nó.

Só me falta falar aqui em duas referências da comida japonesa que me lembro agora. O Tempura e o Nankotsu.

Tempura vem do português "tempero" e consiste em peixe, carne ou marisco frito. Muito frito. Foi o meu almoço hoje [3 de Junho de 2003]. E o Nankotsu que os franceses e o Victor não foram capazes de comer e que eu até de sobremesa já pedi para os impressionar, consiste em cartilagens de galinha fritas. Aquelas partes da junção entre a perna e a coxa da galinha. Sim! Eles comem isso frito! E é bom... Nós não comemos tripas enfarinhadas?

Bem! Tenho que voltar, porque esta conversa de comida já me abriu o apetite. Só espero que não me tenha esquecido de nada e que não tenha trocado os nomes das comidas, ou vocês quando cá vierem vão ficar ainda mais surpresos.

Ah! À saída os empregados todos gritam "Arigato Gozaimasu" (Muito Obrigado)!



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