SEGUNDA-FEIRA, 2 DE JUNHO DE 2003 D9
Entrada de um Templo em Kamakura - Fotografia de Rui Gonçalves

Depois da última crónica que vos escrevi já muita coisa se passou por este lado do mundo. Depois da maravilhosa experiência do terramoto, fui informado na sexta [30 de Maio de 2003] que o Japão estava prestes a ser fustigado por um tufão (Linfa), o mesmo que tinha passado pelas Filipinas há uns dias e que tinha morto pelo menos 18 pessoas. Lindo! A seguir deve ser a queda de um meteorito.

Mas como se não chegasse ainda fui questionado se me importava de ser deslocado para Sapporo (vão lá ver o mapa que vos mandei). Que é que uma pessoa pode responder a um pedido destes? "Não! Estou com gazes e não posso viajar de avião!". Além disso, não sei se vos disse, mas a minha estadia foi estendida por mais 5 dias, porque o voluntário (francês) que me vem substituir, tem a sua vida e, só vem no dia 9, pelo que eu tenho que abdicar da minha vida por uns dias por causa disso. Uns são filhos e outros enteados, mas como diz o David (o meu chefe inglês) eu é que me "voluntariei".

Pois bem, aqui vos escrevo de Sapporo, uma cidade mais simpática que Yokohama, mas bem mais fria. Lá fora está um ventinho que parece que ainda estou em Fevereiro ou Março. Ontem quando cheguei estava a chover e fazia frio, mas isso eu conto mais tarde. Sapporo fica sensivelmente à mesma latitude de La Coruña, mas deve ter uns ventos de norte mais frios. Ah! Yokohama fica sensivelmente à mesma latitude de Ceuta (vi ontem no avião).

Mas voltando à minha vida no Japão, acho que vos tinha deixado no domingo [25 de Maio de 2003] passado, algures na minha visita à loja de electrónica (que foi visita habitual em Yokohama tal foram as solicitações de Portugal) e ao supermercado.

Pois bem, depois de almoçar, eu, o Victor, o Amine e o Thomas, decidimos ir até Kamakura, depois de uma breve consulta ao preço do comboio para ir ver o Monte Fuji (vi-o ontem à saída de Tóquio). Digamos que a ida ficava em cerca de 37,5 euros e desistimos. Além de que o monte ainda está com muita neve e os níveis superiores estão ainda fechados.

Kamakura (http://www.asahi-net.or.jp/~QM9T-KNDU/) foi em tempos (1192 – 1333) a capital do Japão (assim como Kyoto o foi antes de Tóquio) e é hoje em dia uma cidade turística repleta de templos budistas e shintoístas (a religião mais antiga do Japão).

Chegámos a Kamakura tarde. Muito tarde, pois a maioria dos templos fecham às 17:00 que foi mais ou menos a hora que chegámos, graças à lesmice dos nossos amigos franceses. Além disso, a viagem ainda demora cerca de uma hora. Também não dava para ver os templos todos, pois em cada um paga-se entre 200 a 400 yens, e como são mais de meia centena, ainda ficávamos arruinados.

Arruinados ficámos foi das pernas, mas apesar da hora tardia, ainda deu para termos uma ideia da coisa. Seguimos um daqueles caminhos japoneses dos filmes, em terra batida, coberto por copas de cerejeiras baixas e repletos de pedras com inscrições até ao santuário de Tsurugaoka Hachimangu, um templo shintoístas. À entrada um lago com lótus, como se vêem nos jardins japoneses, e um pequeno altar rodeado de bandeiras numa pequena península. As bandeiras julgo que são um sinal de oração ou pedido dos peregrinos, assim como junto ao altar existem placas de madeira com caracteres japoneses, que suponho significam a mesma coisa. Existe também um local onde as pessoas amarram papéis, julgo que pedindo sorte para a sua vida (foi o que li).

Seguindo o caminho principal chegámos a uma praça com um edifício em madeira, tipicamente japonês, no centro, onde supostamente é realizada uma dança sagrada. À esquerda uma fonte de água coberta, onde de um bamboo brota água e onde existem umas pequenas panelas usadas como colheres para recolher a água e beber. A água é um bem muito precioso no Japão, mas também não admira, com a poluição que eles têm.

Umas escadas levaram-nos ao templo principal, mas àquela hora estavam já fechadas, assim como todos os outros pequenos templos que compõem o santuário de Tsurugaoka Hachimangu.

Estava já a escurecer e resolvemos andar na direcção do templo seguinte. Bem, não me perguntem os nomes, mas todos os templos que passámos estavam fechados. Alguns deles são de uma dimensão que eu não imaginava, embora sem serem de uma extraordinária beleza, mas transmitem uma paz como todos os templos. Andámos alguns 6 ou 7 quilómetros para tentarmos ver o Grande Buda, mas mesmo esse estava fechado, para grande decepção do Amine que veio a praguejar o tempo todo contra o Buda.

O Grande Buda é uma estátua com cerca de 12 metros, mas quando chegámos ao templo tudo o que vimos foi uma placa a dizer que a área estava sob a detecção de um sistema de alarme e se houvesse alguma tentativa de passar o portão, que seriamos processados. Lindo! É assim que querem divulgar as riquezas da terra?

Bem, mas estes 6 ou 7 quilómetros foram já feitos de noite, porque no entretanto parámos numa loja de recordações e o Amine dando uso ao seu sangue árabe do norte de África, resolveu pedir um desconto ao vendedor. Devem imaginar um japonês que não fala uma palavra de inglês e um francês com o seu belo sotaque, a tentarem enganar-se um ao outro. Mas tudo acabou com um redondo "No discount!".

Mas a melhor parte da caminhada, antes do Buda, foi quando decidimos meter-nos por um caminho pedestre, sem nenhum mapa nem luz e que supostamente nos levava perto do templo de Kotoku-in, onde estava o Grande Buda. Lindo! O caminho às escuras e cheio de raízes de árvores, a subir e descer, junto a declives de cortar a respiração (víamos as luzes umas dezenas de metros abaixo) tornou-se o martírio para o Amine que escorregava em todos os cantos e só dizia mal de quem queria ver o Buda. Mas lá encontrámos a bela da máquina de bebidas no fim do caminho, junto a mais um templo. Ah! Nós não tínhamos sequer um mapa…

Para mim o melhor de tudo, mesmo, foi um pequeno templo ou santuário, cujo o acesso era feito através de um túnel cavado na rocha e depois através de uma estrutura de madeira. Quando saímos do túnel formado por esta construção, deparámos com aquilo que nos pareceu uma pequena aldeia, ou conjunto de casas, e um altar, que era a única coisa iluminada, àquela hora da noite (19:30). Ao fundo estava uma gruta que suponho fosse o lugar sagrado, sem luz era difícil de ver e receámos tomar alguma atitude que pudesse ser ofensiva para os locais, se entrássemos na gruta. Havia um grande pote onde ardia incenso.

Acabei de encontrar o nome naquele site que vos mandei. Era o santuário de Zeniarai Benten. Afinal a gruta é uma nascente de água sagrada.

Na verdade o sítio transmitia uma paz imensa e o cheiro a incenso deixava-me mais relaxado, depois de uma caminhada de dois quilómetros num caminho semeado de perigos na escuridão completa. Desejava lá voltar, aliás combinámos fazê-lo, mas com a minha recolocação aqui em Sapporo vai ser difícil.

Depois de não termos visto o Grande Buda, voltámos à estação, onde encontrámos um restaurante Indiano e jantámos. Não queria acreditar que estava há dois dias no Japão e só tinha comido chinês e indiano... Ah! E Italiano. Ao almoço de sábado, fomos a um restaurante Italiano onde comemos o tradicional prato local, o Hambúrguer. Lindo!

Ainda encontrámos o YMCA de Kamakura e voltámos a Shin-Yokohama, onde nos esperava uma bela de uma soneca.

 

Mapa do Japão


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