Desculpem-me aqueles que se preocuparam com a história
do terramoto mas não tive muito tempo para escrever, como
já tinha previsto na última Crónica. Mas está tudo
bem, aliás não se passou nada, pelo menos pela reacção
destes tipos. Tudo não passou de um abanão e de uma
bela gargalhada.
Portanto, o terramoto foi na segunda-feira [26
de Maio de 2003] por volta das 17:30 daqui. Eu estava a tentar
ajudar
o Victor, a executar uma sequência de eventos num simulador,
para ver como se comporta o futuro telemóvel numa ligação
de dados. Eu estava de pé e comecei a sentir algo parecido
com uma tontura. A primeira reacção foi "Eh
pá! A diferença horária está finalmente
a fazer efeito", mas o Anata-san ao meu lado começou
a rir-se a dizer "Earthquake! Earthquake!". Os japoneses
olharam uns para os outros, riram-se, comentaram e continuaram
a fazer o que estavam a fazer, enquanto tudo à volta
abanava. O Victor ficou um bocado assustado, mesmo sentado,
e só me
perguntou "Estes gajos não fogem?".
Para que percebam melhor a coisa há que explicar
que estou numa sala que fica no rés-do-chão, onde
portanto se sentira menos o tremor de terra, porque se estivéssemos
no hotel no 11º ou 19º andar, onde são os nossos
quartos tínhamos de certeza morrido de um ataque cardíaco. É que
aqui os prédios são, como na Califórnia, feitos
em madeira sobre uma estrutura interna em vigas de metal, o que
lhes permite vibrar sem grandes problemas. Mas se no rés-do-chão
sentimos o que sentimos...
O mais extraordinário foi a duração
do terramoto. É verdade que a dimensão dele foi algo
de maior que o normal, mas como o epicentro foi a cerca de 300
kms daqui (30 kms abaixo do nível do mar, algures perto
de Sendai, a norte de Tóquio), não foi nada do outro
mundo, mesmo tendo uma magnitude de 7.0. O impressionante foi o
facto de estar tudo a abanar cerca de quase meio minuto e depois
ainda ter réplicas durante cerca de 5 minutos.
É uma sensação estranha. Não
sei se já alguma vez marearam em terra, mas a sensação é semelhante.
Como sentir a ondulação do mar depois de sair de
um barco... Só que aqui era a ondulação da
terra!
Para estes tipos foi um terramoto mais longo e forte,
mas foi uma coisa normal. Assim como é normal trabalharem
até tarde, andarem com os joelhos colados e arrastar os
pés, abanarem-se com leques, andarem de chinelos no local
de trabalho, beberem chás, terem máquinas de bebidas
em todas as esquinas, conduzirem do lado esquerdo da estrada, estarem
constantemente a mexer nos telemóveis, terem todo o tipo
de decorações no telemóvel e verem miúdas
da escola em uniforme.
É uma beleza este país! Estou aqui
há quase 4 dias e pouco mais vi que Yokohama, Shin Yokohama
e Kamoi, as terras onde janto, durmo e trabalho. Bem! Não é verdade,
mas já lá vamos.
No sábado [24 de Maio de 2003], para começar
em beleza fiquei a trabalhar até às 11h da noite.
No primeiro de trabalho e depois de uma viagem de um dia, já fiz
horas extraordinárias e ainda por cima num sábado.
Lindo! Nada mau para começar... Espero que isto me passe
quando voltar, porque senão a Cláudia mata-me!
Quando saímos daqui fomos até Yokohama.
Eu, o Victor, o Dean, o Thomas, o Amine e o Barin. Vou-vos apresentar:
- O Victor, trabalha comigo na NEC em Aveiro. É um puto
fixe de Guimarães que diz "Curenta" e "faz
lógica", mas acima de tudo é um bom amigo com
quem já passei excelentes momentos. Esteve cá duas
semanas e meia e volta hoje para Portugal (eu venho substituí-lo).
- O Dean, é um verdadeiro inglês daqueles que bebe
cerveja como se esta fosse a única bebida no mundo inteiro
e como se a vida dele dependesse disso. Veio para cá e devido
a uma má troca de informações estava aqui
sem nada para fazer. Voltou para a NEC em Reading (UK) no domingo.
Ontem disseram-nos que vinham uns tipos de Sapporo (uma cidade
a cerca de 1000 kms daqui na ilha mais a norte do Japão)
para o ver... Ah! Esqueci-me de dizer que é vegetariano!
- O Thomas é francês, apesar de se chamar Delsol.
Está aqui para fazer o mesmo que eu e o Victor, mas do lado
protocolar do telemóvel (não queiram perceber). Trabalha
na NEC na La Défense em Paris e vai estar aqui até ao
dia 4. É um curtido e às vezes bastante hilariante.
- O Amine é também francês, mas de origem Argelina.
Acho que é muçulmano porque não come porco.
Está sempre a rir-se e a inventar filmes cómicos
connosco como personagens. Está cá com o Thomas e
vice-versa.
- O Barin é americano e trabalha aqui na NEC no Japão.
Sim! Fala e escreve japonês como se fosse normal. É do
estado de New Jersey na costa leste e não curte mesmo nada
o Bush e o American Way of Life, mas no fundo é tão
americano como a maioria. Tem dificuldade em relacionar-se com
as pessoas, mas é muito simpático. Não me
perguntem o que faz aqui.
Onde estava? Ah! Fomos até Yokohama até à Chinatown,
a maior do Japão. Não sei se foi a melhor opção,
uma vez que a pneumonia atípica é já um produto
nacional chinês (apesar de não haverem casos no Japão),
porque à hora que chegámos pouco ou nada estava aberto
e porque é que eu havia de vir ao Japão e comer comida
chinesa?
Realmente a Chinatown de Yokohama é grande.
Bem maior que a de S. Francisco (a segunda dos EUA) e sem termo
de comparação com a de Londres. O azar é que
já estava quase tudo fechado e não havia nem luz,
nem movimento e nem emoção nas ruas. Tirando lá numa
esquina junto a uma das magníficas portas da cidade, onde
havia obras na via e quando há obras na via aqui nesta terra
há sempre muita luz. Movimento há pouco e emoção é coisa
que falta em todo o lado. Mas onde há obras há sempre
triângulos iluminados, luzes amarelas rotativas, reflectores
no pavimento assim como luzes, filas de luzes vermelhas e acima
de tudo um ou dois homens com um espécie de cassetete de
luz vermelha para indicar os perigos a quem passa. É impressionante
os empregos e trabalhos que existem neste país. Também
com tanta gente pode-se sempre por alguém toda a noite com
um pau de luz vermelho no meio de uma rua a indicar que naquele
sítio extremamente iluminado e assinalado existe uma obra.
Lindo!
Vagueámo-nos pelas ruas de Yokohama à procura
de um sítio para beber um copo até que encontrámos
a zona mais iluminada da cidade e pelos vistos aquela onde a animação
acaba sempre em sexo. As meninas em todas as esquinas oferecem
os seus serviços de massagem e existem bares com uma aparência
algo sinistra onde aparentemente se pode conversar com uma companhia
alugada. Sim! Existem dessas coisas a que se chamam bares de conversa
e onde se paga a uma senhora para se ter uma conversa. Suponho
que a conversa pode ir até onde o dinheiro pagar, pelo o
aspecto da coisa.
Não gostei mesmo nada de Yokohama àquela
hora da manhã. As ruas são muito cinzentas e o aspecto
das pessoas que andavam por ali não era o mais saudável.
Mas, ainda bebemos uma cerveja num bar, bem giro por sinal, onde
fomos roubados. Pagámos 1000 yens (7,5 euros) por uma bebida.
No entretanto o Dean já tinha voltado
ao hotel, porque o resto do pessoal não se decidia.
Nós
saímos do bar à s 4h da manhã, já o
sol estava a nascer e já havia comboios para Shin Yokohama. É estranho
mas o sol aqui nasce às 4h da manhã. E acho que
deve ser por isso que se chama o país do sol nascente,
porque toda a gente vê o sol nascer às 4h da manhã,
mas ninguém o vê a pôr-se porque a essa
hora estão
fechados dentro de uma sala a trabalhar.
No domingo [25 de Maio de 2003] como não
trabalhávamos, resolvemos ir passear. Eu e o Victor acordámos
cedo, mas o Thomas e o Amine nem por isso. O Dean já tinha
voltado para Inglaterra e o Barin queria gastar muito dinheiro
e então não combinou nada connosco.
Fui ao Supermercado de electrodomésticos... É inimaginável
a dimensão de uma coisa daquelas. Não pela área,
mas pela quantidade de coisas que se podem pôr no mesmo local
e pela quantidade de computadores e máquinas fotográficas
diferentes que existem. Máquinas fotográficas digitais
devem existir cerca de uma centena e meia de modelos, o que torna
a escolha muito difícil. Mas o que mais me impressionou
foi os preços das memórias e das pilhas recarregáveis
que em Portugal são sempre onde se tenta ganhar mais dinheiro,
mas aqui são quase ao preço da chuva. E olhem que
aqui chove muito.
Fui ao Supermercado, pois (como já disse
aqui algures) acho que é onde se aprende mais sobre os hábitos
das pessoas. Extraordinário. É-me muito difícil
descrever, mas em algumas coisas fez-me lembrar os mercados dos
grandes armazéns de Paris, com áreas separadas para
comidas. Mas é mesmo muito difícil saber o que se
está a comprar, porque ou se sabe japonês ou não
se percebe nada. E, além disso, as fotografias nem sempre
são demonstrativas do produto, como devem imaginar.
Assim, como a maioria das fotografias que tenho
tirado. Fotografias à noite ou com o tempo que tem estado,
não ficam nenhuma maravilha. Mas hoje o céu já está mais
azul... Pequena que à hora que eu sair só irá haver
estrelas...
Vou-vos deixar por agora, mas esperem pela próxima
Crónica, pois está cheia de aventuras no País
do Sol Nascente.
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