QUARTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2003 D7
Chinatown de Yokohama - Fotografia de Rui Gonçalves

Desculpem-me aqueles que se preocuparam com a história do terramoto mas não tive muito tempo para escrever, como já tinha previsto na última Crónica. Mas está tudo bem, aliás não se passou nada, pelo menos pela reacção destes tipos. Tudo não passou de um abanão e de uma bela gargalhada.

Portanto, o terramoto foi na segunda-feira [26 de Maio de 2003] por volta das 17:30 daqui. Eu estava a tentar ajudar o Victor, a executar uma sequência de eventos num simulador, para ver como se comporta o futuro telemóvel numa ligação de dados. Eu estava de pé e comecei a sentir algo parecido com uma tontura. A primeira reacção foi "Eh pá! A diferença horária está finalmente a fazer efeito", mas o Anata-san ao meu lado começou a rir-se a dizer "Earthquake! Earthquake!". Os japoneses olharam uns para os outros, riram-se, comentaram e continuaram a fazer o que estavam a fazer, enquanto tudo à volta abanava. O Victor ficou um bocado assustado, mesmo sentado, e só me perguntou "Estes gajos não fogem?".

Para que percebam melhor a coisa há que explicar que estou numa sala que fica no rés-do-chão, onde portanto se sentira menos o tremor de terra, porque se estivéssemos no hotel no 11º ou 19º andar, onde são os nossos quartos tínhamos de certeza morrido de um ataque cardíaco. É que aqui os prédios são, como na Califórnia, feitos em madeira sobre uma estrutura interna em vigas de metal, o que lhes permite vibrar sem grandes problemas. Mas se no rés-do-chão sentimos o que sentimos...

O mais extraordinário foi a duração do terramoto. É verdade que a dimensão dele foi algo de maior que o normal, mas como o epicentro foi a cerca de 300 kms daqui (30 kms abaixo do nível do mar, algures perto de Sendai, a norte de Tóquio), não foi nada do outro mundo, mesmo tendo uma magnitude de 7.0. O impressionante foi o facto de estar tudo a abanar cerca de quase meio minuto e depois ainda ter réplicas durante cerca de 5 minutos.

É uma sensação estranha. Não sei se já alguma vez marearam em terra, mas a sensação é semelhante. Como sentir a ondulação do mar depois de sair de um barco... Só que aqui era a ondulação da terra!

Para estes tipos foi um terramoto mais longo e forte, mas foi uma coisa normal. Assim como é normal trabalharem até tarde, andarem com os joelhos colados e arrastar os pés, abanarem-se com leques, andarem de chinelos no local de trabalho, beberem chás, terem máquinas de bebidas em todas as esquinas, conduzirem do lado esquerdo da estrada, estarem constantemente a mexer nos telemóveis, terem todo o tipo de decorações no telemóvel e verem miúdas da escola em uniforme.

É uma beleza este país! Estou aqui há quase 4 dias e pouco mais vi que Yokohama, Shin Yokohama e Kamoi, as terras onde janto, durmo e trabalho. Bem! Não é verdade, mas já lá vamos.

No sábado [24 de Maio de 2003], para começar em beleza fiquei a trabalhar até às 11h da noite. No primeiro de trabalho e depois de uma viagem de um dia, já fiz horas extraordinárias e ainda por cima num sábado. Lindo! Nada mau para começar... Espero que isto me passe quando voltar, porque senão a Cláudia mata-me!

Quando saímos daqui fomos até Yokohama. Eu, o Victor, o Dean, o Thomas, o Amine e o Barin. Vou-vos apresentar:
- O Victor, trabalha comigo na NEC em Aveiro. É um puto fixe de Guimarães que diz "Curenta" e "faz lógica", mas acima de tudo é um bom amigo com quem já passei excelentes momentos. Esteve cá duas semanas e meia e volta hoje para Portugal (eu venho substituí-lo).
- O Dean, é um verdadeiro inglês daqueles que bebe cerveja como se esta fosse a única bebida no mundo inteiro e como se a vida dele dependesse disso. Veio para cá e devido a uma má troca de informações estava aqui sem nada para fazer. Voltou para a NEC em Reading (UK) no domingo. Ontem disseram-nos que vinham uns tipos de Sapporo (uma cidade a cerca de 1000 kms daqui na ilha mais a norte do Japão) para o ver... Ah! Esqueci-me de dizer que é vegetariano!
- O Thomas é francês, apesar de se chamar Delsol. Está aqui para fazer o mesmo que eu e o Victor, mas do lado protocolar do telemóvel (não queiram perceber). Trabalha na NEC na La Défense em Paris e vai estar aqui até ao dia 4. É um curtido e às vezes bastante hilariante.
- O Amine é também francês, mas de origem Argelina. Acho que é muçulmano porque não come porco. Está sempre a rir-se e a inventar filmes cómicos connosco como personagens. Está cá com o Thomas e vice-versa.
- O Barin é americano e trabalha aqui na NEC no Japão. Sim! Fala e escreve japonês como se fosse normal. É do estado de New Jersey na costa leste e não curte mesmo nada o Bush e o American Way of Life, mas no fundo é tão americano como a maioria. Tem dificuldade em relacionar-se com as pessoas, mas é muito simpático. Não me perguntem o que faz aqui.

Onde estava? Ah! Fomos até Yokohama até à Chinatown, a maior do Japão. Não sei se foi a melhor opção, uma vez que a pneumonia atípica é já um produto nacional chinês (apesar de não haverem casos no Japão), porque à hora que chegámos pouco ou nada estava aberto e porque é que eu havia de vir ao Japão e comer comida chinesa?

Realmente a Chinatown de Yokohama é grande. Bem maior que a de S. Francisco (a segunda dos EUA) e sem termo de comparação com a de Londres. O azar é que já estava quase tudo fechado e não havia nem luz, nem movimento e nem emoção nas ruas. Tirando lá numa esquina junto a uma das magníficas portas da cidade, onde havia obras na via e quando há obras na via aqui nesta terra há sempre muita luz. Movimento há pouco e emoção é coisa que falta em todo o lado. Mas onde há obras há sempre triângulos iluminados, luzes amarelas rotativas, reflectores no pavimento assim como luzes, filas de luzes vermelhas e acima de tudo um ou dois homens com um espécie de cassetete de luz vermelha para indicar os perigos a quem passa. É impressionante os empregos e trabalhos que existem neste país. Também com tanta gente pode-se sempre por alguém toda a noite com um pau de luz vermelho no meio de uma rua a indicar que naquele sítio extremamente iluminado e assinalado existe uma obra. Lindo!

Vagueámo-nos pelas ruas de Yokohama à procura de um sítio para beber um copo até que encontrámos a zona mais iluminada da cidade e pelos vistos aquela onde a animação acaba sempre em sexo. As meninas em todas as esquinas oferecem os seus serviços de massagem e existem bares com uma aparência algo sinistra onde aparentemente se pode conversar com uma companhia alugada. Sim! Existem dessas coisas a que se chamam bares de conversa e onde se paga a uma senhora para se ter uma conversa. Suponho que a conversa pode ir até onde o dinheiro pagar, pelo o aspecto da coisa.

Não gostei mesmo nada de Yokohama àquela hora da manhã. As ruas são muito cinzentas e o aspecto das pessoas que andavam por ali não era o mais saudável. Mas, ainda bebemos uma cerveja num bar, bem giro por sinal, onde fomos roubados. Pagámos 1000 yens (7,5 euros) por uma bebida.

No entretanto o Dean já tinha voltado ao hotel, porque o resto do pessoal não se decidia. Nós saímos do bar à s 4h da manhã, já o sol estava a nascer e já havia comboios para Shin Yokohama. É estranho mas o sol aqui nasce às 4h da manhã. E acho que deve ser por isso que se chama o país do sol nascente, porque toda a gente vê o sol nascer às 4h da manhã, mas ninguém o vê a pôr-se porque a essa hora estão fechados dentro de uma sala a trabalhar.

No domingo [25 de Maio de 2003] como não trabalhávamos, resolvemos ir passear. Eu e o Victor acordámos cedo, mas o Thomas e o Amine nem por isso. O Dean já tinha voltado para Inglaterra e o Barin queria gastar muito dinheiro e então não combinou nada connosco.

Fui ao Supermercado de electrodomésticos... É inimaginável a dimensão de uma coisa daquelas. Não pela área, mas pela quantidade de coisas que se podem pôr no mesmo local e pela quantidade de computadores e máquinas fotográficas diferentes que existem. Máquinas fotográficas digitais devem existir cerca de uma centena e meia de modelos, o que torna a escolha muito difícil. Mas o que mais me impressionou foi os preços das memórias e das pilhas recarregáveis que em Portugal são sempre onde se tenta ganhar mais dinheiro, mas aqui são quase ao preço da chuva. E olhem que aqui chove muito.

Fui ao Supermercado, pois (como já disse aqui algures) acho que é onde se aprende mais sobre os hábitos das pessoas. Extraordinário. É-me muito difícil descrever, mas em algumas coisas fez-me lembrar os mercados dos grandes armazéns de Paris, com áreas separadas para comidas. Mas é mesmo muito difícil saber o que se está a comprar, porque ou se sabe japonês ou não se percebe nada. E, além disso, as fotografias nem sempre são demonstrativas do produto, como devem imaginar.

Assim, como a maioria das fotografias que tenho tirado. Fotografias à noite ou com o tempo que tem estado, não ficam nenhuma maravilha. Mas hoje o céu já está mais azul... Pequena que à hora que eu sair só irá haver estrelas...

Vou-vos deixar por agora, mas esperem pela próxima Crónica, pois está cheia de aventuras no País do Sol Nascente.



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