D6 SÁBADO, 24 DE MAIO DE 2003
Cúpula do Prince Hotel - Fotografia de Rui Gonçalves

Se deste ponto em diante não visualizarem acentos, cedilhas ou outros caracteres próprios da língua portuguesa ou se de repente aparecer um caractere japonês onde menos esperas, não é Impulse, é porque neste momento vos escrevo num teclado japonês... No Japão!

Pois é acabei de chegar ao Japão e depois de 2 horas de comboio desde Narita, mais 11 horas de voo desde Paris, 5 horas no Charles de Gaulle e mais duas de voo desde o Porto, cá estou eu na NEC em Shin-Yokohama, duas estações de metro de Yokohama, alguns quilómetros a sudoeste de Tóquio e muito longe de casa. Física e culturalmente longe de Portugal.

Não vos vou contar o que vim cá fazer, porque isso não vos interessa (até é capaz de interessar se forem viciados em telemóveis e estiverem a sonhar com a prometida 3ª geração, mas não conto) mas vou começar a tecer uns comentários à minha estadia. Espero ter tempo de vos escrever mais vezes... Hoje tenho, porque é sábado e o trabalho aqui está a meio gás e o Victor esta a acabar umas coisas antes de me passar a pasta (ele esta cá há duas semanas e eu venho tomar o lugar por mais duas semanas).

Sim! Trabalha-se ao sábado! Sim! Estou a trabalhar num sábado às 7:30 daí... Eu não dormi a noite de quinta para quando entrasse no voo em Paris adormecesse logo, pois assim estava já a habituar-me ao horário japonês (8 horas a mais). Na Califórnia estava à mesma distância horária de Portugal mas no sentido contrário.

Mas estou a dispersar! Vamos a falar do Japão!

Por incrível que pareça dos cerca de meia dúzia de ocidentais que vinham no meu voo de Paris para Tóquio-Narita, calhou-me um casal de franceses ao meu lado. E o resto do voo estava de olhos em bico... Por acaso é surpreendente como estes gajos falam japonês com toda a gente mas quando olham para mim vem logo que sou estrangeiro... Não sei, mas deve ser do cabelo comprido! Ah! Mas não deixam de me falar em japonês, como se eu fosse um estrangeiro letrado em línguas orientais e falasse japonês desde que saí do berço. Parecem os franceses que acham que toda a gente fala francês e nem se esforçam por se fazerem perceber... Nós os portugueses ou menos tentamos aumentar o volume da voz para nos fazermos entender e gesticulamos efusivamente como se fossemos umas barras em linguagem gestual para cegos (aquela linguagem gestual que ninguém percebe, nem mesmo quem vê).

Vi um filme francês ("Ni pour, ni contre (Bien au Contraire)"), legendado em inglês, no meu monitor particular, mas com alguma dificuldade pois o passageiro do banco da frente passou o voo todo aos saltos, e chegou a ser advertido para não empurrar o banco da frente do dele, pois as pessoas tinham direito de se deitarem. A tipa atrás de mim também me chamou a atenção quando eu me deitei, mas eu estava de headphones e fiz de conta que não ouvi e depois da advertência ao meu colega da frente ela deve ter se apercebido que se quisesse mais espaço teria que comprar um bilhete mais caro da próxima vez.

Só acordei para o pequeno-almoço que neste ultimo dia era a terceira refeição de avião e a quarta constituída por conteúdos algo ofensivos às minhas entranhas. Acho que o Camembert era a única coisa que se safava, porque o crepe de maçã deu-me a volta ao estômago de tal maneira que quase 6 horas depois ainda anda aqui a remoer-me por dentro. Parece um embrião do Alien. Espero que ao sair não me rebente a barriga.

A chegada ao aeroporto de Narita foi calma. E apenas tive que preencher um papelzeco com o meu nome, morada e período de estadia para me porem mais um carimbo no passaporte. Posso ficar cá 90 dias. Obrigado!

O pior veio depois, quando ao passar pelos serviços alfandegários me perguntaram se eu tinha comigo algum tipo de drogas. Extraordinário como estes tipos tem fotografias de heroína e cocaína e acham que eu a olhar para lá posso dizer a diferença daquilo para a farinha de trigo. E haviam de ver a qualidade do fotografo. A verdade é que (se calhar pelo cabelo) o gajo desconfiou e mandou-me abrir a mala e vasculhou-a. Descobriu apenas cuecas, camisas, calças e duas garrafas de vinho do Porto. Nada de grave... Mas quase que fiquei de olhos em bico para voltar a arrumar tudo!

O passo seguinte consistia em apanhar o comboio - Narita Express - até Shin Yokohama e encontrar o hotel Prince. Para esta etapa da aventura possuía um apontamento em inglês sobre o trajecto a tomar. Segui os primeiros pontos ate à bilheteira onde fui recebido por uma rapariga que felizmente falava pelo menos 2 palavras em inglês - train e ticket. Prova superada! Passo seguinte - encontrar o cais de embarque. Nada de muito grave se se olhar para as letras pequeninas debaixo dos caracteres japoneses nos letreiros luminosos. O problema foi perceber o bilhete onde os únicos caracteres perceptíveis eram os números. Mas quais indicavam a carruagem e o lugar?

Nesta etapa beneficiei da ajuda de um alemão gordo que deixei passar numa passagem mais estreita à entrada de uma escada rolante. Há uns dias tinha "morrido" se não tivesse já acabado o Medal of Honor (para quem não sabe é um jogo de computador passado na Segunda Guerra Mundial em que se joga pelo lado dos aliados).

Depois de duas corridas no cais para tentar perceber qual a carruagem em que devia de entrar, enquanto o comboio recentemente chegado era limpo por um exercito de mulheres de limpeza, o alemão lá me explicou que o 9 era o número da carruagem e 5A era o número do lugar. Ainda bem que não o "matei"...

A prova seguinte consistia em mudar do Narita Express para a Yokohama line em direcção a Hachioji na estacão de Yokohama.

Pelo caminho ficavam os campos de arroz às centenas, casas de madeira aos milhares e pessoas aos milhões. As casas são em tudo semelhantes às casas de Los Angeles, tirando o facto de aqui o caos é muito maior. Não há duas casas iguais! Há telhados em telha azul, laranja, amarela, castanha e verde e há terraços, casas de 1, 2, 3, 4, 5 e 6 andares lado a lado com campos de arroz, mono-carril, comboios, parques de estacionamentos, pontes e hotéis de 40 andares. E muitos, mas mesmo muitos letreiros com caracteres japoneses. Se não fosse o "M" nem se reconhecia o MacDonalds.

Cheguei à estacão de Yokohama com a ideia de que tinha que apanhar a Shinjuku Line sair em Higashi-Kanagawa e aí apanhar a Yokohama Line ate Shin Yokohama. Mas fiquei surpreendido que haviam letreiros a indicar a Yokohama Line, por sinal no mesmo cais que a Shinjuku Line e fiquei ainda mais satisfeito quando vi no visor a anunciar a chegada de um comboio da Yokohama Line em direcção a Hachioji. Prova superada!

Por mais incrível que pareça, o mais difícil foi encontrar a recepção do Prince Hotel, porque este fica mesmo à saída da estação de Shin Yokohama, apesar do meu amigo Sérgio ter apanhado um taxi para ir dum sítio ao outro, quando cá esteve. Claro que andou cerca de 100m de taxi.

A recepção é que é difícil de encontrar porque está precisamente no sítio menos previsível... À entrada! Mas do lado de quem entra se vier de taxi, porque quem vem de comboio entra pelo centro comercial e nunca mais dá com a recepção se não perceber japonês.

Fiz check-in e fui informado de que tenho que avisar a recepção se aparentar ter Pneumonia Atípica para desinfectarem o meu quarto. Lindo! Sá faltava esta mesmo...

O Victor deixou recado a dizer que foi trabalhar. Nem esperava outra coisa.

O hotel tem 47 andares. É uma torre redonda e os quartos são na parte exterior do cilindro. As casas-de-banho são quase tão boas como as do avião. Toda em plástico e com sanita aquecida e que funciona como bidé. Lindo! Um gajo lava-se onde faz as necessidades.

Tomei banho! Experimentei o robe/kimono que me deixaram no quarto com uns chinelos. Mas no entretanto o Victor telefonou-me e eu combinei com ele aqui em Kamoi (onde estou aqui na NEC).

Mais uma prova para realizar, mas nada de muito difícil tendo em conta a aventura anterior.

E, com a ajuda das indicações inglesas, cá vim ter. Mas se o Victor não me fosse buscar à porta tinha-me perdido neste labirinto que são as instalações da NEC. Acho que atravessei três pátios e 12 portas para chegar aqui a esta sala. E passei por cerca de 20 maquinas de bebidas... Mas fui logo fotografado à entrada pelo Wake-san.

Mas cheguei a tempo... De vos escrever!

Até amanha!



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