Este fim-de-semana recebi a visita do meu amigo
canadiano/americano Ben. Não sei se se lembram mas o Ben
era um dos meus amigos californianos, talvez aquele com quem tive
melhores aventuras. Pois bem, ele e um colega dele - Tim - deram-nos
o prazer da sua visita.
Esta visita pôs-me a pensar sobre muita coisa
e até comecei a escrever uma crónica mas o meu palmtop resolveu
perder a bateria de backup e pura e simplesmente perdi
tudo o que tinha escrito. Basicamente, fez-me pensar nas opções
que nós fazemos na vida e como a vida é feita de
opções. Umas vezes boas e outras vezes más
opções.
Para mim, a melhor metáfora acerca deste
assunto, que eu já alguma vez vi numa fábula, é a
que o argumentista Neil Gaiman faz numa sequela em Banda Desenhada
chamada Sandman. Sandman é a história de um deus
menor que governa os nossos sonhos, de seu nome Sandman, Dream
ou Morpheus (lembram-se do Matrix?). Pois Dream tem seis irmãos
e irmãs todos com nomes começados por D - Desire,
Death, Delirium, Destruction, Despair e Destiny. Cada um dos seus
irmãos são deuses menores que governam um diferente
mundo. O mundo de Destiny é um jardim gótico só com
caminhos que se cruzam e entroncamentos. Estes caminhos representam
os diferentes percursos que nós tomamos na nossa vida. Cada
cruzamento é um encontro e cada entroncamento uma opção.
Cada opção leva-nos sempre a opções
diferentes e assim traçamos o nosso caminho.
Embora eu acredite que alguns de vocês acham
que o facto de haverem caminhos traçados signifique que
há um destino traçado, eu acredito mais que as opções
cabem-nos sempre a nós.
Toda esta conversa para falar de como cada decisão
na vida pode influenciar em muito o nosso futuro e a maneira como
vivemos a nossa vida. E, como por vezes, voltamos a pensar nelas
e tentamos imaginar como seria a nossa vida se não tivéssemos
tomado aquela, mas sim outra decisão naquele momento. A
verdade é que se calhar não vale a pena pensarmos
muito nisso, embora devamos pensar bem nas consequências
das decisões que tomamos para que da próxima vez
saibamos como proceder.
Isto tudo para falar da visita do Ben. Por um lado
porque me voltaram a questionar porque voltei da Califórnia
e se alguma vez pensei em ficar. E por outro lado porque a administração
americana está a tomar decisões que podem ter consequências
gravíssimas para eles e nem por isso parece que aprenderam
com os erros do passado.
Sim! Eu pensei em ficar na Califórnia. Talvez
estivesse bem agora, talvez estivesse mal. O mais provável é que
não estivesse muito bem, pois a coisa anda mesmo mal do
outro lado do mundo. Eu prefiro pensar assim!
Por outro lado, o nosso país é um
país muito bonito. Perguntem aos americanos.
Acho que depois desta grande e chata auto-reflexão,
posso falar-vos do fim-de-semana de Páscoa em Foz Côa,
com um canadiano judeu e um americano católico, nenhum deles
praticante.
Embora eu não seja também um praticante,
admito que as cerimónias religiosas só têm
valor onde são realmente vividas e tomadas por quem realmente
as sente. E não há gente como as de Trás-os-Montes
e Alto-Douro no que toca à Páscoa. Aliás,
já disse que se um dia tiver uma porção de
terra lá para aqueles lados que possa chamar de minha, que
lhe chamo Paz Côa, porque acho que é uma época
especial de paz no Côa.
Pelo menos durante o dia, porque à noite
encontram-se todas aquelas pessoas que já não se
vê há anos e sempre tempo para mais um copo. Foi o
que aconteceu no Bar do Jó, de onde fomos expulsos às
2h da manhã de sábado, depois de mais um copo. O
Ben e o Tim simplesmente não acreditaram que depois de 5
vodkas cada e uma porção de finos, só tinham
que pagar $21 e nem sequer tinham que deixar gorjeta. E ainda estavam
mais surpresos com o facto de ninguém lhes cobrar um tostão
pelas bebidas a noite toda e só pagarem no fim. Só lhes
incomodava o fumo, mas não lhes ofuscava as vistas, tal
era o seu olhar de águias, lá de cima dos seus metro
e oitenta e muitos, sobre as miúdas que entravam e saíam
do bar.
Claro que isto foi no fim da noite, porque durante
o dia demos uma volta pelas aldeias e castelos da zona. Começámos
por ir perto do Fariseu de onde se tem uma excelente vista sobre
o Côa e a Quinta da Ervamoira (conhecem o Vinho Duas Quintas?).
Fomos a Castelo Melhor, onde visitamos o centro do Parque Arqueológico
do Vale do Côa (que ainda tem a mesma página de Internet
desde o Paleolítico) e onde bebemos uma cerveja.
Seguiu-se Almendra, a terra onde nasceu a minha
mãe, avó, bisavó... E de onde guardo excelentes
recordações do verão e da Páscoa, das
festas e dos banhos na Ribeira de Aguiar. Das idas à discoteca
de Foz Côa ou Figueira de Castelo Rodrigo, na traseira de
uma qualquer carrinha, sentados nas cadeiras que pedíamos
emprestados lá no Café do Simões. Tinha havido
feira.
A melhor coisa da Páscoa é que em
todas as aldeias as igrejas estão abertas e pode-se entrar.
Somos sempre bem recebidos e vontade de nos explicar as histórias
e as origens dos santos é sempre incontrolável.
A cada esquina, o Tim disparava fotos com a sua
digital. Dizia que sentiam um impulso de querer fotografar tudo.
Pena que o tempo não ajudasse e de vez em quando caísse
uma chuva.
Algodres, Vale de Afonsinho e atravessámos
o Côa na Ponte da União a caminho de Cidadelhe. O
Côa está castanho tal é a sua força
resultante das chuvas que têm caído, mas ainda está muito
baixo. Há anos que leva o gradeamento da ponte e acreditem
que ela é alto, mas o vale é estreito e escarpado.
Mais uma igreja e uma cerveja em Cidadelhe. Esta é uma
aldeia curiosa, que dista uns bons 30 kms da sede de conselho Pinhel.
Se não fosse a Ponte da União que a liga ao concelho
de Figueira de Castelo Rodrigo, não havia outra estrada
senão a que a leva ao Juízo e que parece nunca mais
acabar. Sim! Há uma aldeia chamada Juízo!
Mas Cidadelhe tem uma história curiosa acerca
de uma manta que é usada nas festas religiosas e que é escondida
durante o resto do ano para que não seja roubada. Parece-me
que a história remonta ao tempo das invasões francesas
e acontece que apenas duas pessoas sabem em cada momento em que
casa se encontra a valiosa manta, a pessoa que a tinha antes e
aquela que a tem agora. A manta vai passando de mão em mão
e ninguém mais na aldeia sabe onde se encontra a manta,
sendo portanto difícil de encontrá-la baseado na
confissão dos aldeãos.
Seguimos ao Castelo de Marialva, que também
tem uma lenda engraçada, mas que deixo para outra crónica.
Aconselho é vivamente que visitem o castelo com tempo e
que sintam naquelas ruas desertas e em ruínas a presença
dos seus antigos habitantes. Eu penso que ainda lá andam
alguns a vaguear...
Seguimos por todo-o-terreno, pelo meio de lama e água,
até Longroiva. Não percam o Castelo/Cemitério,
a igreja, a capela, as sepulturas antropomórficas (para
quem não sabe, são uns buracos na pedra onde se presume
os Celtas ou outro povo, depositava os corpos dos mortos) e as
termas de água enxofrada (cuidado com o cheiro).
Já estávamos cansados. Eles porque
no dia anterior tinham vindo de Madrid de carro e já tinham
demasiada informação para um dia só. E nós
porque ainda não tínhamos recuperado da semana de
trabalho (e acho que ainda não recuperei do fim-de-semana).
Fomos jantar a Santa Comba da Vilariça, comer
uma Posta de Carne... Aconselho o vinho da casa e aquela sobremesa
caseira que o dono tem sempre escondida (no Natal foram rabanadas,
desta vez foi uma espécie de filhós). O Tim e o Ben
até bagaço beberam a sugestão da Cláudia.
O resto, já sabem. Bar do Jó e às
2h da manhã um chouriço (nada Kosher para
um judeu) na lareira em casa e cama... Já tarde, para quem
no dia seguinte recebia a visita pascal. Foi duro acordar, mas
o Sr. Fernandes (o meu sogro, para quem não sabe), que também
lá estava de fim-de-semana não podia fazê-lo
de outra maneira, e com tanta gente em casa nós estávamos
a dormir no sofá-cama na sala, sitio que o padre tinha necessariamente
benzer.
O Tim, acho que não gostou do toque dos sinos,
mesmo com tampões para os ouvidos. O Ben dormiu... Sorte
deles que não tiveram que se levantar para beijar os pés
ao senhor.
Depois de um almoço com 10 pessoas à mesa,
lá seguiram eles para Sevilha. Ainda pensavam parar em Cáceres
e Mérida. Quem nos dera poder ter ido, também.
Não! Infelizmente não é a melhor
altura. Ficou um amargo de saudade da Califórnia...
Mas a melhor coisa do fim-de-semana foi ter sido
convidado pela minha querida sobrinha Carolina para ser padrinho
da irmã Margarida. Estou feliz!!! É um cruzamento
feliz no meu caminho no reino do Destino.
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