SEGUNDA-FEIRA, 21 DE ABRIL DE 2003 D5
Procissão de Sexta-feira Santa - Fotografia de Rui Gonçalves

Este fim-de-semana recebi a visita do meu amigo canadiano/americano Ben. Não sei se se lembram mas o Ben era um dos meus amigos californianos, talvez aquele com quem tive melhores aventuras. Pois bem, ele e um colega dele - Tim - deram-nos o prazer da sua visita.

Esta visita pôs-me a pensar sobre muita coisa e até comecei a escrever uma crónica mas o meu palmtop resolveu perder a bateria de backup e pura e simplesmente perdi tudo o que tinha escrito. Basicamente, fez-me pensar nas opções que nós fazemos na vida e como a vida é feita de opções. Umas vezes boas e outras vezes más opções.

Para mim, a melhor metáfora acerca deste assunto, que eu já alguma vez vi numa fábula, é a que o argumentista Neil Gaiman faz numa sequela em Banda Desenhada chamada Sandman. Sandman é a história de um deus menor que governa os nossos sonhos, de seu nome Sandman, Dream ou Morpheus (lembram-se do Matrix?). Pois Dream tem seis irmãos e irmãs todos com nomes começados por D - Desire, Death, Delirium, Destruction, Despair e Destiny. Cada um dos seus irmãos são deuses menores que governam um diferente mundo. O mundo de Destiny é um jardim gótico só com caminhos que se cruzam e entroncamentos. Estes caminhos representam os diferentes percursos que nós tomamos na nossa vida. Cada cruzamento é um encontro e cada entroncamento uma opção. Cada opção leva-nos sempre a opções diferentes e assim traçamos o nosso caminho.

Embora eu acredite que alguns de vocês acham que o facto de haverem caminhos traçados signifique que há um destino traçado, eu acredito mais que as opções cabem-nos sempre a nós.

Toda esta conversa para falar de como cada decisão na vida pode influenciar em muito o nosso futuro e a maneira como vivemos a nossa vida. E, como por vezes, voltamos a pensar nelas e tentamos imaginar como seria a nossa vida se não tivéssemos tomado aquela, mas sim outra decisão naquele momento. A verdade é que se calhar não vale a pena pensarmos muito nisso, embora devamos pensar bem nas consequências das decisões que tomamos para que da próxima vez saibamos como proceder.

Isto tudo para falar da visita do Ben. Por um lado porque me voltaram a questionar porque voltei da Califórnia e se alguma vez pensei em ficar. E por outro lado porque a administração americana está a tomar decisões que podem ter consequências gravíssimas para eles e nem por isso parece que aprenderam com os erros do passado.

Sim! Eu pensei em ficar na Califórnia. Talvez estivesse bem agora, talvez estivesse mal. O mais provável é que não estivesse muito bem, pois a coisa anda mesmo mal do outro lado do mundo. Eu prefiro pensar assim!

Por outro lado, o nosso país é um país muito bonito. Perguntem aos americanos.

Acho que depois desta grande e chata auto-reflexão, posso falar-vos do fim-de-semana de Páscoa em Foz Côa, com um canadiano judeu e um americano católico, nenhum deles praticante.

Embora eu não seja também um praticante, admito que as cerimónias religiosas só têm valor onde são realmente vividas e tomadas por quem realmente as sente. E não há gente como as de Trás-os-Montes e Alto-Douro no que toca à Páscoa. Aliás, já disse que se um dia tiver uma porção de terra lá para aqueles lados que possa chamar de minha, que lhe chamo Paz Côa, porque acho que é uma época especial de paz no Côa.

Pelo menos durante o dia, porque à noite encontram-se todas aquelas pessoas que já não se vê há anos e sempre tempo para mais um copo. Foi o que aconteceu no Bar do Jó, de onde fomos expulsos às 2h da manhã de sábado, depois de mais um copo. O Ben e o Tim simplesmente não acreditaram que depois de 5 vodkas cada e uma porção de finos, só tinham que pagar $21 e nem sequer tinham que deixar gorjeta. E ainda estavam mais surpresos com o facto de ninguém lhes cobrar um tostão pelas bebidas a noite toda e só pagarem no fim. Só lhes incomodava o fumo, mas não lhes ofuscava as vistas, tal era o seu olhar de águias, lá de cima dos seus metro e oitenta e muitos, sobre as miúdas que entravam e saíam do bar.

Claro que isto foi no fim da noite, porque durante o dia demos uma volta pelas aldeias e castelos da zona. Começámos por ir perto do Fariseu de onde se tem uma excelente vista sobre o Côa e a Quinta da Ervamoira (conhecem o Vinho Duas Quintas?). Fomos a Castelo Melhor, onde visitamos o centro do Parque Arqueológico do Vale do Côa (que ainda tem a mesma página de Internet desde o Paleolítico) e onde bebemos uma cerveja.

Seguiu-se Almendra, a terra onde nasceu a minha mãe, avó, bisavó... E de onde guardo excelentes recordações do verão e da Páscoa, das festas e dos banhos na Ribeira de Aguiar. Das idas à discoteca de Foz Côa ou Figueira de Castelo Rodrigo, na traseira de uma qualquer carrinha, sentados nas cadeiras que pedíamos emprestados lá no Café do Simões. Tinha havido feira.

A melhor coisa da Páscoa é que em todas as aldeias as igrejas estão abertas e pode-se entrar. Somos sempre bem recebidos e vontade de nos explicar as histórias e as origens dos santos é sempre incontrolável.

A cada esquina, o Tim disparava fotos com a sua digital. Dizia que sentiam um impulso de querer fotografar tudo. Pena que o tempo não ajudasse e de vez em quando caísse uma chuva.

Algodres, Vale de Afonsinho e atravessámos o Côa na Ponte da União a caminho de Cidadelhe. O Côa está castanho tal é a sua força resultante das chuvas que têm caído, mas ainda está muito baixo. Há anos que leva o gradeamento da ponte e acreditem que ela é alto, mas o vale é estreito e escarpado.

Mais uma igreja e uma cerveja em Cidadelhe. Esta é uma aldeia curiosa, que dista uns bons 30 kms da sede de conselho Pinhel. Se não fosse a Ponte da União que a liga ao concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, não havia outra estrada senão a que a leva ao Juízo e que parece nunca mais acabar. Sim! Há uma aldeia chamada Juízo!

Mas Cidadelhe tem uma história curiosa acerca de uma manta que é usada nas festas religiosas e que é escondida durante o resto do ano para que não seja roubada. Parece-me que a história remonta ao tempo das invasões francesas e acontece que apenas duas pessoas sabem em cada momento em que casa se encontra a valiosa manta, a pessoa que a tinha antes e aquela que a tem agora. A manta vai passando de mão em mão e ninguém mais na aldeia sabe onde se encontra a manta, sendo portanto difícil de encontrá-la baseado na confissão dos aldeãos.

Seguimos ao Castelo de Marialva, que também tem uma lenda engraçada, mas que deixo para outra crónica. Aconselho é vivamente que visitem o castelo com tempo e que sintam naquelas ruas desertas e em ruínas a presença dos seus antigos habitantes. Eu penso que ainda lá andam alguns a vaguear...

Seguimos por todo-o-terreno, pelo meio de lama e água, até Longroiva. Não percam o Castelo/Cemitério, a igreja, a capela, as sepulturas antropomórficas (para quem não sabe, são uns buracos na pedra onde se presume os Celtas ou outro povo, depositava os corpos dos mortos) e as termas de água enxofrada (cuidado com o cheiro).

Já estávamos cansados. Eles porque no dia anterior tinham vindo de Madrid de carro e já tinham demasiada informação para um dia só. E nós porque ainda não tínhamos recuperado da semana de trabalho (e acho que ainda não recuperei do fim-de-semana).

Fomos jantar a Santa Comba da Vilariça, comer uma Posta de Carne... Aconselho o vinho da casa e aquela sobremesa caseira que o dono tem sempre escondida (no Natal foram rabanadas, desta vez foi uma espécie de filhós). O Tim e o Ben até bagaço beberam a sugestão da Cláudia.

O resto, já sabem. Bar do Jó e às 2h da manhã um chouriço (nada Kosher para um judeu) na lareira em casa e cama... Já tarde, para quem no dia seguinte recebia a visita pascal. Foi duro acordar, mas o Sr. Fernandes (o meu sogro, para quem não sabe), que também lá estava de fim-de-semana não podia fazê-lo de outra maneira, e com tanta gente em casa nós estávamos a dormir no sofá-cama na sala, sitio que o padre tinha necessariamente benzer.

O Tim, acho que não gostou do toque dos sinos, mesmo com tampões para os ouvidos. O Ben dormiu... Sorte deles que não tiveram que se levantar para beijar os pés ao senhor.

Depois de um almoço com 10 pessoas à mesa, lá seguiram eles para Sevilha. Ainda pensavam parar em Cáceres e Mérida. Quem nos dera poder ter ido, também.

Não! Infelizmente não é a melhor altura. Ficou um amargo de saudade da Califórnia...

Mas a melhor coisa do fim-de-semana foi ter sido convidado pela minha querida sobrinha Carolina para ser padrinho da irmã Margarida. Estou feliz!!! É um cruzamento feliz no meu caminho no reino do Destino.



Índice: Página I2 Col. 1
Próxima Crónica: Página D6 Col. 1