Há umas semanas estive em Paris em trabalho,
e nessa altura comecei a escrever uma crónica daquelas para
vos enviar. Porém e ao fim de dois dias de tentativas de
escrever depois do sol se pôr e depois de algumas horas de
muito trabalho mental, desisti. Mas ainda consegui escrever umas
linhas que gostava de partilhar com vocês e que passo a transcrever.
Lá para o final complementarei com o que se passou a seguir
e com o que se tem passado ultimamente. Pois, foi assim...
Neste momento [17 de Março de 2003] em que
vos escrevo estou em Paris na La Défense. Mais uma daquelas
viagens tipo carro até ao Porto, uma hora no aeroporto,
entra no avião, levanta voo, duas horas depois estamos a
aterrar no destino, metemo-nos num escritório ou hotel,
trabalhamos as horas normais, comemos comida à pressa, uma
coisa qualquer, voltamos ao aeroporto e voamos de volta ao Porto
onde nos espera um carro alugado que conduzimos até Aveiro
e voltamos ao escritório para trabalhar. Talvez desta vez
não seja desse tipo de viagem, em que os únicos monumentos
que vemos são aeroportos, aeronaves e hotéis e em
que o maior divertimento é o levantar e pousar do avião.
Talvez desta tenha mais tempo para ver alguma coisa mais que o
escritório, o interior do táxi ou os lençóis
da cama do hotel.
Vou ficar três noites em Paris e pode ser
que consiga ver a La Défense à noite, que nunca vi,
ou ir ao Centro Pompidou ver uma exposição do designer
Philippe Starck. Vamos a ver... Logo vos direi! Agora tenho que
me ir encontrar com a Susana ao bar do Hotel. Lembrem-me de vos
contar as histórias dos bilhetes no aeroporto e das minhas
tentativas frustradas de falar francês. Quer acreditem quer
não, estes chauvinistas cada vez que tento falar francês
falam-me em inglês. Assim vai ser difícil melhorar
o meu francês.
Já volto.
Voltei, depois de uma cervejinha com o Steve no
bar do hotel, isto já depois de uma refeição
levezinha no restaurante aqui do Mercure. Eu não percebo
mas estes estrangeiros exageram no açúcar. As sobremesas
por aqui são sempre tão doces. Comi um tiramisu tão
doce que por pouco ia ficar na taça, coisa que vai contra
a educação que o meu pai me deu e contra todos os
meus princípios de glutão. Na verdade nem jantei,
eu e a Susana comemos apenas uma entrada e uma sobremesa cada. É que
ela está grávida e não pode deixar de comer,
mas já era tarde para jantar.
Mas voltando ao assunto que me trouxe a Paris de
França, a segunda cidade portuguesa em número de
habitantes. Vim cá porque anda-se a integrar o software
feito na Europa com o que é feito no Japão e há algumas
coisas que não colam muito bem e então é preciso
decidir onde se vai limar e acrescentar para que ambas as superfícies
façam um contacto perfeito para a colagem. Para quem já não
se lembra e embora pareça, o meu trabalho não é marcenaria,
mas sim software para telemóveis.
Assim, e voltando ao trabalho acima descrito, eu
e a Susana viemos de Portugal, o Steve veio da Inglaterra, para
nos encontrarmos amanhã com um francês – Hubert
- e depois de amanhã se nos juntar um japonês de seu
nome Kosukegawa-san, para decidirmos como é que vocês
no futuro irão aceder à Internet nos telemóveis
de terceira geração. Ah! E na quinta junta-se o John
Jennings (um outro inglês) para ajudar a rever os cenários.
Como podem ver, aquilo que para vocês vai ser fácil,
afinal levou a que 6 engenheiros se juntassem em França,
durante 3 dias para produzir uma solução. Vocês
só têm que carregar num botão...
Mas para acabar e antes de apagar a luz, porque
como aqui têm uma hora a mais, significa que amanhã tenho
que acordar mais cedo uma hora, vou-vos contar rapidamente a tal
história dos bilhetes no aeroporto. Acontece que os computadores
são uma grande ajuda, mas quando estão em baixo,
esquecemo-nos como era a vida antes de os termos e dizemos mal
deles. Foi o que aconteceu hoje. A rede informática da TAP
não funcionava e então os nossos bilhetes não
apareciam em lado nenhum, porque eram bilhetes electrónicos.
Assim, e depois de ter sido avisado pela secretária da NEC
para o facto, fui ao guichet da TAP tentar levantar os bilhetes,
mas nem para isso havia computadores. Voltei ao check-in e já depois
de as malas estarem a caminho do avião é que a tipa
descobriu que não conseguia descobrir os nossos bilhetes.
A Isaura (secretária da NEC) telefonou novamente e disse-lhe
que não tínhamos bilhetes, mas que a bomba já estava
a bordo. A hospedeira riu-se, mas mesmo assim não nos deu
os bilhetes para podermos ir com a bomba.
Por fim e depois de mandarem um fax da agência
de viagens a confirmar o pagamento e a 5 minutos da partida do
voo é que nos deram os bilhetes. Corremos para descobrir
que o avião estava atrasado 35 minutos. Será que
não nos podiam ter avisado? Se calhar não havia computadores...
Até amanhã...
Hoje [18 de Março de 2003] acordei bem cedo.
Embora tenha posto o despertador para as 7:15 (6:15 em Portugal),
depois de me ter deitado por volta das 0:30 (11:30), a verdade é que
acordei por volta das 6:45 (5:45) assustado porque o despertador
não tinha tocado. Às vezes estas diferenças
horárias pequenas são mais atrofiantes que diferenças
mais significativas. Ao menos nos Estados Unidos sabia que com
8 horas de diferença estava todo trocado, onde era noite
devia ser dia e vice-versa.
Mas chegámos cedo à NEC/FMDC, mas
na verdade o Hubert não tinha ainda chegado e o Fabrice
estava para Inglaterra. Mais valia ter dormido mais uma hora, porque
os comboios estão em greve e sempre serviu de desculpa para
o Hubert e bem podia servir para nós que andámos
15 minutos ao frio e a pé para lá chegar a tempo.
Depois seguiu-se o habitual conflito entre o portátil,
a rede e as aplicações normais de trabalho, que conseguiram
colaborar só muito tarde. No entretanto conhecemos o Kosukegawa-san,
um japonês muito curtido que soube há pouco que até fala
português. Por isso ele insistiu em ir a Portugal em vez
de vir a Paris, que ainda não visitou e que aparentemente
não pretende visitar. Disse-nos "Até Amanhã" (em
português) antes de sairmos. O inglês dele é que
nem por isso é bom, apesar de ser bom para um japonês.
O Steve deu-me uma encomenda que o Freddy me mandou
de Inglaterra, composta por uma série de revistas e uns
cabos para o telemóvel. Não é que o cromo
abriu a encomenda, diz ele que com receio que fosse uma bomba,
mas diz alguém que estava era à espera de encontrar
droga. Para proveito próprio.
Não vos vou contar o que se passou em termos
de trabalho, mas tivemos a discutir como Kosuke-san como é que
vamos integrar o que ele fez com o que nós fizemos. E o
John esteve em videoconferência a discutir o mesmo desde
Reading. Uma brain storm multi-nacional, multi-língua e
multimédia. Uma beleza.
Porém não posso deixar de falar nas
diferenças que nos separam dos franceses e que só supostamente
trabalham na mesma empresa que eu. Aparentemente, porque as diferenças
são gritantes e as condições fazem-nos pensar
que afinal nós somos é otários. Vejam lá que
eles por trabalharam 37h por semana [nós trabalhamos 40]
que está acima do que era normal, podem ter direito a mais
10 dias de férias para além dos normais 25 [22 para
nós]. Além disso comem numa cantina relativamente
boa e pagam cerca de 3 euros por refeição e têm
café de borla [nós pagamos 0.25 por uma água
tingida]. E nem falámos de ordenados.... Já não
vale a pena comparar mais.
E será que eles são muito melhores
que nós? Não! Eu não acredito! Um tipo que
vem de Reading com umas folhas debaixo do braço rouba uma
caneta no hotel, porque não trouxe nenhuma e nem BI traz,
não pode ser muito bom! A verdade é que nós
devemos mesmo ser otários... Não digam que é modéstia!
Acho que vou dormir antes que comece a guerra.
E a guerra começou! Mas nós estávamos
a dormir. Eu estava! Por pouco que dormisse, foi preferível
estar a dormir do que a ver a desgraça da guerra. A verdade é que
tinha saído mesmo tarde na noite anterior. Nem para ver
uma loja tive tempo, quanto mais vontade para apanhar o metro até ao
Centro Pompidou que fechava meia-hora depois.
O que vale é que a comida estava uma maravilha.
Como é de tradição, metade da ementa é composta
por pato e eu como apreciador da ave não consegui resistir. É impressionante
como o Steve e a Susana não conseguem perceber francês
suficiente para saber o que pedir a partir de um ementa francesa.
O que vale, e como já vos disse, é que em Paris o
inglês já é falado pelos franceses.
Quando chegámos ao hotel, este estava cheio
de Gendarmes. Carrinhas e autocarros deles. Como é que eles
souberam que a nossa missão ali não podia ser comprometida
por uma guerra qualquer no médio oriente, é que nunca
vou saber. Parece-me que o meu chefe é amigo do Chirac...
Pelo sotaque que têm ambos quando falam inglês!
Mas para além de uma larga centena de Gendarmes
estavam no hotel hospedados quase meio milhar de japoneses. Todos
com máquinas fotográficas e soquetes brancos. Alguns
com cabelo da cor natural e muitas a andar em ponta dos pés...
E a arrastá-los!
Trabalhar com japoneses é uma coisa fantástica. É muito
difícil não sucumbir à gargalhada ao vê-los
correr e mais difícil é não lhes bater ao
vê-los a andar a arrastar os pés. Para além
disso é muito difícil falar com alguém que
para além da língua materna que nós não
percebemos uma palavra, não percebem quase nada de nenhuma
das que a gente fala. Pelo menos aprendi a dizer "sim" que
se diz "Hai", mas que não imagino como
se escreve. Para além disso aprendi a dizer Kon’nichi’wa (Olá)
e wakarimashita (Compreendi).
Acho que gostava de aprender japonês! Nem
que fosse para me sentir mais compreendido!
Apesar de tudo o Kasuke-san era um tipo porreiro.
Na quarta [19 de Março de 2003] fomos jantar a Montparnasse
com o Fabrice e o Hubert, e ao fim do segundo copo de tinto, o
Kasuke-san já estava em grandes conversas com o Steve entre
dois cigarros ao balcão. Eu acho que ele tinha dificuldade
em entender o Hubert a falar inglês com o seu acentuado sotaque
francês, além de que este pouco esforço fazia
para se fazer entender.
Ainda passámos pela Torre Eiffel onde o Japonês
tirou umas fotos, mas a minha vontade era de ir para a cama, depois
de quase 12 horas de brain storm com japoneses, franceses e ingleses.
Acho que foi um alívio apanhar o táxi
para o aeroporto na quinta [20 de Março de 2003], apesar
de o condutor ser árabe. Não que eu tenha alguma
coisa contra os árabes, mas ele topou que éramos
portugueses, e depois dos apoios ou falta deles do nosso querido
primeiro-ministro, uma pessoa já não sabe. Ele deu
conta que éramos portugueses porque estava a ouvir uma rádio
portuguesa...
Quanto ao apoio do nosso primeiro ministro, a verdade é que
Portugal apoia a chamada Aliança Anglo-Americana e por mais
que discordemos com isso é assim que somos vistos lá fora.
Aliás, alguém pensa nos americanos e ingleses que
não apoiam as decisões dos seus governos? Não!
Os americanos e os ingleses querem a guerra. Todos! Pois é assim
que pensam os franceses dos portugueses. Não pensem que
não deixei de ouvir bocas pelo apoio dado pelo nosso governo
a um esforço de guerra que não é nosso. O
Aznar ainda compreendo que tem a ETA e quer ajuda na luta contra
o terrorismo, mas nós portugueses quereremos o quê?
A sede da NATO? Ou mandar trolhas para a reconstrução
do Iraque? Se calhar mandamos os ucranianos que trabalham cá...
Mudando de assunto! A verdade é que no dia
seguinte [sexta-feira, 21 de Março de 2003], depois de ter
chegado na noite anterior por volta das 23:00, ainda tive que chegar às
9:00 e preparar uma apresentação para o Ian e David,
os meus chefes quase-supremos de Inglaterra que visitavam a NEC
em Aveiro. Acho que foi um dos momentos mais decepcionantes da
minha passagem de já quase ano e meio, pela aquela empresa.
Acontece que eu e a Susana preparámos um apanhado do que
ficou decidido, em três dias de intenso trabalho, quase sem
tempo para mais nada, com ingleses, franceses e japoneses para
tentar solucionar um problema e depois da apresentação
as dúvidas que se levantam prendem-se com o facto de não
ser ou ser necessário fazer aquilo. Não podiam ter
decidido isso antes de irmos? E ainda a preocupação
era se o arquitecto (de software) inglês tinham
concordado, porque eles não gostam do francês. Mas
afinal de contas qual é o nosso objectivo não é colocar
produtos no mercado? Interessa se é saído da cabeça
de um francês, inglês, japonês, português
ou ucraniano? Deu-me vontade de sair da sala e ir para casa...
Se acham que as coisas são mal organizadas
em Portugal, experimentem trabalhar no estrangeiro...
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