C144 SEGUNDA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2001
Aniversário no Iguanas Ranas - Fotografia de Rui Gonçalves

Eu sei que alguns de vocês já andavam desesperados por eu não escrever. E, outros aliviados! Mas, para aqueles que achavam que as crónicas tinham acabado...

Cá estou eu de volta com mais umas aventuras no sul da Califórnia.

Terça-feira, 8 de Agosto de 2000

Eventualmente já não se lembram mas eu e a Cláudia tínhamos andado às voltas por Los Angeles e acabámos por ir dormir a um parque de campismo, próximo do Lago Elsinor (uma tradução foleira de El Siñor, que os americanos não conseguiram compreender).

Mas, dormir não foi propriamente o que eu fiz. Imaginem um parque de campismo num parque florestal (Cleveland Silverado National Forest) às portas da grande Los Angeles. Para quem já viu aquelas séries e filmes passados em LA em que há serial killers e afins e se encontra sozinho num parque no meio do nada... Nem o facto do quartel dos bombeiros e dos rangers ser ali mesmo ao lado me descansava. Aliás pelo contrário, porque quando não pensava que iria aparecer alguém que nos ia importunar ou um animal que eu desconhecia que existia e que atacava seres humanos em tendas num parque isolado, acordava com o barulho do rádio dos bombeiros. Parecia um rádio-taxi, sempre a dar sinal e a ouvir-se uma voz. Isto do outro lado da estrada a cerca de 50 metros do parque... Imaginem como eles deveriam ser surdos!

Depois, pela manhã, começou o trânsito infernal, naquela estrada que julgávamos que não ia dar a lado nenhum e que não passava em nenhures. Eram camiões, atrás de camiões, que como é normal, começavam a circular de madrugada. E, atrás de cada camião, ouvia-se uma série de carros, que o prosseguiam, pois a estrada era estreita, cheia de curvas e na maioria dos sítios, com proibição de ultrapassagem. E, ao contrário dos portugueses os americanos cumprem as regras... Bem, pelo menos ali, porque quando chegarmos a San Diego a coisa muda um bocado. É o cheiro do México!

Mas, se eu não dormi, a Cláudia também não o fez muito. Aparentemente o animal que ataca pessoas em tendas em parques desertos, também a esteve quase a atacar, na forma de um pássaro. Acordou a meio da noite quando sonhava que um pássaro a atacava. Aparentemente o pássaro queria-lhe bater na cabeça.

Porém, o facto de não termos dormido muito não nos afectou muito. Já que estávamos em férias, havia que rir com a cena e partir para outra paragem. Desmontámos a tenda, enquanto um grupo de mexicanos da companhia de electricidade andava ali pelas imediações a tentar arranjar alguma anomalia nos postes de electricidade. Ou seria dos telefones? E, nem sei se eram mexicanos, mas falavam espanhol e naquela zona a população é maioritariamente proveniente do México. Pelo menos a que faz os trabalhos mais exigentes fisicamente, porque os americanos, por ali, são todos actores ou ligados à indústria cinematográfica. Se não são, queriam ser!

Saímos do parque sem ver os tais animais que atacam as pessoas em tendas em parques desertos. Aparentemente foi só nossa imaginação... Mas, eles andam por aí! Tenham atenção!

Decidimos ver se na próxima curva da estrada já se via o Lago Elsinor e o deserto. Isto porque os tipos do quartel dos bombeiros e dos rangers, apesar de terem o rádio de emergência ligado aos berros, não estavam lá. O centro de recepção estava fechado e não conseguimos colher nenhuma informação a não ser nos placares no exterior. E, aparentemente o deserto era mesmo ali ao lado e nós queríamos ver o que nos esperava nos próximos dias, antes de rumarmos a San Diego e à civilização, mais uma vez.

Qual foi a nossa surpresa quando a cem metros do parque havia um miradouro e lá em baixo estava um lago envolto em casas. Mas, o melhor era o tasco que estava no miradouro e que se chamava Lookout! Devem imaginar porquê!

Sim! Estávamos com fome... Mas, não só. O café/tasco/miradouro era mesmo típico. Fazia lembrar aqueles bares que se vê nos filmes de camionistas, que estão isolados no meio do nada e que servem uns Brunchs maravilha. Para quem não sabe o que é um brunch eu já explico, mas a tasca merece cinco minutos de fama.

Ao contrário das normais construções americanas que ficam em zonas com paisagens bonitas, este tasco nem tinha janelas muito grandes. Era todo em madeira e no exterior tinha um daqueles depósitos de água, à americana, que parece um bidão de água em cima de uns ferros, onde se lia Lookout escrito com caracteres semelhantes aos dos Saloons dos Cowboys. O melhor da tasca, não era a sua construção, nem a comida, mas o dono. O tipo era uma fonte de energia incompreensível para quem mal tinha dormido. A música alto, a tocar o último sucesso do Santana com o Dave Mathew e o tipo cantava em uníssono, e ainda melhor que o original, enquanto fazia o nosso brunch. Por todo o lado haviam sinais que avisavam para a potencial presença de vespas e que quem se aventurasse pelo terraço que o fazia segundo a sua responsabilidade. Claro, que nós tínhamos que ir ver as vistas ao terraço mas não quisemos comer lá por causa do possível ataque de vespas. Elas existiam, ainda vimos uma ou duas!

Depois veio o brunch. Pronto, para quem não sabe, um brunch é aquilo que nós chamamos de lanche-ajantarado, mas da parte da manhã. O nome não é mais que a aglutinação das palavras breakfast e lunch. Pois bem, não é mais que aqueles almoços mais leves que o pessoal faz e come nas manhãs a seguir a uma noite mais poderosa.
Uns ovos estreados, com batatas em gomos fritas, com bacon e salsinhas e uma cervejinha para abrir as hostilidades. Isto enquanto falávamos com o dono.

Ele vivia lá em baixo em Lago Elsinor. Era de fora, mas tinha-se casado e ficado por ali. Adorava estar ali no Lookout e de conviver com as pessoas que passavam pela tasca. Gostava de motas, pelo que não era de admirar a quantidade de revistas sobre o assunto que estavam por ali, na sala de leitura. Pois, já me esquecia de vos contar que a tasca tinha uma salinha com livros, uma mesa e cadeiras onde se podia ler.

No entretanto, uma senhora que passava, entrou e perguntou pela casa de banho. Uma daquelas casas-de-banho de festival rock no exterior. Pouco depois outro cliente, este com cara de poucos amigos, entrou e perguntou se alguém tinha perdido a carteira de um telemóvel. E, como ninguém se acusou ele ficou com ela e foi-se. Uma meia-hora depois a primeira cliente entrou à procura da carteira. Azar!

Nós seguimos caminho, para trás em direcção ao mar. Tivemos oportunidade de ver o que não vimos na noite anterior. Mas, o nevoeiro de LA também não ajudou.

Chegámos a San Juan Capristano e fomos visitar a missão. Bem, mais uma missão tipicamente espanhola. Depois da missão de Santa Bárbara, todas as outras parecem muito pequenas. Esta aliás estava em obras de recuperação. Ao lado ficava uma linha de comboio, onde pelos vistos já não passavam comboios. Havia um museu dos comboios, mas não era isso que me apetecia ver.

Apetecia-me beber um belo de um café. E, mesmo ali ao lado estava um café magnífico. Eu achava que nós é que sabíamos estar num café, mas a verdade é que os nosso cafés não servem para mais nada a não ser... Tomar café, umas cervejas e pouco mais. Ali, tínhamos um café onde se podia estar sentado em belas poltronas e ler algumas revistas (actuais) enquanto se bebia um café ou um refrescante.

Depois do café, seguimos para sul. San Diego esperava-nos... E, Tijuana, se chegássemos cedo.

Já estava a ficar farto de civilização e da confusão das praias. Em agosto qualquer praia é confusa, especialmente nas famosas praias do sul da Califórnia, um género de Algarve, mas mais frio, apesar de ter aspecto de mais tropical.

A Cláudia decidiu que queria ir a um centro de informação turístico. Bem, eu tentei persuadi-la a não o fazer, porque era perda de tempo, mas em San Clemente não tive hipótese e tive que ir. Os centros de informação, regra geral são uma porcaria e só mostram aquilo que todos os turistas devem visitar, mas ali ainda eram piores. Em San Clemente, ambos as pessoas que estavam a atender falavam espanhol e falavam-no entre si como se nós não os entendêssemos. Os americanos não entendem nenhuma língua a não a ser a sua, e até o inglês têm dificuldade de entender, isto apesar de julgarem que sabem falar espanhol, porque sabem dizer meia dúzia de palavras e acham que o espanhol é como a sua língua materna e resume-se a esses vocábulos. Por esta razão é fácil para os mexicanos falarem e não serem entendidos pelos gringos, mas nós sabíamos mais do que eles pensavam. Mas, nem disseram nada de mau...

O mais lindo foi quando a Cláudia perguntou qual era a melhor praia da região e a tipa disse que só conhecia a praia de San Clemente. Será possível que alguém que trabalhe num centro de informação turística conheça apenas uma praia. Ah! E, além disso todos os panfletos que tinham eram de San Clemente, e poucos eram turísticos, mas sim comerciais.

Fomos até à praia de San Clemente. A praia era linda. A envolvente era demais. A típica praia do sul da Califórnia. Um pontão, o típico pontão de madeira a entrar pelo mar a dentro, a areia infestada de gente e... a água gelada do pacífico. Enchia os olhos, mas não trazia nada de novo a uns turistas habituados a praias.

Ainda parámos num dos acessos à praia, para tirar uma fotografia a uma casa em construção. Pode parecer tolice, mas a verdade é que pouca gente acredita que as casas na Califórnia são feitas de madeira. Sim! Nas sua maioria, e mesmo edifícios altos, como o da RM&P, que tinha 13 andares era feito de madeira, obviamente com uma estrutura metálica de suporte. Mas, as casas mais baixas são feitas de madeira, género contraplacado e construídas em dias com acesso a um "agrafador" de pregos. É impressionante ver como se constrói e destrói uma casa em questão de dias. Aliás, na visita que fizemos ao castelo de Haerst, quando a guia disse que a casa era feita de cimento, um casal de americanos que estava ao meu lado afirmou, batendo na parede, "impressionante, de cimento". E, a Patrícia contou-me uma vez que tinha dificuldade em explicar aos colegas que a casa onde vivia em Portugal era de cimento.

Atravessámos uma zona militarizada, embora fosse pouco perceptível. Antes de ir para a Califórnia, num dos últimos jornais que tive a oportunidade de ler, saiu uma reportagem sobre um campo militar para onde os pais mandavam de férias, os filhos problemáticos. Pois foi esse campo que passámos. O Campo Joseph H. Pendleton onde os meninos reguilas levavam um puxão de orelhas que os faziam chegar a perder muitos quilos de peso.

E, voltámos a parar num centro de informações turísticas em Oceanside. Já nem foi muito pelas informações, mas sim por causa da casa-de-banho, porque as informações turísticas baseavam-se no Zoo de San Diego, o parque da Lego e da Disney e mais uma série de campos de golf e hotéis. Tudo informação mais comercial que turística, como seria normal num país que se move em função do dinheiro.

E, por falar em dinheiro, foi para gastá-lo que seguimos caminho até Carlsbad, onde almoçamos e visitamos as outlets locais. Mas, não sei antes termos uma conversa com um típico californiano de havaina, surfista sexagenário, sobre o verdadeiro tempo da Califórnia. Ele, que estava no centro de informação, dizia que realmente os turistas vêem com a ideia que a Califórnia é, em termos de tempo, como a Florida. E, segundo ele, para viver com os níveis de humidade, os insectos e os furacões da Florida, mais valia ter um bocado de frio, de vez em quando, e viver na Califórnia. Concordo! Além disso, surf é na Califórnia... E, isso vê-se claramente em todas as praias.

Não vos vou contar o que se passou nas outlets, porque para além desta crónica já ir longa, não há muito para contar a não ser lojas e, lojas.

Passemos directos a San Diego.

O que dizer de San Diego. Estávamos no centro do espírito californiano. O surf e a boa vida marcava a vida em todas as esquinas. Mas, não pensem que San Diego é uma cidadezita de beira mar e que vive desse facto. Não, San Diego é uma cidade. Há quem diga que Los Angeles se estende até ali, embora eu discorde, pois existem vários pontos sem o ambiente citadino no entremeio. Aliás há quem diga que San Diego seja a praia de Los Angeles mais a sul. Mas, San Diego não é só praia e já cheira a México.

Para quem não sabe, San Diego fica mesmo na fronteira com o México e do outro lado fica a famosa Tijuana. Quem nunca ouviu falar na cidade do divertimento do outro lado da fronteira?

Mas, a nossa chegada a San Diego ficou marcada pela surpresa. Se até ali a condução com trânsito, mesmo em LA, tinha sido relativamente fácil, em San Diego a coisa piava mais fino. O que vale é que um condutor experimentado, como eu, com largos anos de experiência em condução em condições de extrema competição, em ambientes tão hostis como na Rotunda da Boavista do Porto ou no Marquês em Lisboa, qualquer coisa como uma auto-estrada apinhada de carros e tipos a mudarem de faixa a cada dez metros é uma brincadeira de crianças. Aliás, no dia em que chegámos, e poucas horas antes disso acontecer, houve um acidente em que morreram 3 pessoas num carro que saltou a divisória e foi incendiar-se contra outro, em sentido contrário. Acho que vinha a cerca de 160-180 km/h e perseguidos pela polícia. Essa era a razão porque estava tudo parado.

E, tínhamos que atravessar a cidade para ir para o parque de campismo, que ficava numa terra de seu nome Bonita. Parecia que não estávamos já em San Diego. A calma e o à-vontade das pessoas no parque impressionava.

Entrámos pelo parque e demos uma volta. Fomos à recepção e ninguém. Demos mais uma volta e nada. Era impressionante mas parecia que ninguém governava o parque. Perguntei a uns tipos que bebiam umas cervejas à sombra e disseram-me que montasse a tenda, que logo apareceria o Ranger. Dito e feito! Assim, que começámos a montar a tenda, apareceu o Ranger.

Não se chateou muito, mas disse logo que o lugar que estávamos a usar poderia estar já ocupado e que fosse à recepção para preencher os papéis. E, lá fui eu. A pé porque ele foi na sua pickup.

O ranger tinha ar de ser descendente de índios, aliás a recepção parecia uma exposição de artefactos índios. Mas, era muito simpático, atendendo que não chateava muito e falava menos.

Mas, não vos contei ainda o que de melhor tinha aquele parque. Tinha pequenas cercas para cavalos... Nos alvéolos. Sim! Por acaso escolhemos um lugar à sombra num alvéolo sem estábulo, mas na maioria dos alvéolos havia um sítio para as pessoas terem os cavalos. Verdade! Aparentemente o parque pertencia a um clube equestre ou coisa parecida e havia por ali sítios para cavalgar.

Mas, nós estávamos mais interessados em tomar um banho e rumar para o outro lado da fronteira. Estava um pôr-do-sol fantástico, quando acabámos de montar a tenda, o que nos fazia pensar que estaria uma soberba noite para umas tequillas em Tijuana.

Seguimos as placas na 805 que nos levaria até à fronteira de San Ysidro. Porém, não podíamos atravessar a fronteira com o nosso jipaço, pois não tinha seguro extensível ao território mexicano, porque para isso teria que pagar uns dólares a mais e não eram poucos. Não tinha percebido bem porquê, mas em breve iria saber.

Mas, eu já sabia a lição toda. Procurámos um dos muitos parques de fronteira para deixar o jipe e depois do outro lado íamos de táxi para o centro da cidade. Já se viam as luzes da fronteira e largámos o jipe no primeiro parque. Pagámos $7 e disseram-nos logo por onde era a saída para o México e que não pagasse mais que $5 para chegar à cidade.

Não há palavras que definam a fronteira. Saímos do parque e estávamos num corredor entre taipais. Um funcionário fronteiriço mexicano espreguiçava-se numa cadeira, enquanto dizia algo a uns outros que estavam nuns contentores ali ao lado. Ninguém me pediu a identificação, nem ninguém me deu as boas vindas, ninguém ligou ao facto de eu estar em trânsito entre dois países, nem ninguém se importou em saber se eu tinha armas ou droga. Não se passou nada. Parecia que tínhamos andado num simples corredor numa zona em obras.

A Cláudia queria um carimbo no passaporte, e eu nem me importava muito de ter um. Mas, olhámos para os funcionários fronteiriços e parecia que eles sabia muito pouco acerca do que era um passaporte. Seguimos para o fim do corredor, onde nos esperavam os táxis. Mais tarde, o Tiago explicou-me que a verdadeira fronteira fica a 30kms a sul dali, Tijuana é terra de ninguém. Lindo!

Chegámos à praça (se se pode chamar assim) de táxis e fomos abordados por uns três taxistas todos a oferecerem os seus serviços. Recusámos e seguimos até ao primeiro da fila, não queria arranjar confusões. Mas, depressa apercebi-me que afinal não havia fila nenhuma, nem de táxis e nem de utentes. Era o verdadeiro salve-se quem puder.

Perguntei ao primeiro taxista quanto teria que pagar para me levar até ao centro de Tijuana. "Six dolars" respondeu-me... Pois! "Só pago $5" - disse-lhe ao que ele me respondeu "Então vamos"... Viva o México!
Há uma música que só ouvi depois de ter estado em Tijuana, mas que traduz exactamente aquilo que eu penso da cidade. Chama-se "Welcome to Tijuana" e é do Manu Chao. Pode ser que ainda vos envie um trecho, mas começa assim:

"Welcome to Tijuana
Tequila, sexo y marihuana
Welcome to Tijuana
Con el coyote no hay aduana"

Que traduz exactamente o que se passou na fronteira "Con el coyote no hay aduana"...

E, de repente ao aproximarmo-nos da cidade, um mar de luzes aleatoriamente colocada enchiam o horizonte. No entretanto já tinha escurecido e só se viam luzes dispersas monte acima até se perder de vista. Mas, ao contrário das cidades americanas em que as ruas são perpendiculares e paralelas e por isso existe uma harmonia na iluminação, ali parecia que andaram a colocar luzes de natal por uma extensão de terreno enorme. E, além disso como as habitações deveriam ser todas térreas e da mesma altura, parecia que o caos era maior.

Eu fiquei de boca aberta e a Cláudia perguntou (em espanhol) ao taxista o que era aquilo, ao que simplesmente ele respondeu "Tijuana".

Pedimos para nos deixar no centro, num restaurante que servisse bem e barato. E, ele largou-nos à porta de um bar chamado "Iguanas Ranas", que ficava no primeiro andar de um edifício. Mas, antes disso conseguimos perceber porque é que San Diego tem condutores mais "ousados" que no resto dos Estados Unidos.

De repente, assim que penetrámos, naquela mancha de luzes fracas mas que se estendiam por uma extensão enorme, estávamos no verdadeiro caos de Tijuana. Acho que o taxista não andou mais de dez metros sem mudar de faixa e ultrapassava por onde dava mais jeito. Os carros eram os mesmos que os americanos usavam há vinte anos e os autocarros pareciam saídos de um qualquer filme sobre antiguidades dos transportes públicos. E, multiplicavam-se os autocarros nas ruas e paravam onde dava mais jeito. Não se andava muito depressa, é verdade, porque logo a seguir estava alguém parado, porque alguém tinha parado para falar com alguém que estava parado. Mas, sempre sem stresses.

Subimos para o Iguanas Ranas (http://www.sdro.com/iguanas/index.html). O bar/grill/whatever não existe. Tudo quanto é tipo de luz e serpentina está colado no tecto, a música debita um som que ensurdece qualquer um e na varanda, com vista para a rua, tem uns painéis de acrílico que não percebi se era para proteger do vento, para proteger de agressões exteriores ou para prevenir eventuais saltos na atmosfera. Ah! E bandeirinhas, capas de discos e prendas por tudo quanto era parede.

Sentámo-nos e fomos logo atendidos. Também éramos quase os únicos no estabelecimento.

"Bienvenida la cena
Sopita de camarón...
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida mi suerte"

Foi exactamente o que pedimos, um cocktail de camarão, mas que mais parecia uma sopita de camarão. Regado por umas Tecate, a cervejita mexicana que mais nos fazia pensar que estávamos em casa.

Lá fora na rua os autocarros repetiam-se na rua. E, as pessoas...

Desde o início que falámos em espanhol com o empregado e ele, pensado que éramos americanos, repetia-nos que podíamos falar em inglês que ele percebia. Até que a dada altura o rapaz se apercebeu que afinal sabíamos mais do que cinco palavras em espanhol e começou a conversar connosco. Chamava-se Ricky, mas não era Martin.

Estivemos na conversa um bom bocado. Só interrompidos por uns americanos que quiseram beber uma tequilla esquisita. Consistia em enfiar uma tequilla com sumo de limão pela goela do cliente, que estava de cabeça para trás, e abanar-lhe a cabeça enquanto apitava um assobio bem alto. Como ele dizia, uma bebida que dá nas vistas, mas que não faz nada. Mas, os americanos gostam.

E, já estávamos na segunda ou terceira cerveja e decidimos ir a outro bar. O Ricky disse que nos levava até ao bar ali mais abaixo, porque ali na rua e por ser terça-feira, e porque não havia muita gente, era perigoso.

Pois fomos a outro bar. Mais uma vez com seguranças à porta. E, esqueci-me de contar mas já no Iguanas Ranas tivemos que mostrar a identificação, porque só se bebe a partir dos 18 anos.

O bar estava semi vazio, só com um casal de bêbados que nos olharam de lado e de cima a baixo e um grupo de americanas que nem se aguentavam de pé. Tinha espelhos por todo o lado e candeeiros de vidro coloridos. No centro ficava o bar onde trabalhava o amigo do Ricky.

A Cláudia pediu uma tequilla e o amigo do Ricky apontou para uma das filas de garrafas no bar, com mais de vinte garrafas, e perguntou "Qual delas?". Impressionante, como é que era possível haverem tantos tipos de tequilla?

No entretanto as americanas bêbadas dançavam e segundo o Ricky aquilo estava muito calmo, porque ao fim de semana, elas bêbadas chegam-se a despir em cima das mesas. Um amigo contou-me que há bares onde há letreiros que dizem que o nu integral é proibido. Na verdade, os americanos só podem começar a beber aos 21 e quando fazem 18 vão para o México como ritual de iniciação. E, depois fazem aquelas vergonhas... Segundo o Ricky se as areias da praia de Tijuana falassem...

"Bienvenida mi amor
De noche a la mañana
Bienvenido a Tijuana..."

Ali ficámos um bom bocado. Mais uma tequilla e uma de conversa. O amigo do Ricky ficou impressionado por nos ouvir falar espanhol e ainda ficou mais impressionado quando lhe disse que falava português, inglês, francês e ainda percebia algum italiano e alemão. Claro que metade era treta, mas ele ficou feliz e eu não ia contrariá-lo.

Estava na hora de voltar. O Ricky trocou endereços connosco e indicou-nos os táxis seguros para nos levarem à fronteira. Lá fomos.

O taxista pediu-nos $10, mas lá lhe dissemos que se quisesse fazer por $5 que nos levava. E, levou.

Depois foi atravessar a fronteira, sem problemas e quase sem nos perguntarem nada. Tínhamos passaporte europeu e nem olharam para o visto. O problema era mesmo o mexicanos.

Na zona da fronteira, existe uma feira de produtos tradicionais, mas tão rançosos que nem vale a pena comprar.
Fomos buscar o jipe e arrancámos para Bonita, para o nosso parque de cavalos. Muito devagar e com calma, porque já tinha bebido um bocado e não queria problemas com a polícia.

Mas, nem demorou muito para estar a dormir e a pensar em Tijuana, a terra do caos.

"Welcome to Tijuana
Tequila, sexo y marihuana
Welcome to Tijuana
Con el coyote no hay aduana
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida mi amor
De noche a la mañana
Bienvenido a Tijuana...
Bienvenida mi suerte
A mi me gusta el verte
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida mi amor
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida tu pena
Bienvenida la cena
Sopita de camarón...
Bienvenida a Tijuana
Bienvenida mi suerte
Bienvenida la muerte
Por la Panamericana
Welcome to Tijuana
Tequila, sexo y marihuana
Welcome to Tijuana
Con el coyote no hay aduana..."

"Welcome to Tijuana" - Manu Chao: Pequeno Trecho em MP3 (248kb)



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