Foi há um ano que tudo começou.
A esta hora estava dentro de um Boeing 747-400 a caminho da terra
prometida, do sol e das mulheres bonitas. Sobrevoava a Gronelândia
ou o Canadá e tentava dormir, para que o tempo passasse
mais depressa, dentro daquela máquina infernal e cheia
de gente. Deixava Portugal, a mulher, a família e amigos à espera
que esta aventura me trouxesse melhores dias.
Chegaria ao aeroporto de SFO cerca das duas da
manhã em Portugal, seis da tarde na costa oeste dos Estados
Unidos. Não encontrei o sol, nem as mulheres bonitas...
Mas, isso não é o importante agora.
Agora, o importante é escrever mais uma das minhas crónicas
ou chego à comemoração do primeiro ano sobre
o meu retorno e ainda ando a contar as histórias das minhas
aventuras em terras da Califórnia.
Domingo, 6 de Agosto de 2000
Como ainda se devem lembrar, eu andava de férias
com a Cláudia. Partimos há um dia e mais umas horitas,
num Kia Sportage - o nosso jipaço.
Estávamos em Big Sur na costa do pacífico
a sul de Carmel-By-The-Sea, junto à estrada panorâmica
número um, num parque de campismo sem acesso automóvel.
Como o acesso tinha de ser feito a pé,
os americanos não eram muitos. Aliás, as primeiras
vozes da manhã falavam espanhol. Uns putos andavam ali à volta
da tenda, gritavam e parecia que andavam a jogar futebol. Mas,
depressa as vozes diversificaram e de repente ouviam-se mulheres
e homens na conversa. Todos falavam espanhol.
Eram mexicanos, obviamente.
Como é normal nos Estados Unidos, nunca
se olha onde se monta a tenda. A verdade é que como estão
habituados a não ter persianas em casa, e por isso a acordar
com a luz da manhã muito cedo, não têm necessidade
de pensar onde fica a sombra de modo a não apanhar com
o sol da manhã e assarem na tenda. Mas, nós portugueses
dorminhocos, temos esse cuidado.
No noite anterior tive o cuidado de saber onde
iria nascer o sol (através da ursa maior - se quiserem
depois eu ensino-vos) e portanto montámos a tenda no sítio
que estaria à sombra pela manhã. Por sinal e surpreendentemente
não estava nenhuma tenda nas redondezas.
Mas, de manhã a família de mexicanos
resolveu que havia de tomar o pequeno-almoço à sombra
e arrastou a mesa para junto da nossa tenda. E, como quando se
fala em famílias mexicanas se fala num autocarro de dois
andares cheio de gente, a barulheira era demais para quem gostaria
de dormir mais um bocado.
A verdade é que estávamos de férias
e podíamo-nos dar ao luxo de estar mais um bocado na sorna.
Mas, por outro lado, sair cedo também era uma boa ideia,
pois quanto mais víssemos nas férias melhor.
Fizemos o pequeno-almoço, enquanto gozávamos
com a maneira de ser e estar daquela família de mexicanos.
A primeira de muitas com quem iríamos deparar nas nossas
férias, pois andámos quase sempre a acampar e num
parque de campismo é fácil de ver onde estão
os mexicanos. São aqueles que estão a cantar, a
comer e beber o dia todo amontoados, numa meia dúzia de
tendas no mesmo alvéolo, embora as normas do parque digam
que é proibido mais que três tendas e quinze pessoas.
Casa de banho não havia no parque. Apenas
uns cubículos com um buraco no chão e uma chaminé para
que os gases nocivos, criados nestes ambientes hostis, possam
dispersar para a atmosfera. Então, depois de arrumar tudo
no jipaço, resolvemos ir dar um mergulho no rio Big Sur,
como vimos alguém fazer.
A água estava gelada mas, nada que não
fosse suportável. Aliás a corrente tornava a coisa
mais fácil de suportar e por outro lado o que tornava
a coisa mais fresca era a brisa marítima, pelo que dentro
de água nem se estava muito mal.
O tempo passava devagar.
O jipaço estava a precisar de gasolina
e como não sabia o que me esperava nas próximas
milhas, enchi o depósito ali mesmo em Big Sur. O tipo
sabia bem o que estava a fazer e sabia que ali perto não
haviam muitas bombas. Por isso, paguei a gasolina a $2.49 o galão
(150$00 o litro, sensivelmente), quase um dólar acima
do que pagava perto de casa. Nunca paguei a gasolina tão
cara nos Estados Unidos, nem em Beverly Hills.
Pusemo-nos a caminho para sul. Seguimos a número
um, parando aqui e ali para ver uns leões marinhos, umas
aves de rapina ou porque existia um miradouro e queríamos
aproveitar para ver a costa. E, nessas paragens decidimos parar
no Parque Estatal de Julia Pfeiffer Burns para podermos ir à casa-de-banho.
Surpreendentemente, nos Estados Unidos dos locais
turísticos super-assinalados, aquele tinha uma pequena
placa na estrada e surpreendentemente, era o local mais conhecido
dos postais de toda aquela costa. Era o parque onde existia uma
das mais bonitas paisagens de praia que já vi. Aquilo
a que alguém amigo chamou de "A Mijinha".
Imaginem uma praia de águas azuis e verde
claro transparentes e onde há uma queda de água.
Paradisíaco. Mas, como é normal nos Estados Unidos,
inacessível. Sim! Aquela praia era um paraíso proibido.
Não se podia descer à praia e apenas podia-se apreciar
a beleza do local a partir de uma varanda lateral, onde os sinais
de proibido transpor a cerca, eram uma constante. Depois mando-vos
uma foto das Mckay waterfalls.
Parámos depois numa terra assinalada no
mapa como Gorda. Mas, de povoação não tinha
nada a não ser um restaurante e uma loja de recordações... E,
uma máquina de café, que era o que ansiávamos
ver por ali.
Na loja de recordações, onde estava
a máquina de café, fomos atendidos por um negro
todo vestido de branco e de cartola alta branca. Uma personagem única
e tenho pena de não ter tido a coragem de lhe pedir para
tirar umas fotografias, porque parecia o Cristo de Cartola de
Freixo de Espada-à-Cinta, mas negro. E, como se não
chegasse ser assim atravessado, tinha de ser de Nova Iorque.
O sotaque era carregadíssimo e a Cláudia ficou
devera impressionada com a personagem e como era fácil
destinguir sotaques para quem tinha acabado de chegar.
Mas, para assinalarem aquele lugar no mapa é porque
haveriam poucos locais povoados nas imediações.
Ali a densidade populacional é tão baixa fora das
cidades que desconfio que há zonas onde as roullotes que
se vêm no deserto e onde vivem pessoas estão assinaladas
no mapa local como povoações.
Depois de comprado o café, começamos
a perceber os comodismos americanos dentro dos seus carros. O
porta-copos é excelente para quem vai a conduzir e a beber
um café e o ar-condicionado... A segunda maravilha
depois do motor do carro, como iríamos ver no deserto.
Mais a sul fomos obrigados a encostar pela polícia,
junto a um parque de estacionamento, com vista sobre o pacífico
e com painéis interpretativos. Não sei porque é que
fomos convidados a encostar mas, já que ali estávamos
víamos o que havia para ver. Eu suponho que a polícia
estava a mandar sair da estrada porque haviam obras e estava-se
a criar uma fila de automóveis enorme. E, ali naquele
parque o pessoal até que se distraía um bocado.
Estavam na praia, a cerca de cem metros do parque
de estacionamento, uma família de elefantes marinhos.
E, que elefantes... É impressionante ver aqueles animais
que têm cerca de 5 metros de comprimento e que pesam algo
como uma tonelada, a lutarem uns com os outros. O porte deles é qualquer
coisa de aterrador e as presas metem respeito a qualquer elefante
terrestre. Estou a exagerar um bocado mas, para quem lia aqueles
painéis explicativos era uma das ideias com que ficava.
A praia estava cercada por uma cerca e o mais próximo
que se podia chegar dos bichos era cerca de cinquenta metros... Ainda
bem, porque se eles se lembravam de vir para cima de nós.
A estrada já estava aberta e podíamos
seguir caminho. Seguimos até San Simeon, onde nos esperava
o Castelo do Hearst, o tipo onde o Orson Wells se inspirou para
fazer o filme "Citizen Kane", em português "Um
Mundo a seus pés", se não me engano.
Agora sim e como é normal nos Estados Unidos,
havia um grande centro de recepção com museu, filmes
e demais artigos de recordação do sítio
e que faziam as delícias de qualquer carteira bem recheada.
Nós decidimos fazer uma das quatro visitas possíveis à mansão
do senhor, chamada de castelo pelos seus amigos e familiares.
A casa era tão grande, que haviam quatro
visitas possíveis à mansão e em cada uma
mostrava-se apenas uma parte da casa. Acho que haviam partes
comuns nas visitas, como as piscinas, mas não posso garantir.
Pagámos o bilhete e meteram-nos nuns autocarros
do tempo da segunda guerra mundial e fomos levados até à mansão.
Esta ficava a cerca de cinco quilómetros do centro de
recepção, no cimo de um monte dourado devido às
ervas secas pelo sol e cuja estrada de acesso serpenteava, enquanto
o trepava.
Entrámos pela piscina ao ar livre. Um sonho.
Qualquer coisa que é impensável por um comum mortal
como eu. Tinha cerca de cinquenta metros de lado a lado, e era
mais funda de um lado que do outro mas, o desenho do fundo estava
feito de tal maneira que não se notava. À volta,
uma série de estátuas semelhantes àquelas
que se associam ao império romano e uns repuxos de água
que saindo de algumas se depositavam nas águas azuis da
piscina. A meio da piscina uma estátua monumental como
se de uma fonte romana se tratasse. E, ainda umas estruturas
semelhantes ao Templo de Diana em Évora nas pontas da
piscina.
Pelos vistos o Sr. Haerst gostava de nadar e para
além desta ainda havia outra piscina coberta dentro da
casa... Mas, já lá vamos.
Em seguida passámos a uma das áreas
de aposentos dos convidados, que aparentemente eram quatro. A
que vimos era de inspiração mediterrânica,
assim um estilo italo-espanhol. Entrava-se por um lado e seguindo
um percurso interno sai-se já próximo da casa principal.
O tipo também gostava de receber pessoas em casa dela
mas, era muito exigente com os convidados. Haviam horas certas
para jantar e fora delas não se comia, por isso não
haviam cozinhas nos aposentos dos convidados. Além disso
e, apesar de haver muita dormida, só convidava meia dúzia
de pessoas de cada vez. Uma presença normal era o Charlie
Chaplin mas haviam outros...
Passámos pela esplanada italiana e pelos
deuses egípcios que decoravam o jardim e que eram a peça
de arte mais antiga da casa e entrámos na casa principal.
De inspiração numa igreja espanhola, era uma coisa
descomunal. Impressionante. Indiscritível. Só na
América.
Eu não vos vou maçar com descrições
pormenorizadas mas, deixo-vos algumas ideias. O tecto da sala
de estar era decorada com painéis de madeira trabalhados
e as paredes com cadeiras de coro de mosteiros e igrejas europeias.
Aquelas cadeiras em que os monges se sentam quando cantam. A
sala de jantar também as tinha.
A lareira da sala de estar era da minha altura
e a mesa da sala de estar devia de ter mais de dez metros. Tudo,
mas tudo, naquela casa era comprado na Europa, África
ou no Oriente. Tapetes, candeeiros e até mantas nas paredes
tinham mais anos que os Estados Unidos têm de história.
Impressionante como muita da história europeia está ali
em exposição. Aliás essa foi uma das nossas
dúvidas - Como é que ele tinha comprado aquilo
tudo? Era roubado?. Disseram-nos que a maioria das coisas provieram
de remodelações de igrejas. O que é normal.
Nós não dávamos valor àquilo e ele
sim.
Por fim fomos ver um filme sobre a casa em que
mostrava como eram os dias com as visitas e com o Sr. Haerst.
E, por fim a piscina coberta. Outro sonho!!! Toda em ladrilho
azul e dourado. Com candeeiros em todos os lados... Não
consigo descrever!!! Só visto...
Voltámos na mesma camioneta da segunda
guerra mundial pela estrada sinuosa e que em tempos foi povoada
por animais das mais diferentes proveniências e em que
os condutores/visitas eram obrigadas a parar para lhes dar prioridade.
O homem era um doido...
Fomos até San Luis Obispo. Pelo caminho
fomos sobrevoados por aviões anti-incêndio que iam
buscar água ao oceano para tentar apagar os fogos que
vocês já conhecem e que na altura assolavam toda
a costa oeste dos Estados Unidos.
Em San Luis Obispo, decidimos parar para jantar,
levantar dinheiro e calmamente decidir onde dormir.
Jantámos no restaurante Imperial China
cujo dono coleccionava fotos e autógrafos de pessoas importantes.
Mas, isso não lhe valia de muito, pois foi sem dúvida
a pior comida chinesa que já vi e que já comi. É impressionante
como se consegue fazer um MacDonalds de comida chinesa. Nunca
vi um serviço tão rápido... Não
admira, era tudo já preparado e só passar por microondas.
Uma pasta tipo hamburguer a fazer de conta que era comida chinesa.
Que coisa horrorosa... Se forem a San Luis Obispo nunca vão
ao Imperial China.
Mas, deu para decidir onde haviamos de ir dormir.
Seguimos para sul, para ganhar algum tempo e fomos dormir a um
parque de campismo na Floresta Nacional de Los Padres, junto
ao Lago de Cachuma, quase em Santa Barbara.
Chegámos tarde, como era normal. Era quase
meia noite, mas ainda estava aberto.
Montámos a tenda e começámos
a olhar à volta e éramos os únicos que não
tínhamos uma fogueira. Ali até que estava fresco,
perto da água do lago. Fomos à casa de banho e
vimos umas tábuas abandonadas. Já podíamos
fazer uma fogueira.
As tábuas eram enormes mas, para arder
serviam bem... Ficámos ali a namorar, a ouvir os patos
e a água que ficava ali perto. Não haviam tendas
no raio de alguns metros.
Estávamos felizes por estarmos juntos e
já cheirava a férias, longe da civilização.
Era difícil dizer o que nos tinha ficado
mais marcado na memória... Mas, tudo o que escrevi
aqui ficou bastante marcado.
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