Os últimos tempos têm sido difíceis.
A definição de prioridades e a gestão de tempo
tem sido prejudicial à escrita destas crónicas. Mas,
não vos quero privar da minha vida e como estamos na época
do Natal, não podia de vos enviar uma prenda.
Há um mês e meio que não vos
escrevia as minhas aventuras...
Sábado, 5 de Agosto de 2000
Acordámos cedo. A excitação
da partida para férias, a luz da manhã e os barulhos
do condomínio fizeram com que o despertar se fizesse bem
cedo. O que convinha, porque apesar de não haver um plano
bem definido do nosso destino, queríamos andar o mais possível
e ver o mais possível. Queríamos aproveitar bem os
poucos dias que tínhamos o imenso território do sul
da Califórnia... E, muito mais!
O Mário e a Sá encheram a mesa do
pequeno almoço de iguarias, algumas das quais não
via há já oito meses. Um Roquefort magnífico
que me deixou a lamber os beiços o dia todo.
O Mário emprestou-me a câmara de vídeo,
para que pudéssemos filmar as nossas férias. Obrigado
Mário e Sá por nos terem recebido e por nos terem
facultado os meios para que hoje, eu e a Cláudia, passamos
recordar melhor, as magníficas férias de verão
na Califórnia, Nevada, Arizona e Utah.
Aliás o Mário no dia anterior já me
tinha dado umas luzes sobre o funcionamento da câmara, pelo
que depois de tomado o pequeno-almoço e de uma de conversa,
partimos para férias.
Saímos às 11h. São José é uma
paranóia. Auto-estradas por todo lado e prédios mais
altos que em São Francisco. Aeroporto no meio da cidade
e marcações confusas. Uma cidade! São Francisco
ao pé disto parece um paraíso de acalmia.
Como se não chegasse a confusão para
sair de São José ainda tivemos que apanhar trânsito
a caminho de Santa Cruz, a primeira paragem do percurso.
Eu já vos falei de Santa Cruz, porque estive
lá algures na primavera, num dia chuvoso. Aliás,
aquilo com sol é muito pior... Porque com a chuva, o pontão,
o parque de diversões e a praia estavam desertos e esta
com as correntes estava cheia de troncos, o que lhe dava um ar
nostálgico. Mas, com sol, estava um magote de gente aos
berros na montanha russa e a praia limpa perdeu o seu ar nostálgico.
Porém, o frio era quase o mesmo. Estas praias do norte da
Califórnia não são muito boas.
Também não ficámos muito tempo.
A vontade de ver praias assim não era muita e rumámos
a sul, pela número um.
Algures na estrada, no meio dos famosos campos da
Califórnia, parámos para comprar alguma fruta, pois
a fome já apertava. É surpreendente como existem
casas de banho em todo o lado. É verdade que são
do género festival-de-verão-concerto-para-muita-gente,
mas sempre estão limpas e evitam a sempre condenável
urinada-às-escondidas-no-arbusto.
Mas, mais surpreendente foi ver um grupo de camponeses
mexicanos, género escravo por meia dúzia de dólares
para apanhar fruta, ali no meio do verde dos campos a apanharem
um fruto próprio da Califórnia, que não me
lembro o nome (julgo que nunca o soube, mas já vos falei
dele, porque o Ken deu-me uma vez a comer no veleiro) e andar uma
carrinha com casas-de-banho atrás deles. Sim! Verdade. Estão
a imaginar em Portugal? Em que os trolhas vão ali ao pinhal
mais próximo do obra? (a verdade é que também
isto está a mudar em Portugal)
A verdade é que parámos para comprar
fruta e ainda só falei de casas-de-banho. Mas, que querem
que vos diga da fruta? Vocês sabem que as laranjas da Califórnia
são iguais às do Algarve? Pois é. São
cor-de-laranja, tem casca e gomos...
Chegámos a Monterey, aquela que foi a primeira
capital da Califórnia. Parámos no centro de turismo
e fomos recolher informações para sabermos onde ir.
Tínhamos na ideia fazer a Seventeen Miles Road, mas, já nos
tinham dito mal e bem... Pelo sim e pelo não fomos.
Mas não sem antes pararmos para almoçar.
Para começar as férias nada melhor que um Jack In
The Box, o melhor sucedâneo do MacDonalds. Enquanto comíamos
lá dentro reparei que o guarda andava cá fora com
uma vara a mexer nos pneus dos carros. Só quando se aproximou é que
topei que andava a marcar os pneus com giz, porque aquele era um
parque de estacionamento limitado no tempo. Então ele marcava
os pneus e assim sabia há quanto tempo as pessoas estavam
estacionados. Só ali...
Ficámos até ao limite do tempo, só para
chatear o tipo... E, rumámos às 17 milhas.
A estrada das 17 milhas é uma estrada que
faz um percurso por entre campos de golfe e casas abastadas, desde
a baía de Monterey até à baía de Carmel,
ou vice-versa. Entre as baías existe um cabo rochoso com
umas paisagens fantásticas e que alguém resolveu
explorar comercialmente. Imaginem que alguém se lembrava
de começar a cobrar portagem em Peniche para se ir até às
praias e rochedos. É mais ou menos isso...
Pagámos $7.75, deram-nos um mapa explicativo
dos lugares e fomos parando de ponto em ponto de interesse.
Parámos na Baía Espanhola, chamada
assim porque algum espanhol parou ali à procura da baía
de Monterey e que não era mais que uma linda praia de areias
claras. O dia estava cinzento o que dava um ar nostálgico àquelas águas.
Principalmente no ponto seguinte - o Restless Sea. Uma estrutura
rochosa submersa e várias correntes que ali se juntam formam
uma massa de água onde é difícil definir qual
a direcção da ondulação e mesmo se
ela existe.
Mas, o mais surpreendente foi ver uma foca deitada
de peito para o ar, com uma pedra sobre a barriga e a partir camarão
nela. Camarão ou amêijoa não percebi bem. Ficámos
ali a filmar a foca e a ver como ela mergulhava naquele mar esquisito
e sem forma e voltava à superfície para partir a
comida e comer.
Estava frio, não dava para estar parado muito
tempo no mesmo sítio. Em seguida, a Seal Rock, que como
diz o nome era um rochedo com focas... Leões marinhos e
aves de várias espécies. Ah! E uma casa de banho.
Não na rocha, que essa estava afastada e sem ligação
da costa alguns metros, mas ali ao lado.
Indianos e japoneses povoavam o ambiente. Parecíamos
quase os únicos ocidentais.
Saímos dali e tivemos que nos desviar da
rota. Ali mesmo no meio de um campo de golfe, a menos de uma centena
de metros das pessoas, passeavam-se veados. Aproveitavam o verde
do campo de golfe para matar a fome e nós aproveitámos
para queimar mais um bocado de filme...
Depois, ainda há que assinalar a Ghost Tree
que para nós era uma árvore como algumas dezenas
que ali haviam. Era um cipreste cuja cor foi gasta pelos ventos
e à agua da beira mar e ficou branco. Por outro lado com
o vento ficou toda torcida o que lhe dava um ar pavoroso. Mas,
o cipreste mais bonito é o que está sozinho no cimo
de um rochedo e que inspirou algumas pinturas famosas - O Lone
Cypress. Eu suponho que os Cypress Hill também foram buscar
o nome àquele sítio.
As casas que ali existem tem uma vista de sonho.
Eu sei que naquela altura, os turistas devem ser uma dor de cabeça,
mas no resto do ano...
E chegámos a Carmel, uma vila à beira
mar. Na praia um tipo fazia quadros de areia colorida, enquanto
outro fazia uma estátua de areia de uma sereia em tamanho
real. Cobrava-se $1 para as fotografias. Nada é de borla
nesta terra.
Andavam dois casais de brasileiros a comentar alto
as obras de arte, como se ninguém percebesse o que eles
diziam. Rimo-nos.
Eu comecei a entrar em stress. Era sábado
e estava a ficar tarde para arranjar sítio para ficar. Eu
já conheço os americanos, saem todos ao fim-de-semana
e como era verão iam todos para a praia. O mais provável
era não haver vagas nem nos parques de campismo, nem em
motéis.
Vimos uns números de telefone no guia de
campista, mas, ninguém atendia. Eu estava a ver a minha
vida a andar para trás. Já eram quase 5h da tarde,
a hora em que os americanos fecham todos os estabelecimentos. Decidimos
ir até Big Sur e ver se os parques de campismo assinalados
tinham vagas e depois calmamente gozávamos por lá o
resto do dia. Acabámos por ver muito pouco de Carmel, mas
pareceu-me uma vila muito bem arranjada, bonita e muito virada
para o turismo.
Mas, a paisagem, ao pôr-do-sol, da número
um pela costa do pacífico, compensou qualquer perda que
tenhamos feito em Carmel. Os sopés das montanhas que entravam
na água em vários tons de azul do oceano, cortados
por uma estrada sinuosa que em alguns sítios tinham pontes
de arco em cimento, eram surpreendentemente belos. Os tons de castanho
e azul a misturarem-se e com o nevoeiro a espreitar por entre os
cumes das montanhas, davam àquela hora um quadro difícil
de descrever. Eu tirei umas fotos, mas, não traduzem o momento.
Chegámos ao parque. Haviam carros estacionados
cá fora. Será que estava cheio? Qual quê...
O Parque de campismo era de acesso pedestre, pelo que não
era muito agradável para os americanos. Não se podia
levar o carro até ao lado da tenda. Além disso era
enorme e foi o único em que se podia acampar em qualquer
sítio, sem alvéolos. Pagámos $3. Impressionante,
mas é verdade... Nunca dormi tão barato em terras
do Tio Sam.
Carregámos as coisas até ao parque,
por um caminho sinuoso de 500m, por entre árvores e junto
ao rio Big Sur. Levámos apenas a tenda e os sacos-cama,
mas, houve quem se fizesse acompanhar por geleiras, cadeiras e
até grelhadores. Era impressionante ver um puto a tentar
carregar uma geleira quase tão grande como ele e carregada
por entre aqueles sendeiros.
Montámos a tenda e fomos passear até à praia.
Haviam avisos de cascavéis por todo o lado. Para mim já era
normal, porque basta ter havido uma cascavel em 1950, naquele sítio,
que para os americanos seja um perigo actual. Mas, a Cláudia
estava assustada... E, ainda mais ficava quando a cada esquina
eu tentava assustá-la com barulhos, que supostamente eram
de cascavéis. Mas, depressa lhe passou o medo e começou
a brincar também.
A praia estava cheia de ramos de árvores
e algas. Não se via areia nenhuma. Parecia que tinha havido
um furacão e tinha acumulado aquilo tudo ali. Porém,
depois de uma aproximação mais forçada, lá vimos
que os ramos estavam amontoados de modo a construírem abrigos.
Pelos vistos o pessoal curte ir para a praia e fazer tendinhas.
Também com aquele frio, só mesmo protegidos.
Mas, não estávamos sozinhos... Andavam
ali uns orientais à pesca.
Voltámos e fomos à aldeia tentar comprar
alguma coisa para comer. Pois! Saímos com a geleira vazia
e as aventuras e correrias do dia fizeram com que não tivéssemos
muito que comer.
Os outros parques de campismo estavam todos esgotados.
Imagino o preço que se pagaria naqueles luxuosos parques.
E, estávamos tão bem no nosso... Até ver!
Jantámos à luz da lua e das lanternas.
|