SEXTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 2000 C141
Veados no Golf - Fotografia de Rui Gonçalves

Os últimos tempos têm sido difíceis. A definição de prioridades e a gestão de tempo tem sido prejudicial à escrita destas crónicas. Mas, não vos quero privar da minha vida e como estamos na época do Natal, não podia de vos enviar uma prenda.

Há um mês e meio que não vos escrevia as minhas aventuras...

Sábado, 5 de Agosto de 2000

Acordámos cedo. A excitação da partida para férias, a luz da manhã e os barulhos do condomínio fizeram com que o despertar se fizesse bem cedo. O que convinha, porque apesar de não haver um plano bem definido do nosso destino, queríamos andar o mais possível e ver o mais possível. Queríamos aproveitar bem os poucos dias que tínhamos o imenso território do sul da Califórnia... E, muito mais!

O Mário e a Sá encheram a mesa do pequeno almoço de iguarias, algumas das quais não via há já oito meses. Um Roquefort magnífico que me deixou a lamber os beiços o dia todo.

O Mário emprestou-me a câmara de vídeo, para que pudéssemos filmar as nossas férias. Obrigado Mário e Sá por nos terem recebido e por nos terem facultado os meios para que hoje, eu e a Cláudia, passamos recordar melhor, as magníficas férias de verão na Califórnia, Nevada, Arizona e Utah.

Aliás o Mário no dia anterior já me tinha dado umas luzes sobre o funcionamento da câmara, pelo que depois de tomado o pequeno-almoço e de uma de conversa, partimos para férias.

Saímos às 11h. São José é uma paranóia. Auto-estradas por todo lado e prédios mais altos que em São Francisco. Aeroporto no meio da cidade e marcações confusas. Uma cidade! São Francisco ao pé disto parece um paraíso de acalmia.

Como se não chegasse a confusão para sair de São José ainda tivemos que apanhar trânsito a caminho de Santa Cruz, a primeira paragem do percurso.

Eu já vos falei de Santa Cruz, porque estive lá algures na primavera, num dia chuvoso. Aliás, aquilo com sol é muito pior... Porque com a chuva, o pontão, o parque de diversões e a praia estavam desertos e esta com as correntes estava cheia de troncos, o que lhe dava um ar nostálgico. Mas, com sol, estava um magote de gente aos berros na montanha russa e a praia limpa perdeu o seu ar nostálgico. Porém, o frio era quase o mesmo. Estas praias do norte da Califórnia não são muito boas.

Também não ficámos muito tempo. A vontade de ver praias assim não era muita e rumámos a sul, pela número um.

Algures na estrada, no meio dos famosos campos da Califórnia, parámos para comprar alguma fruta, pois a fome já apertava. É surpreendente como existem casas de banho em todo o lado. É verdade que são do género festival-de-verão-concerto-para-muita-gente, mas sempre estão limpas e evitam a sempre condenável urinada-às-escondidas-no-arbusto.

Mas, mais surpreendente foi ver um grupo de camponeses mexicanos, género escravo por meia dúzia de dólares para apanhar fruta, ali no meio do verde dos campos a apanharem um fruto próprio da Califórnia, que não me lembro o nome (julgo que nunca o soube, mas já vos falei dele, porque o Ken deu-me uma vez a comer no veleiro) e andar uma carrinha com casas-de-banho atrás deles. Sim! Verdade. Estão a imaginar em Portugal? Em que os trolhas vão ali ao pinhal mais próximo do obra? (a verdade é que também isto está a mudar em Portugal)

A verdade é que parámos para comprar fruta e ainda só falei de casas-de-banho. Mas, que querem que vos diga da fruta? Vocês sabem que as laranjas da Califórnia são iguais às do Algarve? Pois é. São cor-de-laranja, tem casca e gomos...

Chegámos a Monterey, aquela que foi a primeira capital da Califórnia. Parámos no centro de turismo e fomos recolher informações para sabermos onde ir. Tínhamos na ideia fazer a Seventeen Miles Road, mas, já nos tinham dito mal e bem... Pelo sim e pelo não fomos.

Mas não sem antes pararmos para almoçar. Para começar as férias nada melhor que um Jack In The Box, o melhor sucedâneo do MacDonalds. Enquanto comíamos lá dentro reparei que o guarda andava cá fora com uma vara a mexer nos pneus dos carros. Só quando se aproximou é que topei que andava a marcar os pneus com giz, porque aquele era um parque de estacionamento limitado no tempo. Então ele marcava os pneus e assim sabia há quanto tempo as pessoas estavam estacionados. Só ali...

Ficámos até ao limite do tempo, só para chatear o tipo... E, rumámos às 17 milhas.

A estrada das 17 milhas é uma estrada que faz um percurso por entre campos de golfe e casas abastadas, desde a baía de Monterey até à baía de Carmel, ou vice-versa. Entre as baías existe um cabo rochoso com umas paisagens fantásticas e que alguém resolveu explorar comercialmente. Imaginem que alguém se lembrava de começar a cobrar portagem em Peniche para se ir até às praias e rochedos. É mais ou menos isso...

Pagámos $7.75, deram-nos um mapa explicativo dos lugares e fomos parando de ponto em ponto de interesse.

Parámos na Baía Espanhola, chamada assim porque algum espanhol parou ali à procura da baía de Monterey e que não era mais que uma linda praia de areias claras. O dia estava cinzento o que dava um ar nostálgico àquelas águas. Principalmente no ponto seguinte - o Restless Sea. Uma estrutura rochosa submersa e várias correntes que ali se juntam formam uma massa de água onde é difícil definir qual a direcção da ondulação e mesmo se ela existe.

Mas, o mais surpreendente foi ver uma foca deitada de peito para o ar, com uma pedra sobre a barriga e a partir camarão nela. Camarão ou amêijoa não percebi bem. Ficámos ali a filmar a foca e a ver como ela mergulhava naquele mar esquisito e sem forma e voltava à superfície para partir a comida e comer.

Estava frio, não dava para estar parado muito tempo no mesmo sítio. Em seguida, a Seal Rock, que como diz o nome era um rochedo com focas... Leões marinhos e aves de várias espécies. Ah! E uma casa de banho. Não na rocha, que essa estava afastada e sem ligação da costa alguns metros, mas ali ao lado.

Indianos e japoneses povoavam o ambiente. Parecíamos quase os únicos ocidentais.

Saímos dali e tivemos que nos desviar da rota. Ali mesmo no meio de um campo de golfe, a menos de uma centena de metros das pessoas, passeavam-se veados. Aproveitavam o verde do campo de golfe para matar a fome e nós aproveitámos para queimar mais um bocado de filme...

Depois, ainda há que assinalar a Ghost Tree que para nós era uma árvore como algumas dezenas que ali haviam. Era um cipreste cuja cor foi gasta pelos ventos e à agua da beira mar e ficou branco. Por outro lado com o vento ficou toda torcida o que lhe dava um ar pavoroso. Mas, o cipreste mais bonito é o que está sozinho no cimo de um rochedo e que inspirou algumas pinturas famosas - O Lone Cypress. Eu suponho que os Cypress Hill também foram buscar o nome àquele sítio.

As casas que ali existem tem uma vista de sonho. Eu sei que naquela altura, os turistas devem ser uma dor de cabeça, mas no resto do ano...

E chegámos a Carmel, uma vila à beira mar. Na praia um tipo fazia quadros de areia colorida, enquanto outro fazia uma estátua de areia de uma sereia em tamanho real. Cobrava-se $1 para as fotografias. Nada é de borla nesta terra.

Andavam dois casais de brasileiros a comentar alto as obras de arte, como se ninguém percebesse o que eles diziam. Rimo-nos.

Eu comecei a entrar em stress. Era sábado e estava a ficar tarde para arranjar sítio para ficar. Eu já conheço os americanos, saem todos ao fim-de-semana e como era verão iam todos para a praia. O mais provável era não haver vagas nem nos parques de campismo, nem em motéis.

Vimos uns números de telefone no guia de campista, mas, ninguém atendia. Eu estava a ver a minha vida a andar para trás. Já eram quase 5h da tarde, a hora em que os americanos fecham todos os estabelecimentos. Decidimos ir até Big Sur e ver se os parques de campismo assinalados tinham vagas e depois calmamente gozávamos por lá o resto do dia. Acabámos por ver muito pouco de Carmel, mas pareceu-me uma vila muito bem arranjada, bonita e muito virada para o turismo.

Mas, a paisagem, ao pôr-do-sol, da número um pela costa do pacífico, compensou qualquer perda que tenhamos feito em Carmel. Os sopés das montanhas que entravam na água em vários tons de azul do oceano, cortados por uma estrada sinuosa que em alguns sítios tinham pontes de arco em cimento, eram surpreendentemente belos. Os tons de castanho e azul a misturarem-se e com o nevoeiro a espreitar por entre os cumes das montanhas, davam àquela hora um quadro difícil de descrever. Eu tirei umas fotos, mas, não traduzem o momento.

Chegámos ao parque. Haviam carros estacionados cá fora. Será que estava cheio? Qual quê... O Parque de campismo era de acesso pedestre, pelo que não era muito agradável para os americanos. Não se podia levar o carro até ao lado da tenda. Além disso era enorme e foi o único em que se podia acampar em qualquer sítio, sem alvéolos. Pagámos $3. Impressionante, mas é verdade... Nunca dormi tão barato em terras do Tio Sam.

Carregámos as coisas até ao parque, por um caminho sinuoso de 500m, por entre árvores e junto ao rio Big Sur. Levámos apenas a tenda e os sacos-cama, mas, houve quem se fizesse acompanhar por geleiras, cadeiras e até grelhadores. Era impressionante ver um puto a tentar carregar uma geleira quase tão grande como ele e carregada por entre aqueles sendeiros.

Montámos a tenda e fomos passear até à praia. Haviam avisos de cascavéis por todo o lado. Para mim já era normal, porque basta ter havido uma cascavel em 1950, naquele sítio, que para os americanos seja um perigo actual. Mas, a Cláudia estava assustada... E, ainda mais ficava quando a cada esquina eu tentava assustá-la com barulhos, que supostamente eram de cascavéis. Mas, depressa lhe passou o medo e começou a brincar também.

A praia estava cheia de ramos de árvores e algas. Não se via areia nenhuma. Parecia que tinha havido um furacão e tinha acumulado aquilo tudo ali. Porém, depois de uma aproximação mais forçada, lá vimos que os ramos estavam amontoados de modo a construírem abrigos. Pelos vistos o pessoal curte ir para a praia e fazer tendinhas. Também com aquele frio, só mesmo protegidos.

Mas, não estávamos sozinhos... Andavam ali uns orientais à pesca.

Voltámos e fomos à aldeia tentar comprar alguma coisa para comer. Pois! Saímos com a geleira vazia e as aventuras e correrias do dia fizeram com que não tivéssemos muito que comer.

Os outros parques de campismo estavam todos esgotados. Imagino o preço que se pagaria naqueles luxuosos parques. E, estávamos tão bem no nosso... Até ver!

Jantámos à luz da lua e das lanternas.



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