Quinta-feira, 3 de Agosto de 2000
Véspera da partida de férias. A minha
cabeça fundia em coisas para me lembrar de fazer antes da
partida. Era tanta coisa de que me queria lembrar e que me esqueci
de quase tudo. Até me esqueci de pedir ao Jesse pelo fogão
a gás...
Para ajudar à entropia tinha que fazer a
minha parte do trabalho geográfico. Havíamos decidido
entre nós acabar a primeira parte do trabalho e distribuí-la
pelo grupo para discussão, nesse dia. Mas, eu nem sequer
tinha começado a escrever uma linha que fosse. Mal cheguei
ao escritório, "fechei a loja" e dediquei-me à escrita
sobre a cultura de Silicon Valley. Em duas horas tinha escrito
o capítulo à pressa e enviei aos meus colegas para
discussão, assim como recebi as partes deles, exceptuando
a do Tiago que estava em formação. Não li
nenhuma das partes, pois a cabeça já não estava
para ali virada.
Depois do dia de trabalho, voltei para casa na Vaynessa
e ainda tinha intenções de arrumar algumas coisas
para não estar atrapalhado no dia seguinte. Mas, não
arrumei nada, porque cheguei tarde demais e tive que sair a correr
para comprar senhas e apanharmos o autocarro para São Francisco. Íamos
ao concerto dos Dandy Warhols no The Great American Music Hall.
Também foi pressa a mais, porque chegámos
cedo, mas mesmo assim já estava gente à porta. A
sala estava esgotada como é costume. Mas, não admira,
porque a sala é minúscula, e, as pessoas vão
cedo para apanhar os lugares melhores nos camarins ou varandins
do primeiro andar.
Comprámos uns burritos e umas cervejas e
fomos comer para casa da RM&P. Os pais da Mónica estavam
por lá e tinham feito jantar para elas. Estivemos na conversa
um bocado até que decidimos descer para o concerto. A mãe
da Mónica estava deveras preocupada com os homossexuais
portadores do vírus da SIDA e que se viam na rua com o seu
ar decadente, doentes e brancos como a cal. Bem, esse é realmente
o ar dos tipos todos, por lá, mas, é porque eles
são mesmo assim e não porque estejam a morrer de
SIDA. Eles são brancos e não fazem praia, rapam o
cabelo e parecem carecas, o que lhes dá ar de doentes, mas,
daí a estarem todos com SIDA. Segundo as estatísticas
são apenas (isto do apenas depende do ponto de vista) 4%
os que têm HIV.
Entrámos na sala e à entrada ofereciam
tampões para os ouvidos, como já é normal.
A Cláudia começou a gozar com o tipo a perguntar
porque é que usavam aquilo. Porque se calhar até põem
o som mais alto, só porque metade do público está de
tampões nos ouvidos. O tipo aconselhou a levar os tampões
porque supostamente os Dandy Warhols eram barulhentos... Defina
barulho!
Demos uma volta pela sala enquanto a banda que fazia
a primeira parte começava a sua actuação.
Eu já descrevi a sala, aquando do concerto dos Eels, mas,
na altura não tinha subido ao primeiro andar. Este, é apenas
um corredor de cada lado da sala, com cadeiras e mesas, onde o
pessoal come e bebe enquanto vê o concerto.
Aliás, a vista para o palco era das melhores.
Dali conseguíamos ver a banda perfeitamente. É, que
como o palco está muito próximo do público,
tem de ser muito baixo e depois, da plateia, só se vê a
banda da cintura para cima, por causa das cabeças dos espectadores à nossa
frente.
A banda era formada por quatro tipos. O vocalista
e guitarrista era parecido com o Garfunkel, loiro e careca, mas,
com um colar havaiano. O teclista era um tipo relativamente normal
se comparado com os outros. O baterista não existia. Com
um penteado algures entre os Jesus and Mary Chain e os Boney M,
com suíças até ao pescoço. O outro,
que tocava um instrumento que produz uns sons esquisitos, que os
Blur usam no M.O.R., estava de chinelos e usava uma cabeleira loira à surfista.
A música roçava a dos Dandy Warhols... Pensei eu,
antes destes últimos começarem a tocar. Porque depois
vi que não tinha nada a ver! Aliás porque conhecia
muito pouco dos Dandy Warhols.
No intervalo aproveitei para ir à casa de
banho, que ficava no primeiro andar ou no mezanino, como quiserem.
E aí, vi uma das formas de publicidade mais estranha que
já tinha visto. A rede no mictório mudava de cor
com o calor da urina e aparecia escrito "Live 105", o
nome da rádio que patrocinava o concerto e que já tinha
oferecido os lindos tampões para os ouvidos, logo à entrada.
Fiquei deveras impressionado, parecia que queriam dizer que a radio
era urino-orientada. Uma publicidade muito boa, mesmo!
Os Dandy Warhols entraram em palco por detrás
de uma cortina de fumo. O vocalista, que é mesmo grande
estava com uma linda t-shirt preta, toda rota. O guitarrista também
envergava uma t-shirt preta com umas grandes letras brancas que
dizia PUNK e que brilhava no escuro. Se calhar era ele mesmo, o
Punk. O trompetista/guitarrista e tocador de batuques e a tipa
estavam ambos de chapéu à cowboy. Ela como verdadeira
americana usava uma t-shirt apertada que abanava verticalmente
quando dançava ou tocava maracas, para delicia dos mais
famintos espectadores. Embora, precisasse de perder alguns quilos.
Por detrás deles estava um écran onde
eram projectadas imagens sem nexo nem sequência aparente,
mas, fiquei surpreendido quando aqueles meninos americanos projectaram
mamilos. Sim! Imagens de nudez num sítio público?
Afinal a América está a mudar.
Mas, está mesmo, porque a meio do concerto
umas tipas perguntaram-nos se nos importávamos que elas
fumasse ali dentro. Bem, a sala estava cheia de gente e eu é que
me ia importar? Se havia quem se importasse eram os donos do bar,
uma vez que é proibido. Mas, elas eram de New Jersey e lá pode-se
fumar. Estavam-se a marimbar para as leis da Califórnia,
estavam era preocupadas se nós, vizinhos directos delas
nos importávamos. Lá fumaram...
Que falar da música dos Dandy Warhols? Confesso
que apenas conhecia um tema dos tipos e que fui ali para tentar
conhecer algo mais, além de que queria mostrar à Cláudia,
a sala e um bocado do mundo da música ao vivo de São
Francisco e porque achava a banda divertida. O único tema
que conhecia era o "Not If you Were The Last Junkie On Earth
(Heroin Is So Passé)" cujo título diz tudo acerca
do gozo que eles querem transmitir. Mas, eles nem sequer tocaram
esse tema.
O concerto centrou-se à volta do último álbum,
que me pareceu algo monótono, apesar de ter alguns temas
bastante mexidos e melodiosos. O que importa é que nos divertimos
e dançamos quase o concerto todo.
A meio do concerto a banda saiu do palco, ficando
apenas o vocalista acompanhado por uma guitarra acústica
e cantou uma versão de um tema da Katrin Hersh, que em tempos
pertenceu às Throwing Muses. O tema a princípio era
imperceptível tal era a distorção do som,
mas o refrão era inconfundível. Essa parte, que no
original é cantado pelo Michael Stipe dos REM, repete-se
até ao final dizendo "I think last night you were driving
cyrcles around me", como se de um círculo infinito
se tratasse. Chama-se "Your Ghost" se quiserem procurar
e é um tema muito bonito e foi muito bonito vê-lo
ali a ser tocado.
A dada altura um tipo que estava atrás de
mim, ao ver-me a cantar, perguntou-me se era um tema do último álbum.
Lá lhe expliquei a origem do tema e as razões que
me lavaram a estar ali, uma vez que só conhecia um tema
da banda. Ele compreendeu porque também ele só estava
ali porque não tinha nada mais que fazer e não lhe
apeteceu estar em casa. E, como o ambiente do bar é porreiro
e o bilhete barato ($10).
Logo de seguida, e para provar que aquilo não
eram só baladas e música pop, atacaram, já com
a banda toda em palco, com uma musica muito parecida ou uma versão
muito alterada do Drug Train dos The Cramps. Não deu para
perceber bem por causa da distorção que pautou durante
todo o concerto. Não sei se de propósito ou devido
a alguma deficiência técnica, mas, o som esteve um
bocado fanhoso.
À saída do bar, e como de costume,
deram-nos uns panfletos promocionais de uma série de bares,
concertos e bandas. E, para novidade deram-nos um par de cassete
de uma banda chamada Palo Alto e que seria a nossa banda sonora
das férias.
Palo Alto? Já imaginaram isto? É como
os Santa Maria que se chamam assim porque são de Santa Maria
da Feira. Eu vou fazer uma banda chamada Esgueira.
Dali ainda fomos a casa da RM&P, porque ainda
vimos as luzes acesas. Estivemos um bocado na conversa à espera
que passasse o tempo que faltava para o autocarro da uma da manhã,
para Corte Madera. Os pais da Mónica já se tinham
deitado e a Patrícia também.
Quando chegámos à paragem estava lá apenas
um tipo com ar de transloucado e com um boné de baseball
na cabeça. Eu reparei logo na maneira como ele nos fixava
e parecia que nos entendia, ou tentava entender. A dada altura
perguntou-nos se éramos brasileiros ou portugueses.
Fiquei pasmado! É raro alguém perceber
alguma coisa do que dizemos. Mas, na verdade ele não percebeu
nada do que dizíamos, mas sabia o som da nossa língua.
Pelos vistos tinha negociado em vinhos e conhecia algumas coisas
do nosso país. Mas, continuava com aquele ar de transloucado.
Chegou o autocarro e a conversa ficou por ali. Ele
sentou-se no banco ao lado do nosso, mas, eu e a Cláudia
começámos a conversar um com o outro e não
lhe ligámos.
Mas, não foi por muito tempo, porque no entretanto
tinha-se gerado uma cena de discussão, na frente do autocarro
e que era o centro das atenções do pessoal todo lá dentro.
Um puto completamente bêbado tinha entrado no autocarro e
não colocou na ranhura do dinheiro a quantia certa do bilhete.
Faltavam apenas 10 cêntimos, mas, o motorista não
podia aceitar a situação e o puto não queria
pôr lá um quarter (25 cêntimos), que era o único
trocado que tinha, porque perdia 15 cêntimos.
Nos autocarros, deposita-se o dinheiro para pagar
os bilhetes numas máquinas e os motoristas nunca mexem em
dinheiro, nem em bilhetes, porque estes também entram para
a máquina. Eles apenas confirmam, ou não, o bilhete
e as quantias certas. Mas, no fim as contas têm que bater
certo ou apanham na cabeça. Porém, eu vi algumas
vezes, alguns amigos dos motoristas que não pagavam.
Mas, o mal ali era que o puto tinha posto parte
do dinheiro e ele não podia confirmar a quantia porque era
inferior ao bilhete. Mais valia que o puto não tivesse metido
nada na máquina. E, o pior é que tinha insultado
o condutor e este tinha ficado fulo. Eu até suponho que
o condutor nem tinha percebido, porque o inglês dele roçava
o chinês.
O puto lá cedeu e antes que houvesse mais
problemas colocou os 15 cêntimos a mais e foi-se sentar,
depois de um tipo que estava atrás de mim ter mandado uns
berros a dizer que aquilo estava a atrasar o autocarro e que ele
queria ir para casa. A verdade, é que isto fez com que o
condutor telefonasse para a polícia, a avisar da ocorrência
para prevenir que o tipo fizesse queixa. Quem se lixou foi o puto
que ao ver que ele chamou a polícia, saiu do autocarro e
ficou no centro da cidade, bêbado e sem dinheiro. Um menor...
Pois bem, são estas coisas que fazem da América
um país de contrastes. Então pelos menores faz-se
qualquer coisa e depois estes andam bêbados, numa terra em
que não podem beber (tem que se ter 21 para comprar álcool)
e são deixados no meio da rua às tantas da noite.
Qual é lógica disto?
A verdade é que a Cláudia já estava
quase a dormir e acordou. E, o nosso translouco que sabia o que
era português, voltou à conversa. Pelos vistos vinha
do Foley's, o bar irlandês onde íamos nos tempos da
pousada. E, vinha de um concerto de música celta. Avisou-me
que o David J ia lá tocar em breve e combinámos marcar
um encontro num pub em Sausalito, para beber um copo.
Ele saiu em Marin City e nós seguimos para
casa, em Corte Madera.
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