SEXTA-FEIRA, 13 DE OUTUBRO DE 2000 C137
Singh - Fotografia de Rui Gonçalves

Segunda-feira, 31 de Julho de 2000

"É amanhã dia um de Agosto e tudo em mim é um fogo posto..."

A manhã acordou com um calor. Ou seria, que por ter estado o fim-de-semana em Utica, num lago a quase 2000 metros de altitude, tinha feito com que a minha noção de calor tivesse sido alterada?

Suponho que não, porque fui na Vaynessa para o escritório e fui sentido o calor pelo caminho. Sabe tão bem, acordar e andar sete quilómetros de bicicleta, mesmo antes de comer alguma coisa e de começar a trabalhar. A verdade é que chego ao escritório com mais apetite e com uma energia muito maior. Obrigado Mariana por precisares do Bólide e me fazeres ver a luz, por uns dias.

Ainda não tinha falado com o Ken desde que chegaram de New Orleans e encontrei-o quando fui à impressora buscar qualquer coisa que tinha mandado imprimir. Ele perguntou-me o que é que eu estava a fazer. Eu fui honesto e disse-lhe que não estava a fazer nada de muito útil, porque tinha tentado começar a fazer uma demo, enquanto ele esteve para fora, e o VisConcept simplesmente crashou e desde aí que tinha pavor de recomeçar. Disse-lhe que tinha desistido de tentar trabalhar com um software que me obrigava a gravar de 2 em 2 minutos e com nomes diferentes. Andava stressado com aquilo.

Para minha surpresa, embora os dias em New Orleans tivessem sido decepcionantes para o VisConcept e para o Ken, este disse-me que também ele tinha desistido desta versão e que estava à espera da próxima para ver se se fazia algo de mais produtivo. Fiquei mais descansado, afinal não era só problema meu.

Falámos de New Orleans e do facto do VisConcept não ter corrido nem um único dia da exposição. Aparentemente e segundo o Ken, nós até ali tínhamos tido uma sorte muito grande em não nos ter acontecido o mesmo, por exemplo, quando eu fui a Los Angeles ou a Detroit. Havia de ter sido lindo se em Detroit me acontecesse aquilo... Se calhar aconteceu, eu é que não estava lá. Se bem se lembram o software resolveu não trabalhar na noite em que foram lá os chefes da Ford e que eu não estava lá.

Falámos das minhas férias, que começavam daí a 4 dias e que segundo ele vinham numa altura pouco propícia, mas que eu as merecia pelo que já tinha feito e pelo que tinha passado até ali. Não era a melhor altura porque ia sair uma nova versão a 15 de Agosto. Esta agora? O tipo vai de férias na altura de saída da última versão e o papel dele é muito mais importante que o meu no seio da equipa e as minhas férias é que vem numa altura pouco oportuna. Aliás como vão ver as razões até era outras, mas só saberei isso quando voltar de férias.

No fim do dia voltei para casa na Vaynessa e quando estava a sair do trilho de bicicletas que segue junto à auto-estrada, para a rua de Casa Buena, numa curva apertada e sem visibilidade, quase que me espeto contra umas das personagens mais enigmáticas da vizinhança. Eu nunca cheguei a perceber se era uma mulher mesmo, ou um travesti, mas se fosse uma mulher era feia que nem um bode e se fosse um travesti, bem, já tinham passado os seus dias. Era uma tipa (vou escolher a maneira mais tradicional de pensar) que se deslocava numa trotinete feita a partir de uma bicicleta, do tamanho de uma bicicleta, com guiador e rodas de BTT, mas sem pedais, nem corrente. Era uma trotinete que como todas se deslocava com impulsos feitos pelo condutor em contacto com o solo e no lugar da habitual pedaleira tinha uma plataforma onde ela se empoleirava. O veículo era demais, ela é que, sinceramente, me ia matando de susto.

Como se não chegasse o susto da mulher-bode-homem-travesti-de-trotinete e logo na esquina a seguir passa-me uma cobra na estrada. O que vale é que cobras daquelas não metem medo a ninguém, porque os raios das rodas da Vaynessa são maiores e mais grossos. Aliás, em Portugal chamava-se àquilo minhoca.

Quando cheguei a casa a Cláudia estava toda contente pois o Singh emprestou uma televisão com vídeo colado, para que ela passasse melhor o tempo. Não percebi muito bem, mas aparentemente o Singh tinha comprado uma nova para ele e emprestou aquela ao pessoal. Que luxo! Já tinha uma televisão no quarto e agora passava a ter outra com vídeo e com 60 canais, digital e super banda.

Para comemorar decidimos ir passear até Larkspur e alugar uns filmes para ver mais tarde. Estava um fim de tarde espectacular e montámos nas bicicletas e lá fomos. Eu no chaço encontrado e ela na Vaynessa.

Apanhámos o trilho das bicicletas que foi em tempos uma linha de comboio que ligava toda a região e que o tempo e o automóvel tornou obsoleta. Cheirava a amoras por todo o lado e os arbustos davam um ar de túnel ao caminho. Dava mesmo gosto passear naquele fim de tarde, ainda mais de bicicleta e com a Cláudia.

Larkspur, no centro é muito gira. Faz lembrar uma verdadeira vila do sul da Europa, mas à maneira americana. As casas são todas de madeira, mas são coloridas e ladeiam a rua estreita de um lado e do outro. Existe uma igreja no meio, que por sinal é católica e um cinema tipicamente americano com néons rosas fluorescentes. Existem duas pastelarias italianas e na antiga estação de comboios, um atelier de um artesão. A terra respira calma e beleza por todo o lado e até tem um restaurante japonés com esplanada e tudo. Estivemos tentados, mas... O que nos esperava não era pior.

Alugámos dois filmes. O Magnólia e Man On The Moon.

Quando voltámos a casa o Singh já tinha chegado e quase apavorado lá me explicou que afinal a TV não era para ir para o quarto. Que era para a Cláudia se entreter e estar na sala a ver filmes. Pediu desculpa pela confusão, mas, compreendia que de vez em quando falava rápido demais e tornava-se difícil de entender. Bem, era uma opinião, a da Cláudia era de que nem devagar se percebe o que ele diz, mas pronto... Eu pessoalmente já o entendo, mas, também estive 9 meses na Vouga e tratava com indianos muitas vezes e habituei-me.

Mas, o que interessa é que tive que andar a colocar a televisão de novo na sala e finalmente sentámo-nos a comer umas anchovas e um polvo, oriundos da terrinha e que a Cláudia tinha conseguido contrabandear para a Califórnia. Tudo acompanhado por uma cerveja Mexicana e a ver um filme americano. Que mistura de culturas!!! Só na América.

Optámos por começar pelo Magnolia. A Cláudia já tinha visto e queria que eu o visse.

Confesso que não me marcou tanto como o American Beauty, se calhar porque o écran era demasiado pequeno e distante e porque se calhar a história não era tão simples. Mas, pela primeira vez gostei de ver o Tom Cruise a representar e a fazer o papel que todos esperavam-no ver fazer, um macho!!!

Aliás achei que há um humor qualquer no filme de que eu não me apercebi ou que se calhar levei demasiado a sério. Acho que um dia destes tenho que voltar a ver o filme para me aperceber melhor das coincidências todas que acontecem no mesmo.

A meio do filme apareceu o Ben que vinha buscar a bicicleta. Vinha acompanhado pela Amy, a colega de apartamento, que não proferiu uma única palavra durante os vinte minutos que esteve em minha casa. Mas, também a Cláudia começou a contar as histórias do fim-de-semana em Utica e a dizer o que achava de mau nos americanos, o seu pudor e a sua sempre presente sede de cerveja. E, a Amy é americana, ao contrário do Ben que é canadiano e goza com eles. Mas, acho que não foi por isso que ela não falou, foi mesmo porque ela é assim... Calada e pacata!



Índice: Página I1 Col. 1
Próxima Crónica: Página C138 Col. 1