Segunda-feira,
31 de Julho de 2000
"É amanhã dia
um de Agosto e tudo em mim é um fogo posto..."
A
manhã acordou com um calor. Ou seria, que por ter estado
o fim-de-semana em Utica, num lago a quase 2000 metros de altitude,
tinha feito com que a minha noção de calor tivesse
sido alterada?
Suponho
que não, porque fui na Vaynessa para o escritório
e fui sentido o calor pelo caminho. Sabe tão bem, acordar
e andar sete quilómetros de bicicleta, mesmo antes de
comer alguma coisa e de começar a trabalhar. A verdade é que
chego ao escritório com mais apetite e com uma energia
muito maior. Obrigado Mariana por precisares do Bólide
e me fazeres ver a luz, por uns dias.
Ainda
não tinha falado com o Ken desde que chegaram de New
Orleans e encontrei-o quando fui à impressora buscar
qualquer coisa que tinha mandado imprimir. Ele perguntou-me
o que é que eu estava a fazer. Eu fui honesto e disse-lhe
que não estava a fazer nada de muito útil, porque
tinha tentado começar a fazer uma demo, enquanto ele
esteve para fora, e o VisConcept simplesmente crashou e desde
aí que tinha pavor de recomeçar. Disse-lhe que
tinha desistido de tentar trabalhar com um software que me
obrigava a gravar de 2 em 2 minutos e com nomes diferentes.
Andava stressado com aquilo.
Para
minha surpresa, embora os dias em New Orleans tivessem sido
decepcionantes para o VisConcept e para o Ken, este disse-me
que também ele tinha desistido desta versão e
que estava à espera da próxima para ver se se
fazia algo de mais produtivo. Fiquei mais descansado, afinal
não era só problema meu.
Falámos
de New Orleans e do facto do VisConcept não ter corrido
nem um único dia da exposição. Aparentemente
e segundo o Ken, nós até ali tínhamos
tido uma sorte muito grande em não nos ter acontecido
o mesmo, por exemplo, quando eu fui a Los Angeles ou a Detroit.
Havia de ter sido lindo se em Detroit me acontecesse aquilo... Se
calhar aconteceu, eu é que não estava lá.
Se bem se lembram o software resolveu não trabalhar
na noite em que foram lá os chefes da Ford e que eu
não estava lá.
Falámos
das minhas férias, que começavam daí a
4 dias e que segundo ele vinham numa altura pouco propícia,
mas que eu as merecia pelo que já tinha feito e pelo
que tinha passado até ali. Não era a melhor altura
porque ia sair uma nova versão a 15 de Agosto. Esta
agora? O tipo vai de férias na altura de saída
da última versão e o papel dele é muito
mais importante que o meu no seio da equipa e as minhas férias é que
vem numa altura pouco oportuna. Aliás como vão
ver as razões até era outras, mas só saberei
isso quando voltar de férias.
No
fim do dia voltei para casa na Vaynessa e quando estava a sair
do trilho de bicicletas que segue junto à auto-estrada,
para a rua de Casa Buena, numa curva apertada e sem visibilidade,
quase que me espeto contra umas das personagens mais enigmáticas
da vizinhança. Eu nunca cheguei a perceber se era uma
mulher mesmo, ou um travesti, mas se fosse uma mulher era feia
que nem um bode e se fosse um travesti, bem, já tinham
passado os seus dias. Era uma tipa (vou escolher a maneira
mais tradicional de pensar) que se deslocava numa trotinete
feita a partir de uma bicicleta, do tamanho de uma bicicleta,
com guiador e rodas de BTT, mas sem pedais, nem corrente. Era
uma trotinete que como todas se deslocava com impulsos feitos
pelo condutor em contacto com o solo e no lugar da habitual
pedaleira tinha uma plataforma onde ela se empoleirava. O veículo
era demais, ela é que, sinceramente, me ia matando de
susto.
Como
se não chegasse o susto da mulher-bode-homem-travesti-de-trotinete
e logo na esquina a seguir passa-me uma cobra na estrada. O
que vale é que cobras daquelas não metem medo
a ninguém, porque os raios das rodas da Vaynessa são
maiores e mais grossos. Aliás, em Portugal chamava-se àquilo
minhoca.
Quando
cheguei a casa a Cláudia estava toda contente pois o
Singh emprestou uma televisão com vídeo colado,
para que ela passasse melhor o tempo. Não percebi muito
bem, mas aparentemente o Singh tinha comprado uma nova para
ele e emprestou aquela ao pessoal. Que luxo! Já tinha
uma televisão no quarto e agora passava a ter outra
com vídeo e com 60 canais, digital e super banda.
Para
comemorar decidimos ir passear até Larkspur e alugar
uns filmes para ver mais tarde. Estava um fim de tarde espectacular
e montámos nas bicicletas e lá fomos. Eu no chaço
encontrado e ela na Vaynessa.
Apanhámos
o trilho das bicicletas que foi em tempos uma linha de comboio
que ligava toda a região e que o tempo e o automóvel
tornou obsoleta. Cheirava a amoras por todo o lado e os arbustos
davam um ar de túnel ao caminho. Dava mesmo gosto passear
naquele fim de tarde, ainda mais de bicicleta e com a Cláudia.
Larkspur,
no centro é muito gira. Faz lembrar uma verdadeira vila
do sul da Europa, mas à maneira americana. As casas
são todas de madeira, mas são coloridas e ladeiam
a rua estreita de um lado e do outro. Existe uma igreja no
meio, que por sinal é católica e um cinema tipicamente
americano com néons rosas fluorescentes. Existem duas
pastelarias italianas e na antiga estação de
comboios, um atelier de um artesão. A terra respira
calma e beleza por todo o lado e até tem um restaurante
japonés com esplanada e tudo. Estivemos tentados, mas... O
que nos esperava não era pior.
Alugámos
dois filmes. O Magnólia e Man On The Moon.
Quando
voltámos a casa o Singh já tinha chegado e quase
apavorado lá me explicou que afinal a TV não
era para ir para o quarto. Que era para a Cláudia se
entreter e estar na sala a ver filmes. Pediu desculpa pela
confusão, mas, compreendia que de vez em quando falava
rápido demais e tornava-se difícil de entender.
Bem, era uma opinião, a da Cláudia era de que
nem devagar se percebe o que ele diz, mas pronto... Eu pessoalmente
já o entendo, mas, também estive 9 meses na Vouga
e tratava com indianos muitas vezes e habituei-me.
Mas,
o que interessa é que tive que andar a colocar a televisão
de novo na sala e finalmente sentámo-nos a comer umas
anchovas e um polvo, oriundos da terrinha e que a Cláudia
tinha conseguido contrabandear para a Califórnia. Tudo
acompanhado por uma cerveja Mexicana e a ver um filme americano.
Que mistura de culturas!!! Só na América.
Optámos
por começar pelo Magnolia. A Cláudia já tinha
visto e queria que eu o visse.
Confesso
que não me marcou tanto como o American Beauty, se calhar
porque o écran era demasiado pequeno e distante e porque
se calhar a história não era tão simples.
Mas, pela primeira vez gostei de ver o Tom Cruise a representar
e a fazer o papel que todos esperavam-no ver fazer, um macho!!!
Aliás
achei que há um humor qualquer no filme de que eu não
me apercebi ou que se calhar levei demasiado a sério.
Acho que um dia destes tenho que voltar a ver o filme para
me aperceber melhor das coincidências todas que acontecem
no mesmo.
A
meio do filme apareceu o Ben que vinha buscar a bicicleta.
Vinha acompanhado pela Amy, a colega de apartamento, que não
proferiu uma única palavra durante os vinte minutos
que esteve em minha casa. Mas, também a Cláudia
começou a contar as histórias do fim-de-semana
em Utica e a dizer o que achava de mau nos americanos, o seu
pudor e a sua sempre presente sede de cerveja. E, a Amy é americana,
ao contrário do Ben que é canadiano e goza com
eles. Mas, acho que não foi por isso que ela não
falou, foi mesmo porque ela é assim... Calada e pacata!
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