QUINTA-FEIRA, 7 DE SETEMBRO DE 2000 C133
Cafe Reyes - Fotografia de Rui Gonçalves

Quinta-feira, 27 de Julho de 2000

Digamos que deitar tarde e acordar cedo nunca deu saúde, nem tão pouco fez crescer. Não dormi muito, nem muito bem e a Cláudia também não. A claridade da manhã a entrar pelo estore não ajuda nada. Mas, porque porra é que estes americanos não usam persianas? Sabem como é que eles lhe chamam aqui? Storm Windows... Como se não houvessem tempestades aqui e não precisassem delas.

Mas pronto, acordei e fui a uma fono-conferência às 9h15m, sobre o estado da empresa. Eu nem sou empregado, mas como só estávamos os cinco, assim parecíamos mais. Mas, é fixe ouvir o pessoal do outro lado a rir com as projecções do powerpoint de um dos bosses e nós sem vermos nada. Falou-se de tudo, mas o que era mais importante era que a empresa está optimista, uma vez que o Nasdaq tem caído e as acções da EAI mantiveram-se e as vendas até aumentaram 400%... E, que as vendas na Europa têm segurado as coisas... Cuidado! Com o Euro a cair pode ser que a coisa muda... Aliás, já mudou, porque a empresa até já foi vendida.

Estive à espera que a Cláudia me dissesse alguma coisa, e como não disse nada julguei que tinha aproveitado para dormir. Saí mais cedo porque fazia planos de dar uma volta grande.

Quando cheguei a casa ela estava na piscina. Dei um mergulho, apressei a coisa e estávamos a caminho de Point Reyes e do parque natural, que fica a umas 20 milhas de minha casa.

Até Fairfax a estrada tem uma centena de semáforos e stops que já me estavam a deixar irritado, mas depois até Olema, antes de Point Reyes a estrada é uma maravilha e num instante estava em Inverness, no meio do parque e junto à baía de tomales. Algures pelo caminho passa-se pelo rancho do George Lucas, mas ainda não descobri onde é.

Parámos para apreciar aquela massa de água rodeada de montanhas douradas do lado Este e verdes do lado Oeste, onde estávamos. A baía estendesse para norte ao longo da falha de S. André por cerca de 30 milhas, até Bodega Bay, onde o Hitchcock filmou os pássaros. A costa da baía de Tomales que é verde, do lado de Inverness, faz parte de uma placa e a outra parte, mesmo do outro lado, onde está Point Reyes, estava-se a deslocar em relação a nós... Bem! Eles dizem que sim, mas eu não consegui ver nenhum movimento.

Na borda de água estava um velho barco, chamado Point Reyes. Um velho barco enferrujado enterrado na areia e meio tombado. Ainda lhe chegava a água, mas o acesso por terra era possível e a Cláudia ainda andou por lá a saltitar... E a fazer de conta que estava no Titanic.

Não ficámos ali muito tempo, porque o nosso objectivo era chegar ao farol de Point Reyes antes do anoitecer. À saída de Inverness estava uma casa de aspecto russo mesmo sobre a água, em cima de estacas... Um colorido fantástico a contrastar com o azul forte da água da baía ao fim da tarde.

A estrada que nos leva de Inverness, uma aldeia muito típica americana, até ao farol, é verdadeiramente uma estrada do meu saudoso Alentejo. Segue ao longo dos campos de pastagem, dourados nesta época do ano, e seguindo uma linha recta, segue também os contornos do relevo. Assim, vê-se uma longa estrada com lombas, mas em linha recta, preta no meio de um mundo dourado.

De repente à nossa direita aparecem umas linhas de água que rompem pelos campos, que começam a estar cheios de vacas malhadas. E, a estrada começa a subir aos ésses até ao cimo de um penhasco e daí continua por mais uns quilómetros em quase linha recta, até ao farol. Pelo caminho ficam umas quintas de criação de gado e de produção de gado, que são denominadas por letras do abecedário começando no A, para a que está mais próxima do farol. Engraçado o modo como eles mantiveram as quintas e como as denominaram. O cheiro do gado também não foi disfarçado.

A dada altura a estrada está fechada e tem que se seguir o caminho a pé até ao farol. Mas, como é normal, há sempre um parque de estacionamento e uma casa de banho.

Saímos e o vento gelado do mar quase que arremessou a porta do bólide contra a montanha. Casacos apertados até às orelhas e fomos até ao farol. Como seria de esperar, estava tudo fechado, mas, não nos impedia de apreciar as vistas.

Mesmo à entrada do complexo do farol, logo a seguir à casa dos faroleiros e que têm uma vista fantástica para o mar, estavam uns ossos de baleia. Só lá estavam os ossos do crânio de uma cria, mas dá para imaginar o tamanho da mãe... Espero nunca esbarrar com nenhuma numa piscina.

Descemos até ao miradouro para o farol onde estavam uns tipos e umas tipas a beber umas cervejas e a fumar uns cigarros. Não percebo! Estes tipos não têm melhor sítio para se andarem a emborrachar? Ainda por cima falavam alto. E o mais surpreendente era o facto de com aquele frio, um deles estar de chinelos. Eu sei que eu também tenho o termómetro avariado, mas, o tipo exagerava.

Voltámos ao carro, porque apesar do frio, o vento gelado tornava a vista um bocado difícil de assimilar. Digamos que até os olhos choravam...

O caminho que vai do parque de estacionamento até ao farol, e que tem cerca de quinhentos metros, é muito bonito. O farol está num rochedo muito abaixo do miradouro, mas este fica no cimo de um morro muito alto e com uma visibilidade impressionante. Consegue-se ver a linha de costa para norte por quilómetros, desde que o nevoeiro nos deixe. E ao longo do caminho existem ciprestes moldados pelo vento e que têm umas formas bizarras. O verde das árvores, o azul do mar e o dourado dos campos dão um colorido muito especial ao local.

Apanhámos o bólide e resolvemos ir ver a outra costa. Aquele ponto é um cabo com uma forma esquisita, com uma parte enorme virada a oeste, outra com uma centena de metros virada a sul e uma parte curva que está maioritariamente virada a leste. Ou seja, uma pequena península, que nos dá a sensação de estar no meio do mar, bem acima da linha de água.

Mas, a costa virada a leste já estava à sombra e pouco se via, para além de um barco de pesca, género o do Forrest Gump. E, mesmo no Seal Point ou coisa parecida, não se via nenhuma foca.

Voltámos para trás e quando subíamos de volta à estrada principal, o céu parecia estar a arder. Era impressionante, mas, o nevoeiro tinha caído de repente e as cores do pôr-do-sol a passarem por ele, davam ao horizonte, mesmo por detrás do topo do monte que subíamos, um ar de que tudo estava em chamas. Mas, não... As vacas ali na pastagem nem pestanejaram com a visão. Para elas era coisa normal.

Porém o nevoeiro estava a cair bem depressa e de repente tudo à nosso volta estava cinzento e começou a chover. Julguei estar no inverno e realmente estava quase em Inverness. Impressionante como ainda há dez minutos se via o sol e nesse momento o único farol do carro parecia pouco para iluminar a estrada. Eram apenas oito horas e qualquer coisa e parecia que era bem mais tarde.

Acelerei pois parecia que a coisa ia piorar. E, em pouco tempo estávamos em Point Reyes, a cerca de vinte quilómetros dali e nem ponta de chuva, nem nevoeiro. Mas, sempre com vento frio.

O melhor da visita estava ainda para vir. Fomos ao Café Reyes comer umas ostras.

Eu já lá tinha ido com o Ben e algum pessoal do Contacto, mas ir lá com a Cláudia tem um outro sabor. As ostras sabem diferente e a cerveja é mais macia. A cozinha estava a fechar e pedimos, a correr, umas ostras grelhadas com manteiga e alho. Uma maravilha em doze actos de magnífico sabor, acompanhados por uma Anchor Steam. Nada podia ser mais perfeito.

O Café Reyes é em Point Reyes Station, uma terra que suponho deve o seu nome ao facto de ter sido uma estação dos comboios, como muitas das terras deste país. Mas estava a falar do restaurante, que é chileno e que mistura alguns dos sabores que nos são familiares com comidas próprias da américa latina.

Tem um balcão de madeira velha e bancos altos e algumas mesas espalhadas pela sala. As paredes são coloridas em tons de terra e como de costume o tecto não tem nada a não ser tubos de ventilação. Eu continuo a achar que estes americanos nunca olham para cima e por isso todos os locais têm os tectos sem nada a tapar aquelas vergonhas.

Mas, mal entrámos no café, vindos da varanda exterior em madeira, deparámos com uma vitrine com uma deliciosa visão de sobremesas e bolos. E, ao fundo do balcão estava um grupo de surfistas que deviam estar a chegar das ondas e aproveitaram para comer uns rolos, género burritos mas verdes, antes de irem para casa.

À minha frente, noutra mesa, estava um casal de homossexuais. Um deles estava ao telefone, no corredor que leva à casa de banho, quando eu lá fui e achei muito estranho o modo como fui olhado. Mas, nem liguei até que notei que estava com o mesmo tipo que me tinha mirado de cima abaixo ao balcão quando eu estava a encomendar as ostras. Perderam o interesse quando viram que eu estava bem acompanhado.

A Cláudia descreveu assim o momento, no meu bloco de notas: "Com esta música e depois de um pint de Anchor Steam e umas ostras maravilhosas feitas como as lapas da Madeira... Só apetecia um charuto... Uma noite quente também não era mau, mas tenho que me contentar com este calorzinho, o lugar é acolhedor e o cheiro a lima que vem do prato das ostras... Já tudo é lindo... Acho que ficava neste país... Há tanto para ver e sentir... unbelievable... Um pouco de todo o mundo...".

Voltámos para casa.

Depois daquele frio em Point Reyes a minha varanda estava muito boa para uma cervejinha antes de dormir. Estava tão boa que apetecia pegar no saco cama e dormir ali mesmo ao relento no banco. Mas, o melhor era ir para a cama.



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