Quinta-feira, 27 de Julho de 2000
Digamos que deitar tarde e acordar cedo nunca deu
saúde, nem tão pouco fez crescer. Não dormi
muito, nem muito bem e a Cláudia também não.
A claridade da manhã a entrar pelo estore não ajuda
nada. Mas, porque porra é que estes americanos não
usam persianas? Sabem como é que eles lhe chamam aqui? Storm
Windows... Como se não houvessem tempestades aqui e não
precisassem delas.
Mas pronto, acordei e fui a uma fono-conferência às
9h15m, sobre o estado da empresa. Eu nem sou empregado, mas como
só estávamos os cinco, assim parecíamos mais.
Mas, é fixe ouvir o pessoal do outro lado a rir com as projecções
do powerpoint de um dos bosses e nós sem vermos nada. Falou-se
de tudo, mas o que era mais importante era que a empresa está optimista,
uma vez que o Nasdaq tem caído e as acções
da EAI mantiveram-se e as vendas até aumentaram 400%...
E, que as vendas na Europa têm segurado as coisas... Cuidado!
Com o Euro a cair pode ser que a coisa muda... Aliás, já mudou,
porque a empresa até já foi vendida.
Estive à espera que a Cláudia me dissesse
alguma coisa, e como não disse nada julguei que tinha aproveitado
para dormir. Saí mais cedo porque fazia planos de dar uma
volta grande.
Quando cheguei a casa ela estava na piscina. Dei
um mergulho, apressei a coisa e estávamos a caminho de Point
Reyes e do parque natural, que fica a umas 20 milhas de minha casa.
Até Fairfax a estrada tem uma centena de
semáforos e stops que já me estavam a deixar irritado,
mas depois até Olema, antes de Point Reyes a estrada é uma
maravilha e num instante estava em Inverness, no meio do parque
e junto à baía de tomales. Algures pelo caminho passa-se
pelo rancho do George Lucas, mas ainda não descobri onde é.
Parámos para apreciar aquela massa de água
rodeada de montanhas douradas do lado Este e verdes do lado Oeste,
onde estávamos. A baía estendesse para norte ao longo
da falha de S. André por cerca de 30 milhas, até Bodega
Bay, onde o Hitchcock filmou os pássaros. A costa da baía
de Tomales que é verde, do lado de Inverness, faz parte
de uma placa e a outra parte, mesmo do outro lado, onde está Point
Reyes, estava-se a deslocar em relação a nós...
Bem! Eles dizem que sim, mas eu não consegui ver nenhum
movimento.
Na borda de água estava um velho barco, chamado
Point Reyes. Um velho barco enferrujado enterrado na areia e meio
tombado. Ainda lhe chegava a água, mas o acesso por terra
era possível e a Cláudia ainda andou por lá a
saltitar... E a fazer de conta que estava no Titanic.
Não ficámos ali muito tempo, porque
o nosso objectivo era chegar ao farol de Point Reyes antes do anoitecer. À saída
de Inverness estava uma casa de aspecto russo mesmo sobre a água,
em cima de estacas... Um colorido fantástico a contrastar
com o azul forte da água da baía ao fim da tarde.
A estrada que nos leva de Inverness, uma aldeia
muito típica americana, até ao farol, é verdadeiramente
uma estrada do meu saudoso Alentejo. Segue ao longo dos campos
de pastagem, dourados nesta época do ano, e seguindo uma
linha recta, segue também os contornos do relevo. Assim,
vê-se uma longa estrada com lombas, mas em linha recta, preta
no meio de um mundo dourado.
De repente à nossa direita aparecem umas
linhas de água que rompem pelos campos, que começam
a estar cheios de vacas malhadas. E, a estrada começa a
subir aos ésses até ao cimo de um penhasco e daí continua
por mais uns quilómetros em quase linha recta, até ao
farol. Pelo caminho ficam umas quintas de criação
de gado e de produção de gado, que são denominadas
por letras do abecedário começando no A, para a que
está mais próxima do farol. Engraçado o modo
como eles mantiveram as quintas e como as denominaram. O cheiro
do gado também não foi disfarçado.
A dada altura a estrada está fechada e tem
que se seguir o caminho a pé até ao farol. Mas, como é normal,
há sempre um parque de estacionamento e uma casa de banho.
Saímos e o vento gelado do mar quase que
arremessou a porta do bólide contra a montanha. Casacos
apertados até às orelhas e fomos até ao farol.
Como seria de esperar, estava tudo fechado, mas, não nos
impedia de apreciar as vistas.
Mesmo à entrada do complexo do farol, logo
a seguir à casa dos faroleiros e que têm uma vista
fantástica para o mar, estavam uns ossos de baleia. Só lá estavam
os ossos do crânio de uma cria, mas dá para imaginar
o tamanho da mãe... Espero nunca esbarrar com nenhuma numa
piscina.
Descemos até ao miradouro para o farol onde
estavam uns tipos e umas tipas a beber umas cervejas e a fumar
uns cigarros. Não percebo! Estes tipos não têm
melhor sítio para se andarem a emborrachar? Ainda por cima
falavam alto. E o mais surpreendente era o facto de com aquele
frio, um deles estar de chinelos. Eu sei que eu também tenho
o termómetro avariado, mas, o tipo exagerava.
Voltámos ao carro, porque apesar do frio,
o vento gelado tornava a vista um bocado difícil de assimilar.
Digamos que até os olhos choravam...
O caminho que vai do parque de estacionamento até ao
farol, e que tem cerca de quinhentos metros, é muito bonito.
O farol está num rochedo muito abaixo do miradouro, mas
este fica no cimo de um morro muito alto e com uma visibilidade
impressionante. Consegue-se ver a linha de costa para norte por
quilómetros, desde que o nevoeiro nos deixe. E ao longo
do caminho existem ciprestes moldados pelo vento e que têm
umas formas bizarras. O verde das árvores, o azul do mar
e o dourado dos campos dão um colorido muito especial ao
local.
Apanhámos o bólide e resolvemos ir
ver a outra costa. Aquele ponto é um cabo com uma forma
esquisita, com uma parte enorme virada a oeste, outra com uma centena
de metros virada a sul e uma parte curva que está maioritariamente
virada a leste. Ou seja, uma pequena península, que nos
dá a sensação de estar no meio do mar, bem
acima da linha de água.
Mas, a costa virada a leste já estava à sombra
e pouco se via, para além de um barco de pesca, género
o do Forrest Gump. E, mesmo no Seal Point ou coisa parecida, não
se via nenhuma foca.
Voltámos para trás e quando subíamos
de volta à estrada principal, o céu parecia estar
a arder. Era impressionante, mas, o nevoeiro tinha caído
de repente e as cores do pôr-do-sol a passarem por ele, davam
ao horizonte, mesmo por detrás do topo do monte que subíamos,
um ar de que tudo estava em chamas. Mas, não... As vacas
ali na pastagem nem pestanejaram com a visão. Para elas
era coisa normal.
Porém o nevoeiro estava a cair bem depressa
e de repente tudo à nosso volta estava cinzento e começou
a chover. Julguei estar no inverno e realmente estava quase em
Inverness. Impressionante como ainda há dez minutos se via
o sol e nesse momento o único farol do carro parecia pouco
para iluminar a estrada. Eram apenas oito horas e qualquer coisa
e parecia que era bem mais tarde.
Acelerei pois parecia que a coisa ia piorar. E,
em pouco tempo estávamos em Point Reyes, a cerca de vinte
quilómetros dali e nem ponta de chuva, nem nevoeiro. Mas,
sempre com vento frio.
O melhor da visita estava ainda para vir. Fomos
ao Café Reyes comer umas ostras.
Eu já lá tinha ido com o Ben e algum
pessoal do Contacto, mas ir lá com a Cláudia tem
um outro sabor. As ostras sabem diferente e a cerveja é mais
macia. A cozinha estava a fechar e pedimos, a correr, umas ostras
grelhadas com manteiga e alho. Uma maravilha em doze actos de magnífico
sabor, acompanhados por uma Anchor Steam. Nada podia ser mais perfeito.
O Café Reyes é em Point Reyes Station,
uma terra que suponho deve o seu nome ao facto de ter sido uma
estação dos comboios, como muitas das terras deste
país. Mas estava a falar do restaurante, que é chileno
e que mistura alguns dos sabores que nos são familiares
com comidas próprias da américa latina.
Tem um balcão de madeira velha e bancos altos
e algumas mesas espalhadas pela sala. As paredes são coloridas
em tons de terra e como de costume o tecto não tem nada
a não ser tubos de ventilação. Eu continuo
a achar que estes americanos nunca olham para cima e por isso todos
os locais têm os tectos sem nada a tapar aquelas vergonhas.
Mas, mal entrámos no café, vindos
da varanda exterior em madeira, deparámos com uma vitrine
com uma deliciosa visão de sobremesas e bolos. E, ao fundo
do balcão estava um grupo de surfistas que deviam estar
a chegar das ondas e aproveitaram para comer uns rolos, género
burritos mas verdes, antes de irem para casa.
À minha frente, noutra mesa, estava um casal
de homossexuais. Um deles estava ao telefone, no corredor que leva à casa
de banho, quando eu lá fui e achei muito estranho o modo
como fui olhado. Mas, nem liguei até que notei que estava
com o mesmo tipo que me tinha mirado de cima abaixo ao balcão
quando eu estava a encomendar as ostras. Perderam o interesse quando
viram que eu estava bem acompanhado.
A Cláudia descreveu assim o momento, no meu
bloco de notas: "Com esta música e depois de um pint
de Anchor Steam e umas ostras maravilhosas feitas como as lapas
da Madeira... Só apetecia um charuto... Uma noite quente
também não era mau, mas tenho que me contentar com
este calorzinho, o lugar é acolhedor e o cheiro a lima que
vem do prato das ostras... Já tudo é lindo... Acho
que ficava neste país... Há tanto para ver e sentir...
unbelievable... Um pouco de todo o mundo...".
Voltámos para casa.
Depois daquele frio em Point Reyes a minha varanda
estava muito boa para uma cervejinha antes de dormir. Estava tão
boa que apetecia pegar no saco cama e dormir ali mesmo ao relento
no banco. Mas, o melhor era ir para a cama.
|