Domingo, 16 de Julho de 2000
A véspera da Cláudia chegar. Já tinha pedido a segunda-feira
de folga para a poder ir buscar ao aeroporto, mas ainda faltava
um dia.
Mal acordei telefonei para casa, em Portugal, para
saber se estava tudo bem. Não! Nada estava bem... A Cláudia não
encontrava o passaporte em lado nenhum. Era domingo e ela tinha
voo marcado para a madrugada de segunda, ninguém no mundo lhe tirava
um passaporte a tempo de embarcar. E, para além disso adiar o voo
era adiar a vinda muito tempo, porque os voos estavam esgotados
e superlotados durante o verão... E conseguir lugar ia ser um caso
complicado.
Fiquei doente. Voltei a telefonar meia hora mais
tarde e ela pediu-me para não o voltar a fazer tão cedo. Também
ela estava nervosa e eu só a estava a pôr pior. Mas, o que é que
eu podia fazer.
Estive um bocado na conversa com a RM&P para tentar
me destrair, mas não era possível. Combinei ir à tarde com a Rita
e com a Mónica a uma festa qualquer em casa de um colega desta,
que mora no último andar de um prédio e que queria comemorar a
lua cheia. Bem, com o nevoeiro que estava a lua era a última coisa
que se devia de ver nessa noite.
Saí. Já tinha combinado com o Nuno, a Ana Pinhal
e a Mariana irmos à missa na Saint John Will I-Am Coltrane African
Orthodox Church. Uma igreja ortodoxa africana que venera o John
Coltrane. Sim! Uma das imensas igrejas tipicamente americanas,
com a particularidade de ser um concerto de Jazz.
Tinha telefonado à Mariana e ficámos de nos encontrar à porta
da tal igreja. Originalmente a igreja era mesmo ao lado de casa
dela, mas tiveram que mudar porque o senhorio não devia de curtir
muito a música do John Coltrane. Assim, a igreja era mesmo ali
a dois quarteirões de casa da RM&P. Era num edifício que pertencia
a uma comunidade ou organização não governamental de ajuda aos
mais carenciados, no segundo andar. Pouco se parecia com uma igreja.
A Mariana nunca mais chegava e fomos entrando. No
entretanto apareceu a Helena Brito, a Gilda e o marido.
Subimos as escadas e deparámos com uma sala em forma
de L, com um piano de cauda e uma bateria no centro e com figuras
do John Coltrane e o seu saxofone, tipo icones religiosos de igreja,
por detrás de algo que se parecia com um altar. Haviam microfones
espalhados pela sala dando a entender que seriam uns quatro ou
cinco músicos, ou padres?
Ficámos mesmo ali ao pé das escadas e fomos encaminhados
para umas cadeiras por umas anfitriãs muito simpáticas. A cerimónia
ia começar em breve.
A maioria das pessoas que estavam a assistir eram
turistas ou pessoas de fora. Ao contrário do que seria suposto
a maioria eram brancos, uma vez que se tratava de uma igreja de
inspiração africana.
De repente entra na sala um padre negro com um hábito
branco até aos pés e a tocar um saxofone. Atrás dele vêm mais dois
saxofonistas, um negro e um branco loiro, que andou a viajar durante
toda a cerimónia, agarrado à pandeireta. O pianista, de casaco
de cabedal com tinta branca e um lenço no cabelo, que me pareceu
ser o responsável para o atraso da cerimónia, começou a tocar e
o baterista era um miúdo que não devia de ter mais que seis anos.
A baixista era uma rapariga negra que estava grávida e sentada
por detrás da bateria, só a consegui ver muito mais tarde, mas
apercebi-me do som do baixo desde o início e estava-me a intrigar
donde vinha. Estavam a tocar mais ou menos de improviso e a festa
tinha começado.
O coro era formado por três mulheres negras. Uma
cantava soul como se tivesse nascido para aquilo e as outras duas
apenas faziam vozes. Uma carregava um bébé ao colo e aparentemente
era casada com o saxofinista negro. De repente vieram-nos pôr umas
marambas, pauzinhos e uns tubos com areia nas mãos para que pudéssemos
colaborar na cerimónia. Estivémos ali quase duas horas a tocar
e a cantar como se já soubessemos as letras e a música de cor.
Não era preciso, aquilo era jazz puro de improviso em Jam Session.
Lindo!
No entretanto cerca de 45 minutos depois da hora
combinada e quase meia hora depois de começar a cerimónia chegou
a Mariana. Não mudou nada! Já não a via há um mês, pois tinha ido
em trabalho para Portugal e daí para Cuba em férias. Mas, o atraso
típico não o tinha perdido.
O sermão do bispo da igreja (sim, porque o senhor
que tocava o saxofone era bispo) durou quase uma hora. O homem
era espectacular, conseguiu manter-nos atentos durante aquele tempo
todo. Mandou umas piadas às igrejas de gospels e contou-nos a história
de quando tinha sido preso e aí descobriu a música e a mensagem
do John Coltrane. Em tom de brincadeira ainda tentou disfarçar
a dizer que tinha sido um amigo que tinha sido preso e não ele,
mas nem valia a pena, porque assim a história nem tinha muito cabimento.
No fim veio-nos cumprimentar pela nossa excelente prestação...
E a festa continuou...
Mas a minha cabeça já estava noutro lado. Saí da
missa no fim do sermão e fui telefonar para a Cláudia... Já tinham
passado 4 horas. A Rita tinha encontrado o passaporte. Uff! Que
alívio... Já estava no Porto em casa do pai e estava a preparar-se
para dormir.
Tentei telefonar para a casa da RM&P, mas como
de costume estava ocupado. Queria dizer que não ia à festa com
elas, pois a cerimónia tinha demorado mais que o pensava e estava
a chover o que não ajudava nada para ver a lua. Desisti e voltei à igreja
do John Coltrane. A Mariana, o Nuno e a Ana também já tinham desistido
e estavam cá embaixo à minha espera.
Decidimos ir almoçar a um japonês na Van Ness. A
Cláudia encontrou o passaporte e vinha no dia seguinte, o que merecia
uma comemoração. Mas já era tarde para encontrar algum Jap aberto
e acabámos por ir a um paquistanês-americano... Treta de comida.
Hamburgueres com sabor a caril, basicamente!!! Ainda por cima o
empregado era burro que nem um cêpo e não percebia muito bem inglês,
o que é prescindível para quem atende num restaurante em São Francisco,
porque aqui ninguém fala inglês. Além disso era meio chinês o que
tem tudo a ver com um restaurante paquistanês-americano, "whatever
that means"!
Mas pronto, lá comemos aquela comidinha saudável,
enquanto se combinava uma ida ao Safeway para fazer compras. A
Marina queria encher a casa de comida porque estava à espera das
irmãs e umas amigas que vinham passar uns tempos à terra das oportunidades.
E por outro lado o Nuno, estava a viver com a Ana Pinhal, enquanto
a vida não se decidia e porque tinha sido "expulso" de casa da
RM&P com a chegada da mãe da Patrícia, e ambos precisavam de uma
boleia para trazer tudo o que queriam comprar no supermercado.
Eu tinha o bólide da Mariana! Não podia fugir, mas além disso pouco
mais havia que fazer, numa cidade que fica tão deprimente quando
chove.
Assim, fui às compras com o Nuno, Ana e Mariana.
Os primeiros foram comigo no bólide enquanto a Mariana foi lá ter
de mota. Passámos a tarde no supermercado. Parecia o filme dos
Malucos no Supermercado. O Nuno e a Ana, aproveitaram o facto de
ter uma boleia para poderem comprar quase o supermercado todo e
a Mariana simplesmente comprou o supermercado, para poder receber
condignamente as irmãs. O N&A conseguiram o feito de comprar 8
pacotes de cereais. 8 pacotes de cereal para duas pessoas? Era
para puderem misturar diziam eles. O Carro ia do melhor, a mala
cheia e o banco de trás a deitar por fora. Ainda por cima na compra
de uma embalagem de papel higiénico de tamanho industrial davam
outro de borla e a Mariana ficou abastecida para o resto do ano,
mas o carro é que ficou quase sem visibilidade para trás.
Fui levar as compras a casa da Ana, enquanto a Mariana
ia para casa de mota. O Nuno despejou tudo em casa e voltou comigo
para casa da Mariana. A Ana ficou a estudar.
Tínhamos comprado uma orelha de porco e resolvemos
comê-la. Ah! Saudades! Lá consegui cozinhar a coisa, mas ficou
um bocado rija... Mas caiu que nem ginja.
Enquanto isso a R&M chegaram e estivemos ali na
conversa durante umas horas sobre as coisas banais e importantes
da vida.
Voltei para casa da RM&P cerca da 1h. |