QUINTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 2000 C115
No Dogs - Fotografia de Rui Gonçalves

Terça-feira, 4 de Julho de 2000

Acordei com o Rafael a tocar à campainha. Ele tinha-me escrito um mail na noite anterior a dizer que aparecia, assim como o Pedro Neves.

Enquanto eu vestia o fato de banho, ele pôs-se à vontade e deu uma vista de olhos nas minhas fotografias. Deixei um bilhete na porta para o Pedro e fomos dar um mergulho.

O Pedro apareceu pouco depois e estivemos na beira da piscina a conversar sobre o Creoula, a Sagres e o regresso a casa em Outubro. Mas, a fome começou a apertar e fomos comer ao mexicano dos burritos lá do centro comercial.

O combinado era ir fazer uma caminhada. Eu nem tinha olhado para os mapas, mas trilhos no Tamalpais é coisa que não falta e encontrar uma volta é simples... Mas, eu não queria nada de muito puxado, pois a tarde do dia anterior ainda tinha deixado algumas marcas, leves é verdade, mas presentes. E, optei por um volta pelos Muir Woods, mas a entrar pela porta do cavalo, ou seja, descer o monte até Muir Woods, passear por lá e voltar por outro trilho a subir o monte.

Telefonei ao Ben, mas ele estava pior que eu e a preguiça não o quis deixar acompanhar-nos na difícil jornada de passear pelos redwoods de Muir Woods. E, fomos só os três no bólide da Mariana para o Tamalpais.

Deixámos o bólide numa berma da estrada junto ao parque de estacionamento de Bootjack, onde se pagavam cinco dólares para deixar o carro. Nós não pagámos nada, mas tivemos que andar cerca de cinquenta metros para chegar ao parque, porque, um mexicano que lá estava, estava a pagar uma multa porque quis fazer a mesma coisa que nós, mas dentro do parque.

Começámos a descer o Bootjack Trail em direcção a Muir Woods. O trilho de pé-posto descia por entre redwoods, ou sequoias da costa, e com uma inclinação apreciável em algumas zonas. O trilho passava por uns riachos que naquelas inclinações e com as árvores caídas, faziam algumas quedas de água, mas que nesta altura do ano e como têm pouca água, estavam pouco prenunciadas. Mas a envolvência e o fresco da água fazia com que o trilho se tornasse muito bonito.

De repente, a meio da descida entre duas redwoods, aparece um letreiro de madeira, com quase um metro e meio de comprimento, a dizer "No Dogs 8pm - 7am". Era difícil de acreditar que aquilo estava ali com a intenção de prevenir as pessoas de levarem cães à noite para aqueles sítios, mas a verdade é que estava ali... Nós rimo-nos e começámos a comentar este tipo de atitudes e os letreiros que existem para prevenir tudo e que só existem nos Estados Unidos. Será que quando eu voltar a Portugal vou começar a meter gatos no microondas só porque nas instruções não diz nada em contrário?

De repente o número de pessoas no trilho começou a aumentar e apareceu uma ponte sobre o riacho, naquilo que parecia já o vale. Estávamos em Muir Woods. É surpreendente como é que nos cobram dois dólares para visitar o parque e depois se descemos uns trilhos e não entramos pela frente, não nos cobram nada. Também não fui refilar.

Fizemos o parque todo até à porta por um trilho que segue uns metros acima do riacho e depois voltámos para trás pelo trilho que segue junto a ele.

O parque é muito bonito e está muito bem cuidado. Como é normal em quase todos os parques que vi até agora, está tudo muito bem assinalado e a informação interpretativa do parque é impecável, o que permite que as pessoas e, essencialmente, as crianças se apercebam da necessidade da preservação da natureza. Mas, por vezes a preservação é levada ao exagero, como proibir as pessoas de chegarem perto de algumas árvores porque a erosão provocada pelos passos pode fazer com que as árvores caiam. Uma árvore com quase trinta metros de altura e com raízes, que é verdade não são muito profundas, em proporção ao seu tamanho, mas, que vão a cerca de cinco metros, podem cair, porque as pessoas se aproximam delas?

Ainda vimos uma árvore com uma placa dedicada a um tal senhor doutor que foi um dos pioneiros da fisioterapia e uma mulher ranger (guarda florestal) a dizer aquelas lenga-lengas que lhes ensinam e que elas repetem vezes sem conta, sobre a beleza e os mistérios do lugar onde, os crentes dos turistas ouvintes, estavam.

Passámos pelo local onde foi assinado o tratado das Nações Unidas em 1945 e que fica entre quatro redwoods, numa zona onde já se anda em cima de um estrado de madeira por causa da erosão dos caminhantes e por causa da poluição do pavimento usado para prevenir essa erosão. Aí, estava uma árvore dedicada ao Roosevolt o mentor das Nações Unidas, segundo os americanos, os mesmos que votaram contra no referendo para participar na Sociedade das Nações, alguns anos antes da criação dessa organização e que foi a sua antecessora. O Roosevelt não viveu para assinar o tratado.

Pouco depois apanhámos o Ben Johnson Trail, que nos levaria até ao carro. Não sei quem era o senhor que deu o nome o trilho, mas não estou a ver o dopado do canadiano a correr aquele trilho a subir e com aquelas inclinações. Pelo caminha passámos por várias redwods carcomidas interiormente por algum fogo e que serviam de casa de banho aos caminhantes. Não de uma forma oficial, mas de uma forma necessária.

Quando chegámos ao fim do trilho e à casa do Ranger, tivemos que seguir a estrada cerca de uns trezentos metros até onde tínhamos deixado o carro. Mas, ainda bem que era a descer, porque depois de mais de doze quilómetros a andar, já merecíamos um descanso.

Agarrámos o bólide e seguimos para Stinson Beach, para beber uma cerveja merecida na praia e ao pôr-do-sol. Como de costume comprámos a cerveja no mini-mercado e fomos para a praia bebê-la, mas,... Com a garrafa dentro de um saco de papel, para não mostrar que era uma bebida alcoólica, pois isso é proibido nesta terra de Deus.

O vento na praia levantava a areia fina e não nos permitiu estar ali muito tempo, mas foi o suficiente para ficar com areia por todo o lado. Decidimos ir embora e parar em Muir Beach, pois o Rafael trazia o equipamento todo de fotografia e ainda não tinha usado nada... Mas, ali com aquela areia toda não era muito aconselhável.

Parámos em Muir Beach lookup, um ponto rochoso no ponto mais alto da parte habitacional de Muir Beach, na encosta norte da praia, como vos disse na última crónica. Nesse ponto têm-se uma vista sobre quase toda a costa, a norte até Stinson Beach e a Sul até São Francisco, isto se o nevoeiro deixar. E, naquele dia deixou.

Este morro rochoso, como outros ao longo desta parte da costa, foi usado durante a segunda guerra como posto de observação e de detecção de navios inimigos e ainda lá se encontram os postos de vigia. Um bocado destruídos, mas estão lá. Depois existe um trilho, protegido com um corrimão, até à ponta do rochedo de onde se pode apreciar a beleza do pacífico e das falésias da costa... Além disso, as cores começavam a aralanjar, pois aproximavamo-nos do pôr-do-sol.

Estava na hora de ir embora, pois ainda queríamos ir à noite para Sausalito, de onde esperávamos ver o magnífico fogo de artifício, comemorativo do dia da independência dos Estados Unidos. Só esperávamos que o nevoeiro deixasse ver alguma coisa.

Pelo caminho combinámos os procedimentos para, que enquanto um tomava banho, os outros faziam o jantar. Quando entrámos no Safeway para comprar a carne picada, que supostamente ia ser o nosso jantar, encontrámos a Joana, a Rita, a Mónica, a Cristina e o Tiago. Eles tinham vindo ver o tal aclamado fogo de artifício de São Francisco, a partir de Sausalito.

Quando cheguei a casa, estavam à minha espera, o André, a Kathelene e a Wenke. O André e a Kathelene, pelos vistos, tinham lá estado também na noite de domingo, mas eu já devia de estar a dormir e não o ouvi a bater. E, assim eles tiveram que se ir embora. Azar! Foi mesmo azar...

O pessoal sentou-se na sala a ver televisão e a comer fruta, enquanto eu tomava banho. O Pedro e o Rafael fizeram o jantar, uma carne à bolonhesa maravilhosa, acompanhada com uma cervejinha.

E, estava quase na hora do fogo. Partimos para Sausalito e como seria de esperar a confusão era tal que nos perdemos uns dos outros. Assim que vimos os primeiros foguetes, o Pedro, estacionou o seu Golf cabrio emprestado e fomos a correr até à borda de água.

Os foguetes do fogo de Sausalito arrebentavam quase em cima das nossas cabeças, mas nós queríamos era ver o fantástico fogo de São Francisco e corríamos para a zona da beira baía. A cada foguete que rebentava ali, eu gritava alto e era ver quantos berros e gritos se ouvia entre os espectadores. É engraçado ver como estas coisas provocam as pessoas, e principalmente os americanos. Houve uma parte que consegui pôr o pessoal todo a berrar de alegria e a bater palmas a uns foguetes brancos sem efeitos nenhuns.

Quando chegámos à borda da baía via-se muito ao longe São Francisco e dois pontos com duas bolas de fogo coloridas, mas nem se ouvia o barulho das explosões.

Coloquei a máquina em cima de uma caixa de venda de jornais e no momento que disparo para uma exposição de 20 segundos, um tipo num veleiro mesmo à frente de mim solta uma salva de alarme vermelha, que passa mesmo em frente à área a fotografar.

Segunda tentativa. Foco a coisa de maneira a que não apanhe o veleiro. Quando vou a disparar reparei que não havia fogo, apesar de o de Sausalito continuar. Esperámos um bocado e nada. O pessoal começa a dispersar e eu, pronto, aceitei o facto de que realmente o fantástico, magnífico e surpreendente fogo de artifício de São Francisco tinha acabado. Aquela treta de fogo de artifício, que foi feita por uma empresa chamada De Souza e que é de um bisneto de um açoreano, como seria de esperar, não passou disso. Uma treta! O fogo de Sausalito tinha sido muito melhor.

Mas, não estava tudo perdido. Já que estava ali e não havia nevoeiro podia tentar tirar uma foto nocturna a São Francisco. Foquei a cidade e disparei uma exposição de 30 segundos, pois agora não havia tanta luz. E, não é que há um filho da mãe de um gajo que está na borda da água, ao meu lado que decidi acender um foguete e este fica mesmo por debaixo da área a fotografar. A claridade queimou a foto.

Estava mesmo com azar. Não valia a pena tentar mais nenhuma foto.

Fomos beber uma cerveja, os três. Eu, o Pedro e o Rafael.

O Rafael pagou o jantar com uma cerveja e ficámos ali no cais na conversa sobre aquilo que mais temos falado nos últimos nove meses - diferenças culturais entre os povos. O Rafael é brasileiro, o Pedro esteve em ERASMUS na Suécia e eu, estou nos Estados Unidos como eles... Estive na Alemanha e na Holanda no ano passado, em Espanha já por diferentes vezes e em Paris (de França) uma semana há uns quatro anos.

E, assim passámos ali uma hora sentados na borda da baía, sem vontade nenhuma de voltar para casa e encarar o facto de que no dia seguinte se trabalhava. Mas teve de ser... Eles deixaram-me em casa e seguiram para sul. Foram por Richmond do lado Este da baía para não terem que atravessar São Francisco e o caos que devia de ser depois do magnífico fogo de artifício da treta.

Estes americanos deviam de ter ido à EXPO 98. Ah! Orgulho nacional!



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