C114 QUINTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 2000
Eu E O Ben Nos Redwoods - Fotografia de Rui Gonçalves

Domingo, 2 de Julho de 2000

Domingo antes de uma segunda de ponte e uma terça feriado. Soube tão bem ficar a dormir até mais tarde um bocadinho. A Joana e a Cristina dormiram na cama e eu e o Tiago compartilhámos o chão.

Levantámo-nos e fomos para a piscina, quase sem comer nada ao pequeno almoço. Telefonei ao Ben e ele ficou de aparecer, para irmos fazer um barbecue no parque Piper em Larkspur, ali mesmo perto de minha casa. Mas, ficámos na piscina até nos fartarmos e até ele aparecer. Pelos vistos a amiga dele do bigode e do barbecue artístico de sexta-feira, tinha-nos convidado para ir almoçar lá a casa, com mais uns amigos artistas dela. Obviamente que não ia deixar os meus amigos a fazer um barbecue num parque ali ao lado de minha casa e ia para Treasure Island a um almoço de umas malucas quaisquer. O Ben lá foi, sozinho, mas feliz.

Nós agarrámos no fogareiro, comprámos uns bifes, cerveja, carvão e umas batatas fritas e fomos para o parque Piper.

O parque Piper é mais um da centena de milhares de parques citadinos que existem aqui na região onde eu vivo, mas tem a particularidade de ser mesmo ao lado de uma língua de água da baía e ter uma rede de volley sempre montada. O estacionamento é muito e grátis e como é mesmo ao lado da esquadra da polícia está impecavelmente tratado e mantido.

Quando lá chegámos estava um grupo de indianos a jogar cricket. Quando saímos de lá, cerca de cinco ou seis horas depois, ainda jogavam. É impressionante como se consegue jogar uma seca de jogo daqueles tanto tempo... E o basebol é a mesma coisa... Os jogos duram em média essa quantidade de tempo.

Ateámos o carvão, que neste lado do oceano é sintético e cheira a petróleo, o que facilita enormemente o acto de acender o lume, mas que destrói, também enormemente, o sabor da comida. E, pusemos a grelhar um bife com quase dois dedos de altura. Estes americanos só gostam de peitos de frango e da carne cortada à posta grossa. Tivemos que ir cortando pequenos pedaços de carne, pois a fome era negra e se estivéssemos à espera que aquilo grelhasse tínhamos morrido à fome.

Enquanto comíamos e bebíamos uma cervejinha, jogámos ao disco... Até que o sono começou a bater. 

Pois é... Vocês não devem acreditar, mas a verdade é que nos deitámos ali na relva a sentir a brisa a percorrer o corpo e a ouvir o som calmo do chilrear dos pássaros no pântano ali ao lado e,... Adormecemos!

Cerca de uma hora depois, fomos acordando aos poucos. No entretanto, chegou a Mónica e o Ben. Aparentemente o rapaz cansou-se do tal almoço, pois o ambiente apesar de ser distinto do sexta, era no todo semelhante, pois os artistas mudaram, mas o Circo era o mesmo. A Mónica farta de estar à espera da Rita, que tinha ido dar de comer aos gatos, telefonou ao Ben para ver o que estávamos a fazer e por sorte ele estava a ir ter connosco e deu-lhe boleia.

Depois da soneca o que restava do bife era carvão e pusemos mais um bocado para a Mónica que pelos vistos não tinha almoçado. O Ben, não se fez rogado e acompanhou.

De novo, o frio expulsou-nos do bem bom. Fomos para casa à espera que a Rita, o André e a Kathelene aparecessem.

Esperámos! Esperámos! E, esperámos! Já estávamos a entrar em paranóias por causa da Rita, quando se houve mais um carro a parar no parque e uns segundos depois alguém a tocar à campainha. Era a Rita! Ufa!

Pelos vistos quem é distraída jamais se encontra. Nós já sabíamos que se tinha perdido à ida, para dar de comer aos gatos em Fremont, do lado Este da baía, o que fez com que demorasse cerca de quatro horas a chegar à casa da velha do Carlos. Mas, o mais grave foi perceber que ela tinha-se perdido em São Francisco, mais propriamente, ela não sabia como chegar do centro de São Francisco à Golden Gate. E, mais grave que isso, é que toda a gente a quem ela perguntou, também não sabia... Eram quase 9h30m da noite e ela tinha saído de casa às 10h, para ir a Fremont e vir ter a Corte Madera, que não são mais do que 100 quilómetros.

Mas, ainda comeu um restinho de bife do churrasco com o resto do arroz do caril do dia anterior. Nada de grave... E, só rir!

No entretanto, como o Tiago vazava para Portugal na quinta e a Joana queria comprar umas prendas para ele levar, eles decidiram ir-se embora e dormir em Mountain View, para irem às outlets de Gilroy no dia seguinte.

Confesso que fiquei triste, pois estava a imaginar que no dia seguinte me acompanhassem numa caminhada, que na quarta fossemos para Stinson Beach a pé do Tamalpais e que fossem comigo ver o fogo de artifício do quatro de Julho a Sausalito. Ainda se tentou que o pessoal se juntasse na noite de segunda em Mountain View, ou uma ida ao Metreon, o cinema da Sony em São Francisco, mas, eu queria era paz e sossego, calma e relax.

Fiquei por casa e combinei com o Ben ir andar de bicicleta no dia seguinte. Já que era para dar cabo do corpo, nada melhor para a mente do que um chuto de adrenalina.

Segunda-feira, 3 de Julho de 2000

Levantei-me, telefonei ao Ben e combinei com ele ir ter a casa dele às 2h da tarde.

Meti a Vaynessa no bólide, almocei no MacDonalds, tomei um café e arranquei para San Rafael.

Cheguei a San Rafael à hora combinada, mas o Ben ainda estava atrasado. Meter o suporte na traseira do carro e conduzir até ao sítio da partida, fez com que só lá chegássemos quase às 4h. E, ainda por cima falhámos o sítio que queríamos mesmo e fomos parar bem longe. Nós queríamos ir fazer uma volta de cerca de 30 quilómetros que passava no trilho onde os americanos dizem que nasceu o BTT (que não me lembra o nome...), mas em vez disso fomos parar a cerca de 20 quilómetros do sítio em linha recta, porque de carro eram mais de 35. Mas pronto!

Nós bem olhámos para o mapa, mas nada no local em que estávamos se parecia realmente com o local que queríamos e só descobrimos isso quando perguntámos a uma tipa que tinha acabado de chegar de um dos trilhos. O Ben tentou uma aproximação ao carro dela para lhe pedir informações, mas ela assustou-se e mandou dois berros para ele se afastar. Estava a vestir as calças!!! O Malandro do Ben queria ver a rapariga de calças em baixo.

Pegámos nas nossas companheiras a pedais e metemo-nos pelo caminho, que não sendo o que originalmente nos tínhamos proposto a fazer, servia muito bem para os intuitos previstos, por nós, para aquela tarde. O trilho em causa seguia a crista dos montes do lado leste do vale de Point Reyes, um vale talhado pela falha de S. André e portanto os montes onde estávamos não eram mais que formações geológicas resultantes do deslocamento das placas tectónicas. A Norte via-se a Baía de Tomales, uma longa língua de água que entra por esse vale adentro e que serve de zona de nidificação de uma série enorme de peixes, entre eles o perigoso tubarão. Nós fomos para Sul, em direcção a Stinson Beach, sempre pelo cimo do monte.

O trilho começava a subir, o que era bom para quem não tinha feito aquecimento e não andava de bicicleta há bastante tempo. O Ben é um boi de força e era quase impossível acompanhá-lo. Aliás, o esforço para o acompanhar trouxe os primeiros frutos no fim da primeira subida, quando nos cruzámos com dois betetistas, que nos avisaram para termos cuidados com os regos de água secos nas subidas. Digamos, que estava zonzo, com náuseas e ofegante, tudo resultado do meu metabolismo a tentar reagir ao esforço anaeróbico que tinha acabado de fazer. Avisei o Ben para ir mais devagar e segui calmamente sem parar. Se parasse ali, acho que não tinha seguido.

A subida continuou por entre um monte dourado sem quase nenhuma árvore e com umas rochas aqui e ali, até que chegámos ao início de uma grande subida visível por cerca de dois ou três quilómetros. Já me estava a sentir muito melhor e o meu estômago já reagia bem à entrada de água. Subi tudo em cima da Vaynessa, coisa que o Ben não pode dizer, porque a companheira dele deixou-o ficar mal na parte mais íngreme do percurso. Ambos estávamos com os pneus de trás quase carecas, mas pelos vistos a minha técnica é melhor que a dele... O mesmo já não posso dizer da força! O sol pelas costas aquecia...

Mas no cimo da subida havia uma sombra, parámos para beber água e recuperar da subida. As vacas andavam ali a pastar, mas apesar de estar a carregar a câmara e apetecer-me tirar uma foto, o calor e a má disposição, ainda presente, não me fizeram ficar ali muito tempo.

Seguimos e de repente entrámos numa floresta de redwoods. As árvores tinham cerca de 30 metros de altura. A temperatura caiu subitamente uns graus e a minha situação melhorou consideravelmente. Alguns dos troncos das árvores tinham mais de dois metros de diâmetro e eu só pensava nos pinheiros em Portugal, que nos permitem ficar abraçados aos seus troncos quando colidimos com as árvores. Ali uma colisão contra uma redwood podia ser um caso grave de esborrachanço e possivelmente só com uma espátula é que me tiravam de lá.

Apesar de não ter havido muitas subidas íngremes e longas, a média final entre subidas e descidas pedia para o lado das primeiras. O trilho subia e descia várias vezes, mas as minhas pernas diziam-me que estávamos a subir mais que a descer.

Quando os redwoods acabaram, demos de frente para Stinson Beach, mas vista de cerca de uns quinhentos metros de altitude, a cerca de um quilómetro em linha recta e a descer. A vista era soberba, sobre as águas da lagoa de Bolinas e o verde à toda a volta. Daquele ponto mal se apercebe da presença humana na região...

De repente ouvimos o barulho de uma bicicleta a descer o trilho vertiginosamente. O tipo para e pergunta-me se eu tinha tempo. Eu fiquei parvo a tentar perceber para é que ele queria saber se eu tinha tempo ou não. Será que precisava de ajuda na bicicleta? Mas, o Ben disse-lhe as horas e ele seguiu... Ah! Era esse o tempo que ele queria. Estes americanos têm umas formas esquisitas de perguntar as horas.

Tirei umas fotos, bebemos água, recuperámos forças e voltámos para trás.

Realmente o trilho estava mais a subir que a descer, porque a volta foi uma verdadeira alucinação de down-hill em caminhos rápidos entre redwoods. A ideia da colisão com um daqueles troncos fazia a adrenalina subir vertiginosa pelas minhas veias e o facto de transportar a câmara às costas fazia-me controlar muito mais a descida. A velocidade nas descidas faziam com que as subidas seguintes fossem feitas quase sem pedalar e com a pedaleira mais pesada.

Só os portões dos campos é que nos fizeram parar... E as vacas! Sim! Quando chegámos ao local da paragem na subida, as vacas tinham tomado o caminho. Eu estava de vermelho e elas começaram a olhar para mim meio de lado, mas eu segui e enchutei-as. Confesso que estava pronto a desmontar e correr para a árvore mais próxima, mas elas nem se chatearam muito.

No entretanto apareceu um tipo com uma Kona só com uma velocidade. O gajo era maluco tentar fazer aquilo tudo só com uma mudança... Se calhar por isso é que vinha a pé. Mas não sabia bem onde estava. Lá lhe mostrámos que já sabíamos onde estávamos. De repente, apareceram mais uma amiga e uma amigo. Este último saca do GPS e diz "Há um caminho à esquerda a cerca de 100 metros". Eu e o Ben olhámos um para o outro, olhámos para o mapa e lá estava o caminho. Rimo-nos e fomo-nos embora... O BTT assim não tem piada... Assim, quem é que se perde e encontra aqueles sítios paradisíacos que ninguém conhece?

Antes de chegar ao carro já só falávamos de comida e decidimos ir comprar umas trutas e grelhá-las em casa do Ben.

Eu fui tomar banho a casa, porque não tinha trazido roupa. Trouxe uns condimentos e às 9h da noite estávamos a desfrutar umas trutas maravilhosas recheadas com bacon, tomate, cebola e pimentos, acompanhadas por umas batatas assadas na brasa com alho. Tudo regado com um vinho branco muito frutado género o Porta da Ravessa. Maravilha para os sentidos e em todos os sentidos.

Contei-lhe quase a história de Portugal toda. É surpreendente como estes tipos nunca ouviram falar do Tratado das Tordesilhas... Eu falei mais do que o deixei falar.



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