Domingo, 2 de Julho de 2000
Domingo antes de uma segunda de ponte e uma terça
feriado. Soube tão bem ficar a dormir até mais tarde
um bocadinho. A Joana e a Cristina dormiram na cama e eu e o Tiago
compartilhámos o chão.
Levantámo-nos e fomos para a piscina, quase
sem comer nada ao pequeno almoço. Telefonei ao Ben e ele
ficou de aparecer, para irmos fazer um barbecue no parque Piper
em Larkspur, ali mesmo perto de minha casa. Mas, ficámos
na piscina até nos fartarmos e até ele aparecer.
Pelos vistos a amiga dele do bigode e do barbecue artístico
de sexta-feira, tinha-nos convidado para ir almoçar lá a
casa, com mais uns amigos artistas dela. Obviamente que não
ia deixar os meus amigos a fazer um barbecue num parque ali ao
lado de minha casa e ia para Treasure Island a um almoço
de umas malucas quaisquer. O Ben lá foi, sozinho, mas feliz.
Nós agarrámos no fogareiro, comprámos
uns bifes, cerveja, carvão e umas batatas fritas e fomos
para o parque Piper.
O parque Piper é mais um da centena de milhares
de parques citadinos que existem aqui na região onde eu
vivo, mas tem a particularidade de ser mesmo ao lado de uma língua
de água da baía e ter uma rede de volley sempre montada.
O estacionamento é muito e grátis e como é mesmo
ao lado da esquadra da polícia está impecavelmente
tratado e mantido.
Quando lá chegámos estava um grupo
de indianos a jogar cricket. Quando saímos de lá,
cerca de cinco ou seis horas depois, ainda jogavam. É impressionante
como se consegue jogar uma seca de jogo daqueles tanto tempo...
E o basebol é a mesma coisa... Os jogos duram em média
essa quantidade de tempo.
Ateámos o carvão, que neste lado do
oceano é sintético e cheira a petróleo, o
que facilita enormemente o acto de acender o lume, mas que destrói,
também enormemente, o sabor da comida. E, pusemos a grelhar
um bife com quase dois dedos de altura. Estes americanos só gostam
de peitos de frango e da carne cortada à posta grossa. Tivemos
que ir cortando pequenos pedaços de carne, pois a fome era
negra e se estivéssemos à espera que aquilo grelhasse
tínhamos morrido à fome.
Enquanto comíamos e bebíamos uma cervejinha,
jogámos ao disco... Até que o sono começou
a bater.
Pois é... Vocês não devem acreditar,
mas a verdade é que nos deitámos ali na relva a sentir
a brisa a percorrer o corpo e a ouvir o som calmo do chilrear dos
pássaros no pântano ali ao lado e,... Adormecemos!
Cerca de uma hora depois, fomos acordando aos poucos.
No entretanto, chegou a Mónica e o Ben. Aparentemente o
rapaz cansou-se do tal almoço, pois o ambiente apesar de
ser distinto do sexta, era no todo semelhante, pois os artistas
mudaram, mas o Circo era o mesmo. A Mónica farta de estar à espera
da Rita, que tinha ido dar de comer aos gatos, telefonou ao Ben
para ver o que estávamos a fazer e por sorte ele estava
a ir ter connosco e deu-lhe boleia.
Depois da soneca o que restava do bife era carvão
e pusemos mais um bocado para a Mónica que pelos vistos
não tinha almoçado. O Ben, não se fez rogado
e acompanhou.
De novo, o frio expulsou-nos do bem bom. Fomos para
casa à espera que a Rita, o André e a Kathelene aparecessem.
Esperámos! Esperámos! E, esperámos!
Já estávamos a entrar em paranóias por causa
da Rita, quando se houve mais um carro a parar no parque e uns
segundos depois alguém a tocar à campainha. Era a
Rita! Ufa!
Pelos vistos quem é distraída jamais
se encontra. Nós já sabíamos que se tinha
perdido à ida, para dar de comer aos gatos em Fremont, do
lado Este da baía, o que fez com que demorasse cerca de
quatro horas a chegar à casa da velha do Carlos. Mas, o
mais grave foi perceber que ela tinha-se perdido em São
Francisco, mais propriamente, ela não sabia como chegar
do centro de São Francisco à Golden Gate. E, mais
grave que isso, é que toda a gente a quem ela perguntou,
também não sabia... Eram quase 9h30m da noite e ela
tinha saído de casa às 10h, para ir a Fremont e vir
ter a Corte Madera, que não são mais do que 100 quilómetros.
Mas, ainda comeu um restinho de bife do churrasco
com o resto do arroz do caril do dia anterior. Nada de grave...
E, só rir!
No entretanto, como o Tiago vazava para Portugal
na quinta e a Joana queria comprar umas prendas para ele levar,
eles decidiram ir-se embora e dormir em Mountain View, para irem às
outlets de Gilroy no dia seguinte.
Confesso que fiquei triste, pois estava a imaginar
que no dia seguinte me acompanhassem numa caminhada, que na quarta
fossemos para Stinson Beach a pé do Tamalpais e que fossem
comigo ver o fogo de artifício do quatro de Julho a Sausalito.
Ainda se tentou que o pessoal se juntasse na noite de segunda em
Mountain View, ou uma ida ao Metreon, o cinema da Sony em São
Francisco, mas, eu queria era paz e sossego, calma e relax.
Fiquei por casa e combinei com o Ben ir andar de
bicicleta no dia seguinte. Já que era para dar cabo do corpo,
nada melhor para a mente do que um chuto de adrenalina.
Segunda-feira, 3 de Julho de 2000
Levantei-me, telefonei ao Ben e combinei com ele
ir ter a casa dele às 2h da tarde.
Meti a Vaynessa no bólide, almocei no MacDonalds,
tomei um café e arranquei para San Rafael.
Cheguei a San Rafael à hora combinada, mas
o Ben ainda estava atrasado. Meter o suporte na traseira do carro
e conduzir até ao sítio da partida, fez com que só lá chegássemos
quase às 4h. E, ainda por cima falhámos o sítio
que queríamos mesmo e fomos parar bem longe. Nós
queríamos ir fazer uma volta de cerca de 30 quilómetros
que passava no trilho onde os americanos dizem que nasceu o BTT
(que não me lembra o nome...), mas em vez disso fomos parar
a cerca de 20 quilómetros do sítio em linha recta,
porque de carro eram mais de 35. Mas pronto!
Nós bem olhámos para o mapa, mas nada
no local em que estávamos se parecia realmente com o local
que queríamos e só descobrimos isso quando perguntámos
a uma tipa que tinha acabado de chegar de um dos trilhos. O Ben
tentou uma aproximação ao carro dela para lhe pedir
informações, mas ela assustou-se e mandou dois berros
para ele se afastar. Estava a vestir as calças!!! O Malandro
do Ben queria ver a rapariga de calças em baixo.
Pegámos nas nossas companheiras a pedais
e metemo-nos pelo caminho, que não sendo o que originalmente
nos tínhamos proposto a fazer, servia muito bem para os
intuitos previstos, por nós, para aquela tarde. O trilho
em causa seguia a crista dos montes do lado leste do vale de Point
Reyes, um vale talhado pela falha de S. André e portanto
os montes onde estávamos não eram mais que formações
geológicas resultantes do deslocamento das placas tectónicas.
A Norte via-se a Baía de Tomales, uma longa língua
de água que entra por esse vale adentro e que serve de zona
de nidificação de uma série enorme de peixes,
entre eles o perigoso tubarão. Nós fomos para Sul,
em direcção a Stinson Beach, sempre pelo cimo do
monte.
O trilho começava a subir, o que era bom
para quem não tinha feito aquecimento e não andava
de bicicleta há bastante tempo. O Ben é um boi de
força e era quase impossível acompanhá-lo.
Aliás, o esforço para o acompanhar trouxe os primeiros
frutos no fim da primeira subida, quando nos cruzámos com
dois betetistas, que nos avisaram para termos cuidados com os regos
de água secos nas subidas. Digamos, que estava zonzo, com
náuseas e ofegante, tudo resultado do meu metabolismo a
tentar reagir ao esforço anaeróbico que tinha acabado
de fazer. Avisei o Ben para ir mais devagar e segui calmamente
sem parar. Se parasse ali, acho que não tinha seguido.
A subida continuou por entre um monte dourado sem
quase nenhuma árvore e com umas rochas aqui e ali, até que
chegámos ao início de uma grande subida visível
por cerca de dois ou três quilómetros. Já me
estava a sentir muito melhor e o meu estômago já reagia
bem à entrada de água. Subi tudo em cima da Vaynessa,
coisa que o Ben não pode dizer, porque a companheira dele
deixou-o ficar mal na parte mais íngreme do percurso. Ambos
estávamos com os pneus de trás quase carecas, mas
pelos vistos a minha técnica é melhor que a dele...
O mesmo já não posso dizer da força! O sol
pelas costas aquecia...
Mas no cimo da subida havia uma sombra, parámos
para beber água e recuperar da subida. As vacas andavam
ali a pastar, mas apesar de estar a carregar a câmara e apetecer-me
tirar uma foto, o calor e a má disposição,
ainda presente, não me fizeram ficar ali muito tempo.
Seguimos e de repente entrámos numa floresta
de redwoods. As árvores tinham cerca de 30 metros de altura.
A temperatura caiu subitamente uns graus e a minha situação
melhorou consideravelmente. Alguns dos troncos das árvores
tinham mais de dois metros de diâmetro e eu só pensava
nos pinheiros em Portugal, que nos permitem ficar abraçados
aos seus troncos quando colidimos com as árvores. Ali uma
colisão contra uma redwood podia ser um caso grave de esborrachanço
e possivelmente só com uma espátula é que
me tiravam de lá.
Apesar de não ter havido muitas subidas íngremes
e longas, a média final entre subidas e descidas pedia para
o lado das primeiras. O trilho subia e descia várias vezes,
mas as minhas pernas diziam-me que estávamos a subir mais
que a descer.
Quando os redwoods acabaram, demos de frente para
Stinson Beach, mas vista de cerca de uns quinhentos metros de altitude,
a cerca de um quilómetro em linha recta e a descer. A vista
era soberba, sobre as águas da lagoa de Bolinas e o verde à toda
a volta. Daquele ponto mal se apercebe da presença humana
na região...
De repente ouvimos o barulho de uma bicicleta a
descer o trilho vertiginosamente. O tipo para e pergunta-me se
eu tinha tempo. Eu fiquei parvo a tentar perceber para é que
ele queria saber se eu tinha tempo ou não. Será que
precisava de ajuda na bicicleta? Mas, o Ben disse-lhe as horas
e ele seguiu... Ah! Era esse o tempo que ele queria. Estes americanos
têm umas formas esquisitas de perguntar as horas.
Tirei umas fotos, bebemos água, recuperámos
forças e voltámos para trás.
Realmente o trilho estava mais a subir que a descer,
porque a volta foi uma verdadeira alucinação de down-hill
em caminhos rápidos entre redwoods. A ideia da colisão
com um daqueles troncos fazia a adrenalina subir vertiginosa pelas
minhas veias e o facto de transportar a câmara às
costas fazia-me controlar muito mais a descida. A velocidade nas
descidas faziam com que as subidas seguintes fossem feitas quase
sem pedalar e com a pedaleira mais pesada.
Só os portões dos campos é que
nos fizeram parar... E as vacas! Sim! Quando chegámos ao
local da paragem na subida, as vacas tinham tomado o caminho. Eu
estava de vermelho e elas começaram a olhar para mim meio
de lado, mas eu segui e enchutei-as. Confesso que estava pronto
a desmontar e correr para a árvore mais próxima,
mas elas nem se chatearam muito.
No entretanto apareceu um tipo com uma Kona só com
uma velocidade. O gajo era maluco tentar fazer aquilo tudo só com
uma mudança... Se calhar por isso é que vinha a pé.
Mas não sabia bem onde estava. Lá lhe mostrámos
que já sabíamos onde estávamos. De repente,
apareceram mais uma amiga e uma amigo. Este último saca
do GPS e diz "Há um caminho à esquerda a cerca de
100 metros". Eu e o Ben olhámos um para o outro, olhámos
para o mapa e lá estava o caminho. Rimo-nos e fomo-nos embora...
O BTT assim não tem piada... Assim, quem é que se
perde e encontra aqueles sítios paradisíacos que
ninguém conhece?
Antes de chegar ao carro já só falávamos
de comida e decidimos ir comprar umas trutas e grelhá-las
em casa do Ben.
Eu fui tomar banho a casa, porque não tinha
trazido roupa. Trouxe uns condimentos e às 9h da noite estávamos
a desfrutar umas trutas maravilhosas recheadas com bacon, tomate,
cebola e pimentos, acompanhadas por umas batatas assadas na brasa
com alho. Tudo regado com um vinho branco muito frutado género
o Porta da Ravessa. Maravilha para os sentidos e em todos os sentidos.
Contei-lhe quase a história de Portugal toda. É surpreendente
como estes tipos nunca ouviram falar do Tratado das Tordesilhas...
Eu falei mais do que o deixei falar. |