QUINTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 2000 C113
Cristina - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 1 de Julho de 2000

Fiz café na máquina de saco do Singh. Obviamente tive que lavar aquilo porque a quantidade de experiências biológicas levadas a cabo pelo meu colega de apartamento na jarra de vidro, fizeram com que fosse difícil ver se o café estava a sair bem. Foi só por isso, porque ele continua a usar a jarra do café desde aí sem a lavar e ainda está vivo.

Recebi um mail do Tiago enviado à hora que eram suposto chegar a minha casa, e a dizer que iam chegar atrasados. Novidades têm?

Por volta do meio dia chegou o Tiago, a Joana, a Rita, a Mónica e a Cristina, uma outra estagiária do Contacto, que está em Detroit no Michigan e de quem ainda vão ouvir falar, pelo menos nas próximas crónicas.

Mal chegaram, decidimos ir para a piscina. Ou para perto dela. Enquanto esperávamos que mais alguém aparecesse... Só o Ben tinha dado a certeza de aparecer. O André e a Kathelene só apareciam no dia seguinte.

A Cristina nem esperou que estivéssemos prontos, porque mal ouviu falar em piscina e sol já estava de fato banho e pronta a descer. A Rita e a Mónica, obviamente não tinham fato de banho, porque para além de nunca pensarem nisso, iam-se embora nesse dia para São Francisco, porque a Mónica trabalhava no domingo e a Rita tinha que ir dar de comer aos gatos que o Carlos está a tomar conta.

Complicado? Passo a explicar: O Carlos arranjou uma velha qualquer que lhe cedeu a casa e se calhar ainda lhe paga uns cobres para ele tomar conta dos gatos dela e da casa enquanto ela está de férias. Mas, o Carlos tinha ido para San Diego com mais pessoal e deixou o carro à Rita e à Mónica, e elas ficaram de ir dar de comer aos gatos.

Acho que foi a primeira vez que desfrutei da piscina do meu condomínio. Só tinha lá tomado banho uma vez e na altura ainda estava algo fria. Mas, naquele dia... Entrar custava um bocado, mas depois de se estar lá dentro nem apetecia sair... Porque aliás estava um ventinho algo frio cá fora.

Mas assim foi passando o tempo até que apareceu o Ben, com uma soneira e ressaca tamanha que não conseguia falar muito alto, e mal abria os olhos.

Nessa altura resolvemos ir almoçar qualquer coisa ao centro comercial do outro lado da rua e reagir, ou seja, dar um salto até qualquer lado.

Eu e o Tiago comprámos o menu especial para duas pessoas no mexicano dos burritos lá da esquina e que se saldou num frango inteiro, feijões, arroz, massa de pão esticada que nem sei o nome e umas latinhas de salada. Um luxo!

Sentámo-nos na esplanada, cada um com seu prato e desfrutámos o sol enquanto comíamos e depois enquanto tamávamos o café. Sempre sem pressas!

Resolvemos então reagir e fomos até Muir Beach, porque Stinson Beach já todos conheciam, exceptuando a Cristina, e aquela praia, só eu é que conhecia.

Quando lá chegámos o estacionamento estava completamente cheio, não porque se estivesse muito bem na praia, mas porque havia um enorme barbecue na zona abrigada junto ao riacho que dá à praia. Mas, nós como jovens destemidos fomos para a praia. Aliás, já ninguém conseguia segurar a Cristina, pois em Detroit, junto aos grandes lagos as praias são poucas e água salgada não existe.

Pois bem, as saudades do mar eram tantas que a Cristina conseguiu tomar banho na água gelada do pacífico em Muir Beach. Eu só de me aproximar da linha de água já imaginava o gelo que devia de ser, e além disso não estava com tantas saudades.

O pessoal pôs-se a jogar ao disco. E, eu fui com a Cristina até ao cimo do morro por cima da praia. Acho que já vos contei isto, mas Muir Beach é tipo as praias do Alentejo. É um pequeno areal entre duas encostas escarpadas fruto da erosão do tal riacho, de seu nome Muir Creek. A escarpa a norte da praia está toda ocupada com habitações sumptuosas e com grandes janelas viradas para o mar. Um luxo! E a encosta sul, à direita da praia quem olha o Oceano Pacífico, pois aqui as praias têm a mesma orientação que na costa ocidental portuguesa o que faz com que não se estranhe muito... Mas estava a falar da encosta sul está completamente inabitada e protegida ambientalmente, mas tem um trilho que segue até à próxima praia, que é em Tenessee Valley e que já vos falei, pois era onde eu ia passear de bicicleta a partir do escritório. Essa praia também é fruto da erosão de um riacho de seu nome Tenessee.

Mas, eu e a Cristina subimos à encosta sul. A Cristina de chinelos abusou um bocado da sorte, mas quando chegámos lá acima a vista sobre o recorte da costa e as ondas a baterem contra a rocha fez-me lembrar o Sítio na Nazaré. Uma vez numas férias há uns anos, eu a Cláudia e uns amigos fomos até à ponta do Sítio, onde está o farol. O mar estava de tal maneira bravo, que a ondulação contra as rochas nos fascinaram durante uns momentos. Tenho uma foto de todos parados a olhar a água a bater nas rochas como se fosse uma das mais belas pinturas vivas da história da arte.

Quando cheguei lá em cima, lembrei-me desse momento. Além disso, as marcas da civilização naquele ponto eram quase imperceptíveis o que faz desta área uma beleza natural tão acessível. O verde da montanha, o castanho das rochas, o branco da espuma, o azul do céu e o verde azulado do mar são muito bonitos.

Tirámos umas fotos um ao outro, falámos da costa vicentina e voltámos à praia, onde o pessoal e o vento frio nos esperava. O resto do pessoal farto de levar com areia e com frio, queria se ir embora e decidimos ir comer umas ostras a Point Reyes.

Quando estávamos a sair da praia, voltámos a passar pelo tal barbecue/festa e o número de pessoas envolvidas tinha aumentado e aliás, acabava de chegar o nosso colega Jorge. Uma coincidência. Dois minutos antes ou depois e nem nos tínhamos encontrado. Pelos vistos uma colega de trabalho convidou-o para o tal barbecue e ele ali estava. Ela é que aparentemente não estava... Esperámos um bocado para ele confirmar se ela estava ou não e quando ele desistiu veio atrás de nós na sua mota até ao Point Reyes National Seashore, o parque natural na placa tectónica do pacífico.

Eu fui com a Rita e a Mónica no carro do Ben e ia sempre com atenção porque o Jorge estava a ficar sem gasolina. A Mónica vinha agarrada ao assento como se a vida dela dependesse disso... Estava enjoada!

Parámos o carro junto ao Earthquake Trail e fomos passear até à falha de S. André e à cerca que se deslocou três metros no terramoto de 1906. Estávamos no epicentro do terramoto, como indicava o café pelo qual tínhamos passado há minutos na estrada. Acho que em Portugal em algumas vilas deviam de haver cafés chamados "O Incendiário".

O Earthquake trail é como diz o nome... O Trilho do terramoto. Sim! Ao longo do trilho existem uma série de placares que explicam o fenómeno geofísico que faz com que a terra trema e o movimento das placas tectónicas. Naquele momento estávamos na placa do pacífico, mas ali a cerca de uma dezena de metros estava a placa continental americana que se deslocava para Norte. O trilho tem cerca de 750 metros e asfaltado para permitir que os deficientes também possam usufruir do contacto com a natureza e a informação sobre os terramotos.

Eu quando vi a primeira vez a tal cerca que se tinha deslocado três metros achei aquilo uma treta. Mas aqui há uns dias a ver um site na Internet sobre o terramoto aparece uma fotografia de 1906 da mesma cerca e fiquei completamente crente. A cerca na altura separava dois campos e havia uma quinta ali ao lado. A quinta é hoje o centro de recepção do parque natural de Point Reyes e os campos estão povoados de árvores. A cerca foi mantida para que a população local tenha consciência do barril de pólvora onde vivem e para saberem que procedimentos tomar no caso de sofrerem um terramoto. O terramoto de 1989, o último grave na zona, (porque terramotos são diários e nalgumas zonas mais frequentes, eu é que não senti nenhum) não teve grandes efeitos nesta zona a norte de São Francisco, ficando os efeitos pela cidade e a zona a sul e este dela. Mas, os peritos dizem haver 70% de hipóteses de haver um terramoto quase da dimensão do de 1906, podendo atingir a magnitude de 6.7, nos próximos 30 anos. Pode ser já amanhã... Esperemos que não!

Mas saímos dali com uma fome e já só pensávamos nas ostras. Parámos os carros, assim que entrámos na vila de Point Reyes e sentámo-nos numa esplanada a beber uma cervejinha e a comer ostras com molho de alho e cruas, ao pôr-do-sol.

Mas há lá coisa melhor na vida do que comer e beber uns copos com os amigos?... De repente lembro-me de umas poucas, mas não vêm ao caso! Lembrei-me das lapas em Porto Santo e da Cláudia que adora estas coisas. Depois volto só com ela lá...

Ficámos ali na esplanada, até o nevoeiro que se aproximava do lado do mar, nos expulsar com o seu amigo, vento frio. Seguimos para minha casa. O Jorge que vinha ansioso por acelerar e fazer umas curvas na sua mota, teve o azar de deparar com a polícia numa zona de escolas... Nós tentámos parar mas a polícia mandou-nos seguir senão também éramos multados. O Jorge vai a tribunal, o que é bom, porque por aqui apelar vale a pena.

Chegámos a casa cansados e sujos. Tomámos banho (um de cada vez) e fizemos carne picada com caril para o jantar. A Rita e a Mónica foram-se embora para São Francisco e os restantes deitámo-nos cedo...



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