C110 SEGUNDA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2000
Gay Parade Romeo Must Die - Fotografia de Rui Gonçalves

Nem comento o atraso da coisa.

Domingo, 25 de Junho de 2000

O dia do Lesbian, Gay, Bi and Transgender pride parade.

Acordámos cedo pois não queríamos perder nada do desfile. Enquanto nos preparávamos para sair apareceu o Tiago e a Joana e logo a seguir a Ana Pinhal e a mãe.

Descemos O'Farrell, porque tínhamos combinado com o resto do pessoal encontrarmo-nos em frente à Gap de Powell. Claro, que se já é difícil encontrar alguém lá num domingo normal, faria no dia do Pride Parade.

Ainda parámos para beber um café no Starbuck's e quando chegámos a Powell deparámos com uma enorme multidão de espectadores que não nos deixava sequer ver as cabeças dos desfilantes.

Eu queria era um local onde pudesse disparar umas fotos, e ali não dava. Nem queria saber se não me encontrava com o resto do pessoal. Falei com o pessoal e começámos a subir a Market, porque senão acho que tinha ido sozinho.

Parámos perto do Warfield, a sala onde vi o Peter Murphy há quase quatro meses.

Nós éramos umas verdadeiras ilhas ali. Seriamos sem dúvidas dos poucos heterossexuais numa área de cerca de 100 metros. E isto, estou a falar do público que estava a assistir, porque dos que estavam a desfilar... Já lá vamos!

Ao meu lado esquerdo estava um casal de gays masculinos. O que aparentemente tomava o papel da "fêmea" na relação, e que era meio oriental, passou o tempo todo a coçar as costas do "macho" e tinha um ar tão possessivo que até metia impressão. A dada altura perguntaram-nos de que nacionalidade é que éramos, isto já numa altura em que o Rafael, um brasileiro, tinha aparecido. E, quando dissemos que éramos portugueses, puseram-se com aquelas infantilidade do "Vês, como eu te disse que era português" e "Eu disse primeiro".

Ao meu lado direito estava um grupo de gays masculinos. Deviam ser para aí uns  quatro ou cinco, e não dava para destinguir se aquilo eram casais ou se era mesmo um grupo de amigos coloridos comuns.

À minha frente estava um tipo e a namorada, que era outro oásis, naquele mar de gays, maioritariamente masculinos. O tipo era de origem argentina e também percebia português do Brasil, estava quase de malas aviadas para ir a Espanha de férias e convenci-o a dar um salto a Portugal. Se virem um gajo de cabelo preto encaracolado e uma tipa aloirada americana, podem dizer que me conhecem...

Mas ao lado deles estava um outro oriental gay, que aparentemente tinha viajado para ali e estava a tentar encontrar alguém conhecido na parada.

Mais tarde apareceu uma família de chineses, pai, mãe e dois filhos que se meteram entre mim e o grupo de gays. Ela usava um guarda-sol daqueles redondos chineses, cujas miniaturas se põem nos gelados e que ficou em algumas das minhas fotos. A dada altura de entre milhares de coisas que eram atiradas da parada para o público, eu apanhei uma embalagem, que se assemelhava a um rebuçado e os miúdos chineses ficaram cheios de pena de não o terem apanhado. Eu gentilmente ofereci aquilo ao pai chinês, que era o que estava mais próximo. Ele começou a ver o que era aquilo... E eu também. Era lubrificante! Uma embalagem de lubrificante... Haviam de ver o ar do homem a atirar aquilo para o chão. Lindo!

Mais longe de mim estava um homem de bigode vestido de mulher, com um vestido colorido e com chapéu e tudo. Eu tirei-lhe uma fotografia, mas quando ele notou que estava a focar, desviou-se e ficou de costas... Se calhar achava que era o seu melhor ângulo, não sei!

Mas falemos da parada em si. Os primeiros seres que eu vi desfilar foram os motards gays. Isto porque as Dykes on Bikes, já tinham passado. (Para quem não sabe, dyke é lésbica). Digamos que esses foram quase os mais normais do desfile, porque tirando um ou outro que estavam vestidos e pintados de mulher, a maioria não passavam de motards.

Mas depois veio de tudo. A Rainha do Poly-Esther, um homem inacreditavelmente mulher. Eu julgo que era um transexual, mas prefiro continuar na minha ignorância. E nem sei se tem alguma coisa a ver com a discoteca com o mesmo nome, mas eu já desconfiava do sítio. No mesmo carro seguia um outro "homem" que cantava uma música dos Erasure com a voz do Jimmy Summerville. É impressionante ver como alguém consegue ter uma voz tão aguda e cantar tão bem ao mesmo tempo.

Seguiu-se de tudo. Os polícias, bombeiros e enfermeiros gays e lésbicas, a desfilarem nos carros oficiais das corporações, junto com alguns amigos e familiares a mostrarem cartazes a dizerem "Orgulhosamente irmã de uma bombeira lésbica" ou coisas semelhantes.

Seguiram-se a associação de pais e amigos dos gays e lésbicas e a associação dos gays e lésbicas pais. Com cartazes como "Lésbica de terceira geração", "Qual deles é o meu pai?" e "Tenho duas mães". Lindo! Slogans fantásticos para pôr em qualquer t-shirt e levar para a escola... Isto havia de ser em Portugal e os miúdos nem sequer voltavam à escola.

Ainda houve tempo para aparecer um tipo vestido com a bandeira do arco-íris, símbolo dos gays, e com um cartaz a dizer "God is Gay" e outro que eu tenho uma fotografia da Haight St. Fair, completamente nú e com um cartaz a dizer "Vamos fazer do 4 de Julho o dia do orgulho nú". Outro com um cartaz a dizer "No Special Rights for Straights" e um grupo deles com t-shirts a dizer "Ass Master Fan Club- We are Everywhere..." na frente e "... Except Korea" nas costas. Não percebi se era um grupo de veteranos da guerra da coreia, que não pareciam, pela idade e por estarem inteiros, ou se tinham alguma coisa contra os coreanos... Amigos na Coreia, existe algum problema aí contra os homossexuais?

Mas para mim o mais impressionante foi quando desfilou um grupo de mulheres cujo um dos peitos tinha sido amputado devido ao cancro da mama. Não é muito bonito de se ver e tenho uma foto disso, que vou colocar no eGroups, mas que não vou enviar, porque prefiro não chocar... E daí! Acho que por vezes o choque é melhor, para que as pessoas se apercebam dos problemas. Depois eu vejo, mas de qualquer maneira vai para o eGroups.

A dada altura as figuras começaram a repetir-se. Casais de homens, uns vestidos de noivas e outros de noivo, seres saídos de não sei onde e completamente deformados por causa das hormonas, até lésbicas de tronco nú a mostrarem que têm os mesmos direitos dos homens. Valia tudo...

E começou a cansar. O Tiago estava completamente enojado e já nem sequer ligava a quem desfilava. A crença na continuidade da espécie ficava ali seriamente abalada. E, era impressionante ver como cerca de um milhão de pessoas desfilava e não sei quantos mais assistiam, alguns vindos da outra costa dos Estados Unidos, só para se juntarem aos Gays no dia do Orgulho Gay na cidade mais Gay do Mundo.

Ainda houve tempo para um Gay dar uma palmada na mãe da Ana Pinhal com uma palmatória, em tom de gozo. Depois, soube que o Mário chegou a ser apalpado... Mas também não admira, foi ver a parada com a roupa que levou à festa do J&J.

Decidimos ir almoçar porque por ali estava tudo visto. E, também estava difícil de arranjar onde comer, pois já começava a ser tarde, mas conseguimos ir comer a mais restaurante de comida americana. O habitual hambúrguer e batatas fritas.

Fui buscar as coisas a casa da RM&P e decidi ir-me embora. Elas ainda deram um salto à festa gay, no fim da tarde. Sim! Porque o desfile ou parada acabava na zona central da cidade, onde existia uma festa a tarde toda. As festas aqui começam cedo e acabam ainda mais cedo. Por volta das sete da tarde já está tudo arrumado e despachado. Mas, mesmo assim houve quem se divertisse na festa...

Eu carreguei o PC, câmara e mochila durante sete quarteirões para chegar ao sítio onde tinha deixado o bólide, com algumas paragens pelo meio para tirar umas fotos a umas casas e igrejas...

Cheguei ao carro calmamente e fui-me embora de São Francisco. Estava cansado e com o sol que tinha apanhado na moleirinha estava mole.

Mas, quem estava mole também era o bólide porque não andava como deveria de ser. Acelerava e o rapaz parecia que estava a rolar em seco, como se a embraiagem estivesse metida. Ele andava, mas demorava a desenvolver e nunca passava das 40 milhas por hora.

Comecei a ficar preocupado na subida antes do túnel da 101, após a Golden Gate, pois aí e como a inclinação é grande, não passava das 30 mph. Ainda pensei em sair em Sausalito e ver o que se passava, mas na descida embalou e consegui chegar a casa sem problemas.

Tentei ver se seria o cabo da embraiagem que tinha encolhido, mas não dava para desapertar um parafuso que tinha lá, para testar e não mexi muito. No dia seguinte pedia uma chave a alguém e tentava.

Nem jantei. Comi qualquer coisa enquanto acabava de compilar as crónicas e as passava para as páginas da web, que já devem conhecer.



Índice: Página I1 Col. 1
Próxima Crónica: Página C111 Col. 1