Como devem imaginar na última crónica
não falei dos trajes de todos, mas não foi porque
ache que estavam menos originais, mas porque simplesmente já era
difícil de me lembrar de todos.
Mas acerca da festa. O espírito da festa
foi extraordinário e foi bonito ver como as pessoas entraram
facilmente na brincadeira e no desafio de se vestirem à 60's
e 70's. Eu gostava de ver a repetição desta festa
em território nacional, quando voltarmos... Provavelmente
muita gente não teria a coragem de aparecer assim vestido
na rua e ir a uma festa em Portugal, porque há sempre aquela
vergonha e a mania que toda a gente vai reparar e falar... E vai!
Aqui nos Estados Unidos, as pessoas vestem o que querem e ninguém
liga. Por isso é que lhe chamam o país da liberdade?
Deve ser, porque de resto quase tudo é proibido.
Mas, este foi o espirito de São Francisco,
do pessoal e do fim de semana do Gay Pride. Liberdade de ser como
se é... E o país da liberdade.
Mas voltemos às estórias que isto
está mesmo atrasado... Quase um mês.
Sábado, 24 de Junho de 2000
Depois da festa do J&J, acordar foi um processo
difícil e moroso. Acordámos às 10h, e a primeira
coisa que fizemos foi ligar a TSF via Internet e ouvir o Portugal
- Turquia. Portugal já ganhava por 1-0 e a coisa foi melhorando
até que o resultado final ficou em 2-0. Durante o jogo estava
em conversa directa com a Sofia em Inglaterra que tinha 14 pessoas
em sua casa, a comemorar o São João e a ver o futebol.
Enquanto isso a mãe da Patrícia já se
tinha levantado, também e eu pela primeira vez em 6 meses
consegui pôr as mãos num jornal português. Sim!
Pôr as mãos, porque até agora tinha só posto
os olhos... Na página na Internet.
Quando o jogo acabou resolvemos sair para ir tomar
o pequeno almoço a algum lado. Eu, o Tiago, a Rita, a Mónica
e a Joana, porque a Patrícia ia mostrar a cidade à mãe.
Ao sair do prédio delas reparei que mesmo
em frente no The Great American Music Hall (http://www.musichallsf.com/)
actuavam nessa noite, os Eels. Como quem não quer a coisa
fui perguntar se tinham bilhetes e quanto é que custavam.
Só $10? Comprei logo um. Nem que fosse sozinho, depois de
ter ido ver os Primal Scream sozinho não perdia nada em
ir ver os Eels também, e além disso ainda não
conhecia esta sala, que supostamente é a mais antiga da
Califórnia.
Enquanto comprava o bilhete um dos roadies da banda,
que estava a descarregar o material de palco, dizia a uma tipa,
que tinha comprado o bilhete à minha frente, que ele é que
iria fazer a primeira parte, porque não conseguiram arranjar
uma banda pelo preço que pagavam. O tipo, que devia de ter
quase 50 anos e tinha um ar de quem tinha vindo de uma quinta qualquer
ou que vivia na rua, falava aquilo com ar de gozo, mas estava a
falar verdade como irão ver.
O pessoal decidiu ir almoçar, porque já não
eram horas de tomar o pequeno-almoço, e como é costume
as possibilidades levantadas e recusadas são sempre imensas,
pelo que já estávamos quase na Market St. quando
decidimos ir ao MOMA, o Museam Of Modern Art (http://www.sfmoma.org/).
Ainda não visitei o museu, mas não
deve demorar muito, porque se deixo muito para o fim já sei
que acabo por não ver nada. Mas, o café é muito
giro. Decorado de uma forma moderna e em tons de castanhos terra
misturados com metais mate, fica muito bonito. As mesas são
em metal e as cadeiras têm uma forma esquisita e difícil
de explicar, mas vocês quando vierem cá eu mostro-vos.
Fez-me lembrar a Pizzarte em Aveiro... Ah! Saudades de uma verdadeira
pizza italiana, um verdadeiro crepe ao fim da tarde ou uma sangria
com os amigos.
Mas, o melhor do café do museu, são
as sandes de fiambre que parecem feitas para verdadeiros americanos,
mas que naquele dia, e com o estômago mal tratado como tinha,
me pareceram ainda maiores do que realmente são. Gostei
também da pirâmide de chapa de zinco, que nos dão
para assinalar a nossa ordem, e que serve para os empregados mexicanos
depois virem trazer a comida à mesa. Sui generis.
Decidimos ir dar uma volta pelos jardins de Yerba
Buena, que ficam ali mesmo entre o MOMA e o Metreon, o cinema,
e centro comercial e de entretenimento da Sony. Como é normal
em todos os jardins norte-americanos há uma queda de água
e um sítio para atirar moedas e pedir desejos. Esta queda
de água é parecida com a da Expo 98, mas muito mais
pequena e sem a mesma pujança, mas larguei uma moeda e pedi
um desejo. Eu peço sempre coisas simples mas tão
difíceis de serem concretizadas, que acho que estou a desperdiçar
dinheiro. Mas, não vos vou dizer o que pedi, senão
o desejo não se realiza.
Deitámo-nos na relva do parque e ficámos
ali a tarde toda na conversa e apanhar sol como uns verdadeiros
americanos. Ou alemães... Mas é tão bom e é pena
que em Portugal não se faça o mesmo. Porque é que
em Portugal se nos deitarmos na relva de um parque qualquer somos
logo expulsos de lá? A relva serve só de efeito decorativo?
Mas, enquanto o Tiago ressonava entre duas conversas,
a Mónica foi ver as horas da missa à igreja de St.
Patrick, ali mesmo em frente, eu ia beber água ao bebedouro,
para compensar a sandes de fiambre e o álcool da noite anterior,
a Joana dormia e a Rita também.
Um grupo de jovens americanos alunos de uma qualquer
escola de arte, como milhares deles que existem por aqui e que
aproveitam qualquer ocasião para fazerem uma pequena performance,
estavam a tentar fazer uma corrida de pintainhos. As crianças
acumularam-se para ver aquele grupo de rapazes e raparigas de fato
de macaco amarelo, ou vestidos de todas as cores e com o cabelo
cortado das formas mais esquisitas e das cores mais variadas. Mas,
a segurança do parque veio acabar com a coisa, porque era
proibido animais no parque... Como se os pintainhos fossem atacar
algum utente do parque. Mas, podiam sujar a relva onde estávamos
deitados.
Só me arrependi uma centena de vezes de não
ter levado a câmara fotográfica comigo, pois motivos
coloridos não faltavam e a luz estava mesmo boa para umas
linda fotografias.
No entretanto a Mónica e a Rita foram à missa
e nós os restantes fomos para casa delas. O Tiago e a Joana
iam dormir a Mountain View, mas voltavam no dia seguinte de moto
para ver a Lesbian, Gay, Bi and Transgender Pride Parade.
Eu como não tinha nada para fazer, fui passear
e ver o bólide a ver se estava tudo bem. Subi a Polk St.
até à California St. e daí até à Webster
St. Para quem não conhece, são quase 7 quarteirões,
o que equivale a cerca de 2 quilómetros de ida e mais outro
tanto de volta.
Mas, em Polk, quase a chegar a California, parei
numa livraria de livros usados que se diz a maior e mais bem organizada
de São Francisco. Não duvido, pois o número
de prateleiras e de estantes fazia lembrar uma biblioteca e a limpeza
e organização por temas fazia inveja à minha
colecção de banda desenhada. E digo-vos que há quem
me goze por aquilo estar tão organizado. Só o cheiro
a mofo é que estragava um bocado o ambiente e estava-me
a fazer impressão, para além de que estava com alguma
pressa de ir até ao bólide e voltar a tempo de jantar
e ir ao concerto dos Eels.
A California St. tem umas casas victorianas muito
bonitas, depois de se passar a Van Ness e fui maravilhado a apreciar
as vistas até a Webster. Mais uma vez me arrependi de não
trazer a câmara, mas tinha que lá voltar quando fosse
embora, portanto podia resolver a questão. Porém
a luz podia não ser a mesma.
Quando voltei a casa da RM&P, estivemos a fazer
o jantar enquanto eu limpava as lentes e a câmara, pois a
coitada tem um ano e já sofreu tanto que estava mesmo porca.
Já não me lembro bem o que foi o jantar, sei que
foi frango, mas foi comido à pressa, pois já estava
na hora do concerto. Mas, isso não fez com que soubesse
bem, depois de uma tarde passada no parque e de uma caminhada como
aquela.
Quando entrei no The Great American Music Hall,
fiquei logo chateado. Então, não é que me
ficaram com o bilhete. Eu que guardo religiosamente todos os bilhetes
de concertos a que vou. Embora aqui os bilhetes sejam uma treta,
pois são iguais aos bilhetes do cinema e não têm
nada de especial... Mas, mesmo assim gosto de os guardar e tenho
direito a fazê-lo. Mas, pronto, não ia bater no porteiro
por causa disso e não ia deixar de ver o concerto.
A sala é linda. Mesmo! Parece um teatro e
eventualmente já o foi. O trabalhado do telhado e dos balcões
faz lembrar algumas coisas do São Carlos ou do Sá da
Bandeira, o que aliás tem coisas em comum, pois o TGAMH
já foi um bordel. Porém, esta sala é a mais
pequena de todas as que fui, o que dá um ar acolhedor e
bastante agradável ao ambiente. Uma coisa boa nos concertos
aqui é que nunca se vendem bilhetes a mais e a sala apesar
de esgotada estava bastante agradável e havia espaço
para passear e apreciar as belezas da sala. Vou ver se levo uma
câmara para a próxima, porque pelo que vejo toda a
gente faz isso, por aqui.
Entra-se directamente para a sala de concertos,
não há um corredor ou mesmo uma cortina que tape
a sala do exterior. Apenas se sobe umas pequenas escadas e está-se
de frente para o palco e da rua vê-se o concerto. A sala
deve ter cerca de 50 metros de profundidade, desde a porta ao palco
e em cada lado existem uns balcões género mezanino
que são de uma beleza extraordinária e que estão
assentes numas colunas de mármore. O chão é de
madeira e brilhava como se de um espelho se tratasse. E ao centro
da sala um candeeiro dá a luz suficiente para criar a atmosfera
perfeita para se ver uma banda como os Eels, ou outra. Nas paredes
haviam espelhos que me fizeram lembrar o lindo Café Magestic...
Fiquei maravilhado! Voltarei lá em breve com a Cláudia,
para lhe mostrar a beleza da sala. Vale a pena!
O pessoal estava todo sentado no chão à espera
da primeira parte, quando entrei. Sentei-me e aguardei também.
Fiquei a cerca de duas filas do palco que estava a pouco mais de
um metro de altura do chão e que dava um ar de proximidade
com o público extraordinário. Já fui a muitos
concertos, mas estes concertos de bandas menos conhecidas e em
salas pequenas são os melhores. Cada vez que vou a um concerto
destes, lembro-me dos tempos em que comecei a sair à noite
no Porto, onde cresci, e havia uma série de bares pequenos
com bandas ao vivo, principalmente na Ribeira. Nessa altura haviam
dezenas de bandas de garagem em Portugal e o rock estava a dar
a sua segunda explosão. Ainda me lembro de estar aos saltos
no micro-palco do Luis Armastrondo na Ribeira, com uns tipos desconhecidos
que pareciam os Pogues portugueses e que faziam de qualquer concerto
uma festa e que se chamavam Sitiados.
Ali a sala era um bocado maior e o palco não
era tão pequeno, mas com a parafernália de instrumentos
que o povoavam parecia bastante pequeno. À primeira vista
era possível descortinar um contrabaixo, um piano género
saloon, uma ou duas guitarras, dois violinos, uns saxofones de
vários tamanhos, ferrinhos, bateria, tímpanos e um
xilofone. Mas, durante o concerto passaram por ali, ainda além
desses, marambas, um baixo, um banjo, um pífaro, uma flauta
transversal, um trombone, uma trompete, um clarinete e umas duas
guitarras acústicas e de diferentes formas. Era impressionante
ver a quantidade de instrumentos que cada um dos intervenientes
tocava.
Mas, já estou a pôr a carroça à frente
dos bois, porque ainda não entrou o responsável pela
primeira parte.
A dada altura apagaram as luzes e anunciaram no
sistema de som, que devido a um acidente de carrinha, a banda que
iria fazer a primeira parte, não o poderia fazer. A tal
banda imaginária, de seu nome Baby Rappers (violadores de
criancinhas), tinha morrido toda num terrível acidente com
a carrinha da banda e quem iria preencher o seu lugar era um dos
roadies dos Eels, de seu nome Spyder.
Afinal a treta de que ele ia fazer a primeira parte
era mesmo verdade. Entrou em palco com uma guitarra eléctrica
e disse que os próximos vinte minutos eram dedicados à sua
música e a algumas histórias da sua vida, de quatro
anos na estrada com os Eels. A música era normaleca. Género
cantor popular tradicional americano, misturado com country e rock.
Nem sei bem do que falava mas era basicamente de amores não
correspondidos.
Ao fim de quase um quarto de hora, parou, arrumou
a guitarra e disse que ainda tinha cerca de quatro minutos, para
nos contar umas histórias do Mr. E (vocalista e mentor dos
Eels) e companhia. Avisou que as histórias mais interessantes
e que metiam animais e sexo, não podiam ser contadas em
frente aquela audiência. E, quando se preparava para contar
a primeira história, tocou o telemóvel... Era o Mr.
E a dizer que estava na hora de largar o palco e dar a vez aos
Eels. Uma paródia muito divertida, que continuou durante
o concerto todo.
O concerto começou com a entrada em palco
do Butch, o baterista da banda, que estava vestido de freira, com
chapéu e cruz ao peito. Começou por tocar tímpanos,
enquanto o resto da banda entrava em palco. Uma tipa, que depois
o Mr. E anunciou como sendo a Lisa Germano, uma importante personagem
do universo 4AD nos últimos anos, entrou com uma vestimenta
de renda preta, composta por uns calções e uma camisa
de folhos, e tocou quase uma dezena de instrumentos, com mais predominância
pelos violinos e ainda cantou. Os membros dos instrumentos de sopro
entraram, um vestido com uma batina branca até aos pés
e um turbante dourado e o outro de fato de cerimónia com
cauda e tudo. O baixista e contra-baixista, vinha vestido à músico
de saloon com colete e botas à cowboy.
Começaram com uma versão instrumental
do "Novacaine for the soul", em que utilizaram quase todos os instrumentos
que estavam em palco e que só era perceptível na
melodia da guitarra e na parte em que o Butch gritava "Before I
sputter out". Durou quase uns dez minutos, e no fim da mesma, entrou
em palco o Mr. E, de braço dado ao roadie Spyder, como se
fosse cego.
O concerto durou cerca de duas horas, e passaram
por quase o último álbum todo, que eu ainda não
conheço. Mas, ainda fizeram umas incursões ao primeiro "Beautiful
Freak" e que fizeram as delícias do público presente.
O Mr. E contava umas piadas de vez em quando, entre as músicas
ou dizia uma graçolas, como quando apresentou a banda, e
anunciou que o saxofonista tinha acabado o curso de não-sei-o-quê,
naquele dia e que tinha a família entre o público,
e dirigindo-se ao filho dele diz para ele ter esperança
que o pai, um dia, ia deixar as drogas e que iria desempenhar as
suas funções de pai condignamente.
Ainda tivemos direito a dois encores. E cada vez
que o Mr. E saia ou entrava do palco lá ia o Spyder dar-lhe
o braço e acompanhá-lo aos bastidores.
Num deles, quando estavam a tocar uma música
que eu não conhecia, e que tinha um ritmo bastante forte,
o Butch que estava na bateria e fazia a segunda voz, ficou subitamente
a tocar sozinho, quando o Mr. E o resto da banda pararam de tocar
surpresos com os berros que ele dava. Ele, supostamente fez que
não deu conta e ainda deu mais dois berros antes de parar
e reparar que estava a tocar sozinho e estavam todos a olhar para
ele. Mais um momento hilariante.
Depois houve uma parte que supostamente foi uma
piada, mas que tem algum fundo de verdade. O Mr. E disse que se
recorda tristemente de todos os concertos que deu em São
Francisco, porque no dia seguinte ao primeiro, a irmã dele
morreu e no dia seguinte ao segundo, morreu a mãe. E, agora
tinha sido acidente dos Baby Rappers... Mas a verdade é que
a irmã se suicidou há uns dois anos e a mãe
morreu no ano passado, o que influenciou bastante os últimos
dois discos da banda, mas que não fez com que todo o concerto
fosse um verdadeiro divertimento musical e cómico.
Ainda contou uma história de uma entrevista
em Inglaterra em que lhe pediram para apontar o maior sucesso da
banda que tivesse saído em single. E, ele apontou um tema
que nunca tinha sido editado em single, mas que para ele era o
maior sucesso deles... E assim, tocaram o maior sucesso que não
foi single... Ah! Os tais ingleses passaram a música convencidos
que era o single mais vendido da banda!
Quando o concerto acabou já estava a ficar
cansado, pois as mazelas da noite anterior ainda estavam presentes.
Mas o caminho até casa era curto... Era só atravessar
a rua.
Ah! Devolveram os bilhetes à saída...
Põem os bilhetes numa taça e cada um leva o que lhe
apetecer, pois são todos iguais. Fiquei mais satisfeito.
E fui dormir, com os blues electrónicos dos
Eels nos ouvidos...
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