QUARTA-FEIRA, 5 DE JULHO DE 2000 C107c
Pelicanos em Point Bonita - Fotografia de Rui Gonçalves

Segunda-feira, 19 de Junho de 2000

Depois de um fim-de-semana de trabalho e em qualquer segunda-feira, acordar cedo custa e como filho de alentejano que sou, acordei cansado.

Não tive coragem de pegar na Vaynessa e fui para o escritório no bólide, que como de costume anda na reserva... Ainda não aprendi com a história de ficar sem gasolina na Golden Gate Bridge.

Quando cheguei ao escritório, tinha no meu mail todas as partes do tal trabalho temático, menos duas. A história do trabalho é a seguinte: Eu, que estou nos Estados Unidos, estou num grupo de trabalho que é composto pelo António, que está na Hungria, a Sofia, que está no Luxemburgo, a Filipa Pato, que está na Argentina e a Filipa Aguiar, que está na Inglaterra. Este grupo propôs como título para o trabalho temático, qualquer coisa como Turismo Ecológico e o Desenvolvimento Sustentável e cada um era responsável por fazer uma parte do trabalho e escrever sobre o que se faz acerca do turismo ecológico, no país onde está.

Acontece que alguns tiveram dificuldades em perceber o tema e outros tiveram problemas de tempo e de ligação, pelo que chegada a hora de entrega do trabalho, que era nesta segunda-feira, não estava acabado. Mas, com a ajuda e colaboração de quase todos os do grupo conseguiu-se avançar bem depressa para a resolução de todos os problemas.

Terça-feira, 20 de Junho de 2000

Novamente, continuou a discussão em volta do trabalho temático. O que inserir, cortar e que imagens colocar.

E ao mesmo tempo, ter que fazer o trabalho normal...

Quarta-feira, 21 de Junho de 2000

Ao fim da tarde consegui receber a última das partes e acabar e enviar o trabalho temático. Já estava a ficar farto de ver Turismo Ecológico.

Aliás num dos dias em que escrevia sobre o Turismo Ecológico em Portugal e estava a falar do Parque Natural da Serra do Alvão, comecei a pensar na Cabana em Lamas D'Olo e nas trutas, alheiras, paio e afins que por lá se come. Estava a sonhar com isso e com a ideia de lá ir no próximo fim-de-semana e visitar a minha sobrinha e os meus cunhados... Quando ouvi uma voz falar inglês ao fundo do corredor e me apercebi que estava a milhares de quilómetros de distância desse paraíso. Acordei!

Sai do escritório com outra disposição, pois já podia apreciar as vistas e não tinha que ir a correr para casa para acabar o trabalho temático. Há uns dias que não se vê São Francisco do meu escritório, tal é o nevoeiro que cobre a entrada da baía e a cidade. Aqui, o nevoeiro afasta-se para o mar com os primeiros raios de sol, e só volta ao fim da tarde, enquanto que por lá e por ser uma zona baixa, o nevoeiro nunca sai. Quando o nevoeiro começa de novo a aproximar-se, ao fim da tarde e começa a passar por entre os cumes dos montes e a descer encosta abaixo, para o vale, parece como se a montanha estivesse a escorrer espuma, como quando o leite ferve e começa a subir a cafeteira devagar e entorna como se estivesse em câmara lenta. Dá vontade de ficar parado e apreciar aquilo... Não dá para tirar fotografias, porque o movimento não fica na foto, mas eu depois tento qualquer coisa.

Decide ir dar uma volta e ver se a Ponte da Golden Gate estava à maneira para descarregar mais umas fotos, mas o nevoeiro estava tão denso que nem se via a ponte e decidi ir passear para Marin Headlands.

Marin Headlands é a zona do parque da Golden Gate que fica mais próximo de São Francisco e é uma área preservada de nidificação de aves.

Segui a estrada que liga a ponte ao farol de Point Bonita. De repente umas estruturas em cimento chamaram-me à atenção e parei. Eram edifícios militares que em tempos sustentaram canhões que defendiam a entrada da baía das forças invasoras. A maioria das estruturas eram do tempo da Segunda Guerra Mundial, mas foram desmanteladas ou nunca foram usadas porque os japoneses nunca se aventuraram por estes lados. Haviam dois grandes buracos no monte onde num existiu um canhão de defesa descomunal e no outro nunca existiu nada, porque quando o canhão chegou já a guerra estava quase no fim. Parecia uma história à portuguesa.

Haviam vários postos de vigia, a maioria destruídos e cheios de ferrugem. Estes tipos que tanto se preocupam com o ambiente depois deixam aquelas estruturas de ferro e às vezes com chumbo, assim à chuva e ao ambiente corrosivo do mar numa zona de nidificação de aves. Para além dos buracos dos canhões, existe uma base de mísseis terra-mar (julgo), também desactivada, mas onde ainda se vê os radares e os mísseis... Pequenos por sinal. E uma estrutura de suporte de morteiros...

Agora imaginem andar a passear por esta zona de manga curta e sandálias. Sim porque em minha casa e no escritório estava calor, mas ali e com aquele nevoeiro denso e quase a chover e sem ver viva alma. A qualquer esquina podia aparecer um fantasma de um qualquer soldado que por amores se suicidou naqueles desfiladeiros e tentar assustar-me... Mas não, o mais que me aconteceu foi ter frio.

Quando finalmente cheguei a Point Bonitas o acesso ao farol estava vedado e um sinal dizia para ir até um ponto mais a oeste e ver de lá o farol. Bem, a treta não era a mesma, mas a vista era espectacular. Era um miradouro virado ao pacífico numa encosta uns 50 ou mais metros do nível da água. Em frente uma ilha de pedra castanha, mas que as centenas de pelicanos que a habitam resolveram dar uma cor mais clara e pintá-la de branco, a cor dos seus excrementos. À esquerda as escarpas contínuas da costa com o farol a esconder-se por detrás do nevoeiro e suspenso na ponta mais longe da costa. À direita a lagoa de Marin Headlands e as casas da colónia de férias e do Ranger, na praia que também desaparecia com o nevoeiro e que contrastava com o colorido das flores que cobriam o monte.

Um sinal avisava para os perigos de quem atravessasse para o outro lado da vedação e se quisesse aproximar da Birds Island, para além de avisar do incómodo que isso poderia representar para as aves. Bem, mas acham que eu na minha pequenez ia alguma vez incomodar uma colónia de centenas de pelicanos quase tão grandes como eu e além disso o caminho até lá estava bem visível e aparentemente não representava perigo. Fui até lá...

Não fosse o frio e tinha ficado ali sentado a apreciar a calma do mar a bater contra as rochas. Não haviam as normais chatas das gaivotas, talvez afugentadas pelos pelicanos e o facto de estar frio também deve ter afugentado os humanos, que mais inteligentes que eu, souberam não ir para ali. Ou talvez não... Não fossem tão inteligentes, porque aquele lugar é espectacular. Tenho que voltar sem nevoeiro, para ver se não foi ele que deu um ar nostálgico ao lugar.

Desci a Marin Headlands e até à praia. O centro de recepção do parque é uma antiga igreja, daquelas que se vê em todos os filmes de cowboys com uma torre em forma de lança muito esguia e comprida. Uma igreja dos puritanos, os que povoaram os Estados Unidos.

Junto à praia a lagoa desagua na praia e há aves por todo lado. Mas estava a ficar demasiado frio e o rolo de fotografias acabou.

Decidi voltar para casa, pois estava a escurecer. A estrada que vai dali para Sausalito passa por um túnel com cerca de um quilómetro, que só permite a passagem de carros num sentido de cada vez e que em cada lado tem um semáforo, que indica que só muda de 5 em 5 minutos. Eu fiz o túnel a descer e fiquei com vontade de lá voltar de bicicleta e com a máquina fotográfica com rolo e um tripé...

Quando cheguei a casa e depois de jantar, resolvi rapar a barba. Sim! Acabei com a pêra que usava há quase dois anos. Fartei-me! Mas, quando a rapava deixei o bigode para o fim e arrependi-me de não rapar aquilo só na sexta, porque podia ir à festa do Jorge e João de bigode. Ficava muito mais condizente com o tema da festa, Disco e Flower Power... Mas, agora, tinha que andar dois dias só de bigode para ir à festa e eu detesto bigodes... Rapei tudo!



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