C106 QUARTA-FEIRA, 28 DE JUNHO DE 2000
As Lakers Girls

Escrevo-vos isto enquanto oiço o relato do França - Portugal na TSF via Internet. Estamos a ganhar 1-0, mas nada de folias porque há 16 anos atrás também estávamos a ganhar e... Toda a gente sabe o que aconteceu, naquela fatídica noite de S. João.

Vou-vos escrever mais umas coisas das minhas aventuras em Anaheim, há uma semana e meia, para ver se acalmo um bocado. Eu até que nem gosto muito de futebol, este ano tenho andado completamente maluco com isto tudo. Primeiro o campeonato nacional que finalmente teve alguma emoção ao fim de tantos anos e agora esta selecção que me traz tantas alegrias. Aqui toda a gente fala em Portugal e no Figo. Todos os meus colegas minimamente informados, andam sempre a falar-me de futebol e da surpreendente prestação da nossa selecção no Europeu.

Mas mudemos de assunto, porque vocês querem é ver o jogo.

Sexta-feira, 16 de Junho de 2000

Passei a manhã na conversa com o Jason, o tal das sapatilhas e do som, e com a Michelle, a tipa que foi contratada para fazer a apresentação dos sistemas de imagem no stand. Ela é que representa o tal guião do Tim. Estivemos a falar com o Asaf, também, sobre as diferenças entre os americanos, os israelitas e os portugueses. Não concluímos nada.

A Michelle é uma tipa com cerca de 30 e alguns anos e que faz destes serviços de locução em diferentes ambientes, desde cruzeiros a stands de exposição. Aliás, tinha estado em Portugal, a fazer escala em Lisboa, num cruzeiro que foi desde a Grécia a São Francisco, durante seis meses no mar. Era uma loira, inteligente, mas que, ou tinha vários fatos iguais ou andou três dias com a mesma roupa... Mas safava-se bem quando algum dos sistemas não funcionava da maneira desejada.

E pronto, foi o dia todo a apresentar os sistemas e o VisConcept, de hora a hora, das 11h às 17h. A apresentação durava cerca de 15 minutos, e o que eu tinha que fazer era estar atento à minha entrada em cena e nessa altura mostrar algumas das potencialidades do VisConcept, em apenas um minuto. Basicamente, eu só tinha que fazer com que aparecesse lá o nome VisConcept e mostrar um carro a fazer uns piões e a mudar de cor.

Nos intervalos entre duas apresentações ia passear pelos stands da exposição ou ia comer e tomar café. Numa das minhas voltas, quando fui com o Jason, tivemos o prazer de presenciar o show das Lakers Girls, as sheerleaders dos Lakers, que jogavam essa tarde o que poderia ser o ultimo jogo dos play-offs, mas que não foi e a decisão foi adiada para segunda-feira.

Mas voltando, às Lakers Girls. Digamos que as meninas são do género Barbies, mas muito pequeninas e com tanta base que parecem bonecas de cera. Eram apenas cinco das meninas, mas escolhidas a dedo. Uma negra, uma oriental, uma loira, uma ruiva e uma morena. Dançavam e mostravam o corpinho, debaixo do equipamento dos Lakers, sempre sincronizadas... Um regalo para os olhos. E muito simpáticas, até arranjei uma fotografia autografada... Como os outros 22.000 visitantes que a feira de exposições teve naquele dia.

Lá andei às voltas a arranjar umas t-shirts e umas fantásticas bolas de borracha que quando lançadas ao chão começavam a piscar. Claro, que como engenheiro desvendei logo o mistério por detrás de tão grande invenção.  Não era mais que uma mola que em movimento, provocado pelo impacto com o solo, induzia um tensão num núcleo e criava energia suficiente para alimentar uns LEDs. Simples, mas engenhoso.

Estive também na conversa com o Michael durante a tarde e ele é casado e tem dois filhos. Eu na brincadeira disse que pretendia ter um filho e que gostava de dizer que tenho um filho com menos um ano. O Michael respondeu-me que um judeu nunca diria isso, porque segundo ele um judeu nunca faz nada antes do tempo e nunca dá prendas a uma criança que ainda não nasceu... Segundo a religião judaica cada coisa tem o seu tempo. Achei uma ideia própria de um engenheiro... Se calhar foram mesmo eles que construíram as pirâmides.

Ao fim da tarde, saí do Convention Center com a ideia de me ir meter dentro da sopa da piscina. Combinei com o Sharon, um tipo dos mais novos do grupo, alto, de rabo de cavalo e brinco, que gostava de futebol e era doido por basquetebol e pelo Telaviv e com o Sergio, um tipo novo, também, com um cabedal de meter medo e um bocado forte, com cara de mau, uma argola na orelha que lhe dava um ar de pirata, mas com um humor extraordinário e com uma dificuldade imensa em falar inglês.

Passei pelo 7-11, porque precisava de pilhas para a máquina, que tinham acabado na noite anterior quando estava a tirar fotografias ao fogo de artifício da Disneyland. Estava tão habituado a pegar em rebuçados nos stands que quase peguei num à saída do 7-11.

Fui vestir os calções ao hotel e fui para a piscina, às 6h da tarde.

A piscina estava tão quente como no dia anterior. No entretanto apareceu o Aron, um dos israelitas mais calados, mas dos que fala melhor inglês. Loiro e de origem romena, casado e pai de uma menina com quatro meses... Passou o tempo a falar dela e ficou todo orgulhoso quando me mostrou as suas fotografias.

Depois apareceu o Sergio sozinho, porque o Sharon decidiu ficar a ver o jogo dos Lakers. O Sergio, nasceu na argentina, o que explica o seu mau inglês e só com dez anos é que foi para Israel. Aproveitei para melhorar o meu espanhol, porque era mais fácil para ele comunicar na língua natal e a mim não me fazia diferença. Até fazia, porque já estava farto de falar inglês.

Estivemos dentro de água, na conversa até cerca das 8h, quando decidimos ir tomar banho para irmos jantar. E, fomos todos, os quatro, porque o Sharon juntou-se a nós, jantar a uma pizzaria ali perto. Estivemos a falar de tudo, desde futebol (Portugal jogava no dia seguinte com a Roménia) até Portugal e Israel.

Fiquei a saber que o Sharon tem um pub em Telaviv, o Sergio é casado e tem uma filha com dois anos e que tinha perdido uma fantástica festa no Convention Center no dia anterior. Era uma boa oportunidade de conhecer a malta toda... Ou talvez não. Mas como saí muito cedo para a piscina... Azar.

Depois de tanto tempo na piscina de água aquecida a moleza começou a fazer das suas e o sono começou a atacar.

Eu fui para o quarto, arrumar as coisas, porque no dia seguinte tinha que mudar de hotel. E já tinha em vista um motel ainda mais perto do Convention Center... E bem ao nível do que eu podia pagar, porque naquele hotel a noite de sábado custava $96, qualquer coisa próximo dos 20 contos.

Mas, o quarto do Hotel era um luxo... Sofá e uma mesinha à entrada do lado esquerdo e uma cómoda ao longo da parede do lado direito, acabando com uma mesa e cadeira a servir de escrivaninha. No centro uma cama de casal, com três almofadas, duas mesinhas de cabeceira e dois candeeiros. A televisão com comando à distância e enorme estava colocada em cima da cómoda.

Ao fundo do quarto estava um armário para a roupa e um lavatório e à sua esquerda a porta para a casa-de-banho, com banheira. Havia ainda um enorme espelho ao fundo da cama, por cima da cómoda.

Comecei a arrumar a mala... Subitamente a mala que tinha ido vazia, já estava a abarrotar de tralha.

Sábado, 17 de Junho de 2000

Acordei muito cedo, para ter tempo de fazer o check-in no Motel antes de ir para o Convention Center. Mas, quando estava a sair do Hotel, carregado de mala, portátil e câmara fotográfica, apareceu o Berty, de carrinha, com o resto do pessoal e deu-me boleia até ao Convention Center.

O Berty é um tipo muito calado, como a maioria dos israelitas que ali estavam, e como dizia o Jason, parece que nem sabem falar inglês, mas quando se lhe pergunta alguma coisa, falam. Se calhar é isso, cada coisa tem o seu tempo e não se fala se não for preciso... Mas acerca do Berty, sempre me pareceu um antipático, mas afinal era mais uma primeira impressão enganadora acerca de quem mal fala, porque ele até mandava umas piadas engraçadas e era bastante simpático, depois de quebrado o gelo.

Deixei a mala na carrinha e fui fazer o check-in ao Motel Sir Rudimar. Só visto... Um casal de chinocas que mal sabiam falar inglês, mas que tinham um Motel mesmo ao lado da Disneyland e a um preço baratíssimo. Não vi o quarto, mas fiquei a recear que a coisa fosse do pior... Mas se estava lá um tipo de um dos stands e que até disse que não era muito mau e como era só por uma noite... Que se lixasse.

Fui tomar o pequeno almoço ao Donut store, mesmo ali ao lado e pareceu-me que tinha andado para trás no tempo. Na mesa ao lado da minha estava um grupo de raparigas Rock'a'billys, daquelas que pareciam mesmo do Grease... Lábios vermelhos vivos, com pó de arroz e ganchos com flores no cabelo... Vestidos e soquetes... Lindo!

Quando voltei ao stand, o Larry, um dos americanos da ComView, veio-me perguntar se já me tinha registado noutro Motel e que devia de ter falado com ele, porque o erro foi deles. Pelos vistos, alguém deve lhe ter dito que eu tinha saído do Hotel e o homem ficou atrapalhado pelas complicações em que me tinha metido. Eu disse para não se preocupar e ele ficou de me reembolsar do dinheiro que eu pagasse no Motel... Que só era metade do preço do Hotel... Mas estava para ver a qualidade!

Ainda tive tempo de ver mais um show das Lakers Girls, mas elas também tiveram problemas com o material. O CD que era suposto tocar... Não tocava e não houve show... Não faz mal, comeu-se uns chocolates.

Ao fim da tarde a Dvora, uma holandesa de meia idade, meia corcunda e muito simpática e que devia ser a relações públicas da ComView, mas não percebi se nos Estados Unidos ou em Israel, veio-me oferecer uma lembrança como agradecimento pela minha ajuda à apresentação deles. Mais uma vez, só depois de tudo ter acabado é que vieram os agradecimentos e os cumprimentos. É mesmo como dizia o Michael, ninguém deita foguetes antes da festa.

E depois da exposição ter fechado as portas, o Mier, juntou toda a gente e fez um discurso em que me agradeceu pela ajuda e desejou que a selecção portuguesa ganhasse à Alemanha, uma vez que já tinha ganho à Inglaterra e à Roménia, e que tivesse uma boa prestação no Europeu. Obrigado!

Despedi-me de algum do pessoal, porque a maioria tinha ido ao hotel mudado de roupa, porque ainda iam desmontar tudo nessa mesma tarde. E fui para o Motel, tomar banho, porque queria ir até à praia, ver as tão faladas praias de Los Angeles e o mar.

Apanhei novamente boleia do Berty e fui com o Max, um pequeno israelita sorridente, parece saído de um filme dos irmãos Max. Não é o Groucho, mas parece um deles... Parece um verdadeiro português da província, da GNR. E como tinha comprado uma trotinete, aqueles skates com guiador, estava eufórico.

O quarto do motel era tudo aquilo que o primeiro não era... Era no rés-do-chão, virado para o pátio interno do complexo que além de carros tinha 8 palmeiras altíssimas, uns caixotes do lixo, dois sofás e uma máquina de bebidas. As palmeiras estavam distribuídas uniformemente pelo pátio que tinha uma forma quandrangular, com a recepção ao fundo, duas palmeiras de cada lado e duas nos vértices mais próximos do meu quarto, o número oito. No quarto ao lado do meu estava um tipo que ou morreu ou desapareceu, porque um amigo foi lá bater à porta insistentemente (estive para o mandar calar) duas vezes... E só estive no quarto cerca de meia hora.

Mas o quarto em si era do melhor que podem imaginar por aquele preço e mesmo ao lado da Disneyland. Pois bem, a casa de banho até era asseada, apesar de ser antiga. Quando lá entrei nem vi o chuveiro, mas depois de uma melhor aproximação lá fiquei menos assustado. A cama de casal, com uma coberta em tons de castanho e com mais buracos que uma rede de pesca, ocupava o meio do quarto. Estava feita! Ao fundo da cama encostada à parede e de maneira a deixar um pequeno corredor entre os dois, existia uma cómoda com três gavetões, que nem abri. Do lado esquerdo da cama estava uma mesinha de cabeceira com um lindo candeeiro em latão que em tempos deve ter sido polido, mas que não via um pano há já alguns tempos... Quando o quis ligar não consegui encontrar o interruptor... Procurei, procurei... Até que pensei que estivesse no cabo da energia, o que é normal aí em Portugal, mas que aqui não existe... Foi aí que descobri que o candeeiro nem sequer estava ligado. Ok! Para que não explodisse nas minhas mãos, ficou assim.

Do lado direito da cama estava um cadeirão em vime. Talvez a única peça de mobiliário decente no quarto... Estranhei! Eu levava-a para casa, mas para estar aqui é porque para estes tipos, aquilo não vale nada. Ao lado direito do cadeirão estava a porta da casa de banho. E junto a ela do lado direito, uma mesinha com as listas telefónicas e um telefone. O telefone não funcionava muito bem, porque cada vez que queria usá-lo estava ocupada a linha... Ah! Um caixote do lixo e um espelho colocado a tal altura que eu quase ficava sem cabeça... Deve ter sido o chinoca que o colocou.

Havia ainda um canto escondido que servia de armário da roupa, mas nem sequer me chateei a ver. E uma janela com umas cortinas de plástico, que felizmente estavam em melhor estado que a manta da cama e não deixavam entrar muita luz.

A televisão que estava num suporte por cima da cómoda era daquelas meias destruídas e com sintonização manual e sem comando à distância. A cor aproximava-se da realidade... De quem já fumou umas coisas ou bebeu demais!!!

E o calor no quarto? Como era um edifício térreo levou com o sol a tarde toda e estava uma verdadeira brasa. Quando tomei banho nem me conseguia vestir e quando voltei para o quarto tive que me pôr logo em cuecas porque senão morria... O ar condicionado era coisa que não havia por ali... Aliás havia, mas fazia mais barulho que um gerador dos mais barulhentos. Um verdadeiro quarto de Motel dos filmes...

Eu depois de ver aquele ambiente dantesco resolvi ir apanhar o autocarro e ir até ao mar. Uma hora de autocarro, por bairros de casas térreas e sem nenhuma beleza. Nada para ver da janela... Até chegarmos à costa.

O tempo não estava muito bom, mas as palmeiras e o mar traziam uma alegria enorme, para quem não via nada assim há 5 dias. Bem! De repente ao longe no meio do nevoeiro viam-se os tais poços de petróleo que eu tinha visto do ar... E por detrás deles a Ilha de Catalina. E muitos surfistas, que devem adorar ver poços de petróleos... Que decepção! As praias de Portugal, são muito mais bonitas... E até as de São Francisco, apesar de serem mais frias.

Tive que sair da praia, depois de molhar os pés, porque não era possível estar ali muito mais tempo, porque não havia nada de especial para se ver.

Comecei a andar à procura de um sítio para jantar, mas tudo o que havia por ali era caro demais para o orçamento que eu tinha. Sem mapa, andei às voltas e acabei por me perder e ir dar a uma península de nome Balboa, isto em Newport Beach. Finalmente alguma coisa de bonito... Já estava a escurecer, mas deu para ver uma língua de casas e marinas entre o mar e o estuário de um pequeno rio. Género Vilamoura... 

Quase uma hora depois lá consegui encontrar a paragem de autocarro e voltei. Durante a viagem, tive como companhia um chinoca que levou a viagem toda com um dedo na boca e a falar o tempo todo, algumas coisas que eu, claro, não percebi nada. Eu aproveitei para dormir no autocarro. Quando decidiu sair, pediu-me para tocar sem falar uma palavra inteligível, extraordinário.

Ainda voltei ao Convention Center, para me despedir do resto do pessoal, mas estava tudo de rastos à espera de transporte para os monitores e deitado no chão do stand. Fui dormir.

Ainda houve alguns tipos de quem não vos falei, como o Danny um israelita novo, simpático, tímido, com um andar esquisito e com quem nunca falei. O Isaac, careca e um dos vendedor de Israel e com quem também não falei. O Ronny, outro vendedor de Israel, que usava rabo de cavalo e com quem também nunca falei. O Dani, um velho israelita, género agricultor e que com quem nunca falei. O Eatzik, aparentemente professor de física e com ar de alucinado, também é israelita e nunca falou comigo.

Como podem ver, eram mais que as mães...



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