Escrevo-vos isto enquanto oiço o relato
do França - Portugal na TSF via Internet. Estamos a ganhar
1-0, mas nada de folias porque há 16 anos atrás também
estávamos a ganhar e... Toda a gente sabe o que aconteceu,
naquela fatídica noite de S. João.
Vou-vos escrever mais umas coisas das minhas aventuras
em Anaheim, há uma semana e meia, para ver se acalmo um
bocado. Eu até que nem gosto muito de futebol, este ano
tenho andado completamente maluco com isto tudo. Primeiro o campeonato
nacional que finalmente teve alguma emoção ao fim
de tantos anos e agora esta selecção que me traz
tantas alegrias. Aqui toda a gente fala em Portugal e no Figo.
Todos os meus colegas minimamente informados, andam sempre a falar-me
de futebol e da surpreendente prestação da nossa
selecção no Europeu.
Mas mudemos de assunto, porque vocês querem é ver
o jogo.
Sexta-feira, 16 de Junho de 2000
Passei a manhã na conversa com o Jason, o
tal das sapatilhas e do som, e com a Michelle, a tipa que foi contratada
para fazer a apresentação dos sistemas de imagem
no stand. Ela é que representa o tal guião do Tim.
Estivemos a falar com o Asaf, também, sobre as diferenças
entre os americanos, os israelitas e os portugueses. Não
concluímos nada.
A Michelle é uma tipa com cerca de 30 e alguns
anos e que faz destes serviços de locução
em diferentes ambientes, desde cruzeiros a stands de exposição.
Aliás, tinha estado em Portugal, a fazer escala em Lisboa,
num cruzeiro que foi desde a Grécia a São Francisco,
durante seis meses no mar. Era uma loira, inteligente, mas que,
ou tinha vários fatos iguais ou andou três dias com
a mesma roupa... Mas safava-se bem quando algum dos sistemas não
funcionava da maneira desejada.
E pronto, foi o dia todo a apresentar os sistemas
e o VisConcept, de hora a hora, das 11h às 17h. A apresentação
durava cerca de 15 minutos, e o que eu tinha que fazer era estar
atento à minha entrada em cena e nessa altura mostrar algumas
das potencialidades do VisConcept, em apenas um minuto. Basicamente,
eu só tinha que fazer com que aparecesse lá o nome
VisConcept e mostrar um carro a fazer uns piões e a mudar
de cor.
Nos intervalos entre duas apresentações
ia passear pelos stands da exposição ou ia comer
e tomar café. Numa das minhas voltas, quando fui com o Jason,
tivemos o prazer de presenciar o show das Lakers Girls, as sheerleaders
dos Lakers, que jogavam essa tarde o que poderia ser o ultimo jogo
dos play-offs, mas que não foi e a decisão foi adiada
para segunda-feira.
Mas voltando, às Lakers Girls. Digamos que
as meninas são do género Barbies, mas muito pequeninas
e com tanta base que parecem bonecas de cera. Eram apenas cinco
das meninas, mas escolhidas a dedo. Uma negra, uma oriental, uma
loira, uma ruiva e uma morena. Dançavam e mostravam o corpinho,
debaixo do equipamento dos Lakers, sempre sincronizadas... Um regalo
para os olhos. E muito simpáticas, até arranjei uma
fotografia autografada... Como os outros 22.000 visitantes que
a feira de exposições teve naquele dia.
Lá andei às voltas a arranjar umas
t-shirts e umas fantásticas bolas de borracha que quando
lançadas ao chão começavam a piscar. Claro,
que como engenheiro desvendei logo o mistério por detrás
de tão grande invenção. Não era
mais que uma mola que em movimento, provocado pelo impacto com
o solo, induzia um tensão num núcleo e criava energia
suficiente para alimentar uns LEDs. Simples, mas engenhoso.
Estive também na conversa com o Michael durante
a tarde e ele é casado e tem dois filhos. Eu na brincadeira
disse que pretendia ter um filho e que gostava de dizer que tenho
um filho com menos um ano. O Michael respondeu-me que um judeu
nunca diria isso, porque segundo ele um judeu nunca faz nada antes
do tempo e nunca dá prendas a uma criança que ainda
não nasceu... Segundo a religião judaica cada coisa
tem o seu tempo. Achei uma ideia própria de um engenheiro...
Se calhar foram mesmo eles que construíram as pirâmides.
Ao fim da tarde, saí do Convention Center
com a ideia de me ir meter dentro da sopa da piscina. Combinei
com o Sharon, um tipo dos mais novos do grupo, alto, de rabo de
cavalo e brinco, que gostava de futebol e era doido por basquetebol
e pelo Telaviv e com o Sergio, um tipo novo, também, com
um cabedal de meter medo e um bocado forte, com cara de mau, uma
argola na orelha que lhe dava um ar de pirata, mas com um humor
extraordinário e com uma dificuldade imensa em falar inglês.
Passei pelo 7-11, porque precisava de pilhas para
a máquina, que tinham acabado na noite anterior quando estava
a tirar fotografias ao fogo de artifício da Disneyland.
Estava tão habituado a pegar em rebuçados nos stands
que quase peguei num à saída do 7-11.
Fui vestir os calções ao hotel e fui
para a piscina, às 6h da tarde.
A piscina estava tão quente como no dia anterior.
No entretanto apareceu o Aron, um dos israelitas mais calados,
mas dos que fala melhor inglês. Loiro e de origem romena,
casado e pai de uma menina com quatro meses... Passou o tempo a
falar dela e ficou todo orgulhoso quando me mostrou as suas fotografias.
Depois apareceu o Sergio sozinho, porque o Sharon
decidiu ficar a ver o jogo dos Lakers. O Sergio, nasceu na argentina,
o que explica o seu mau inglês e só com dez anos é que
foi para Israel. Aproveitei para melhorar o meu espanhol, porque
era mais fácil para ele comunicar na língua natal
e a mim não me fazia diferença. Até fazia,
porque já estava farto de falar inglês.
Estivemos dentro de água, na conversa até cerca
das 8h, quando decidimos ir tomar banho para irmos jantar. E, fomos
todos, os quatro, porque o Sharon juntou-se a nós, jantar
a uma pizzaria ali perto. Estivemos a falar de tudo, desde futebol
(Portugal jogava no dia seguinte com a Roménia) até Portugal
e Israel.
Fiquei a saber que o Sharon tem um pub em Telaviv,
o Sergio é casado e tem uma filha com dois anos e que tinha
perdido uma fantástica festa no Convention Center no dia
anterior. Era uma boa oportunidade de conhecer a malta toda...
Ou talvez não. Mas como saí muito cedo para a piscina...
Azar.
Depois de tanto tempo na piscina de água
aquecida a moleza começou a fazer das suas e o sono começou
a atacar.
Eu fui para o quarto, arrumar as coisas, porque
no dia seguinte tinha que mudar de hotel. E já tinha em
vista um motel ainda mais perto do Convention Center... E bem ao
nível do que eu podia pagar, porque naquele hotel a noite
de sábado custava $96, qualquer coisa próximo dos
20 contos.
Mas, o quarto do Hotel era um luxo... Sofá e
uma mesinha à entrada do lado esquerdo e uma cómoda
ao longo da parede do lado direito, acabando com uma mesa e cadeira
a servir de escrivaninha. No centro uma cama de casal, com três
almofadas, duas mesinhas de cabeceira e dois candeeiros. A televisão
com comando à distância e enorme estava colocada em
cima da cómoda.
Ao fundo do quarto estava um armário para
a roupa e um lavatório e à sua esquerda a porta para
a casa-de-banho, com banheira. Havia ainda um enorme espelho ao
fundo da cama, por cima da cómoda.
Comecei a arrumar a mala... Subitamente a mala que
tinha ido vazia, já estava a abarrotar de tralha.
Sábado, 17 de Junho de 2000
Acordei muito cedo, para ter tempo de fazer o check-in
no Motel antes de ir para o Convention Center. Mas, quando estava
a sair do Hotel, carregado de mala, portátil e câmara
fotográfica, apareceu o Berty, de carrinha, com o resto
do pessoal e deu-me boleia até ao Convention Center.
O Berty é um tipo muito calado, como a maioria
dos israelitas que ali estavam, e como dizia o Jason, parece que
nem sabem falar inglês, mas quando se lhe pergunta alguma
coisa, falam. Se calhar é isso, cada coisa tem o seu tempo
e não se fala se não for preciso... Mas acerca do
Berty, sempre me pareceu um antipático, mas afinal era mais
uma primeira impressão enganadora acerca de quem mal fala,
porque ele até mandava umas piadas engraçadas e era
bastante simpático, depois de quebrado o gelo.
Deixei a mala na carrinha e fui fazer o check-in
ao Motel Sir Rudimar. Só visto... Um casal de chinocas que
mal sabiam falar inglês, mas que tinham um Motel mesmo ao
lado da Disneyland e a um preço baratíssimo. Não
vi o quarto, mas fiquei a recear que a coisa fosse do pior... Mas
se estava lá um tipo de um dos stands e que até disse
que não era muito mau e como era só por uma noite...
Que se lixasse.
Fui tomar o pequeno almoço ao Donut store,
mesmo ali ao lado e pareceu-me que tinha andado para trás
no tempo. Na mesa ao lado da minha estava um grupo de raparigas
Rock'a'billys, daquelas que pareciam mesmo do Grease... Lábios
vermelhos vivos, com pó de arroz e ganchos com flores no
cabelo... Vestidos e soquetes... Lindo!
Quando voltei ao stand, o Larry, um dos americanos
da ComView, veio-me perguntar se já me tinha registado noutro
Motel e que devia de ter falado com ele, porque o erro foi deles.
Pelos vistos, alguém deve lhe ter dito que eu tinha saído
do Hotel e o homem ficou atrapalhado pelas complicações
em que me tinha metido. Eu disse para não se preocupar e
ele ficou de me reembolsar do dinheiro que eu pagasse no Motel...
Que só era metade do preço do Hotel... Mas estava
para ver a qualidade!
Ainda tive tempo de ver mais um show das Lakers
Girls, mas elas também tiveram problemas com o material.
O CD que era suposto tocar... Não tocava e não houve
show... Não faz mal, comeu-se uns chocolates.
Ao fim da tarde a Dvora, uma holandesa de meia idade,
meia corcunda e muito simpática e que devia ser a relações
públicas da ComView, mas não percebi se nos Estados
Unidos ou em Israel, veio-me oferecer uma lembrança como
agradecimento pela minha ajuda à apresentação
deles. Mais uma vez, só depois de tudo ter acabado é que
vieram os agradecimentos e os cumprimentos. É mesmo como
dizia o Michael, ninguém deita foguetes antes da festa.
E depois da exposição ter fechado
as portas, o Mier, juntou toda a gente e fez um discurso em que
me agradeceu pela ajuda e desejou que a selecção
portuguesa ganhasse à Alemanha, uma vez que já tinha
ganho à Inglaterra e à Roménia, e que tivesse
uma boa prestação no Europeu. Obrigado!
Despedi-me de algum do pessoal, porque a maioria
tinha ido ao hotel mudado de roupa, porque ainda iam desmontar
tudo nessa mesma tarde. E fui para o Motel, tomar banho, porque
queria ir até à praia, ver as tão faladas
praias de Los Angeles e o mar.
Apanhei novamente boleia do Berty e fui com o Max,
um pequeno israelita sorridente, parece saído de um filme
dos irmãos Max. Não é o Groucho, mas parece
um deles... Parece um verdadeiro português da província,
da GNR. E como tinha comprado uma trotinete, aqueles skates com
guiador, estava eufórico.
O quarto do motel era tudo aquilo que o primeiro
não era... Era no rés-do-chão, virado para
o pátio interno do complexo que além de carros tinha
8 palmeiras altíssimas, uns caixotes do lixo, dois sofás
e uma máquina de bebidas. As palmeiras estavam distribuídas
uniformemente pelo pátio que tinha uma forma quandrangular,
com a recepção ao fundo, duas palmeiras de cada lado
e duas nos vértices mais próximos do meu quarto,
o número oito. No quarto ao lado do meu estava um tipo que
ou morreu ou desapareceu, porque um amigo foi lá bater à porta
insistentemente (estive para o mandar calar) duas vezes... E só estive
no quarto cerca de meia hora.
Mas o quarto em si era do melhor que podem imaginar
por aquele preço e mesmo ao lado da Disneyland. Pois bem,
a casa de banho até era asseada, apesar de ser antiga. Quando
lá entrei nem vi o chuveiro, mas depois de uma melhor aproximação
lá fiquei menos assustado. A cama de casal, com uma coberta
em tons de castanho e com mais buracos que uma rede de pesca, ocupava
o meio do quarto. Estava feita! Ao fundo da cama encostada à parede
e de maneira a deixar um pequeno corredor entre os dois, existia
uma cómoda com três gavetões, que nem abri.
Do lado esquerdo da cama estava uma mesinha de cabeceira com um
lindo candeeiro em latão que em tempos deve ter sido polido,
mas que não via um pano há já alguns tempos...
Quando o quis ligar não consegui encontrar o interruptor...
Procurei, procurei... Até que pensei que estivesse no cabo
da energia, o que é normal aí em Portugal, mas que
aqui não existe... Foi aí que descobri que o candeeiro
nem sequer estava ligado. Ok! Para que não explodisse nas
minhas mãos, ficou assim.
Do lado direito da cama estava um cadeirão
em vime. Talvez a única peça de mobiliário
decente no quarto... Estranhei! Eu levava-a para casa, mas para
estar aqui é porque para estes tipos, aquilo não
vale nada. Ao lado direito do cadeirão estava a porta da
casa de banho. E junto a ela do lado direito, uma mesinha com as
listas telefónicas e um telefone. O telefone não
funcionava muito bem, porque cada vez que queria usá-lo
estava ocupada a linha... Ah! Um caixote do lixo e um espelho colocado
a tal altura que eu quase ficava sem cabeça... Deve ter
sido o chinoca que o colocou.
Havia ainda um canto escondido que servia de armário
da roupa, mas nem sequer me chateei a ver. E uma janela com umas
cortinas de plástico, que felizmente estavam em melhor estado
que a manta da cama e não deixavam entrar muita luz.
A televisão que estava num suporte por cima
da cómoda era daquelas meias destruídas e com sintonização
manual e sem comando à distância. A cor aproximava-se
da realidade... De quem já fumou umas coisas ou bebeu demais!!!
E o calor no quarto? Como era um edifício
térreo levou com o sol a tarde toda e estava uma verdadeira
brasa. Quando tomei banho nem me conseguia vestir e quando voltei
para o quarto tive que me pôr logo em cuecas porque senão
morria... O ar condicionado era coisa que não havia por
ali... Aliás havia, mas fazia mais barulho que um gerador
dos mais barulhentos. Um verdadeiro quarto de Motel dos filmes...
Eu depois de ver aquele ambiente dantesco resolvi
ir apanhar o autocarro e ir até ao mar. Uma hora de autocarro,
por bairros de casas térreas e sem nenhuma beleza. Nada
para ver da janela... Até chegarmos à costa.
O tempo não estava muito bom, mas as palmeiras
e o mar traziam uma alegria enorme, para quem não via nada
assim há 5 dias. Bem! De repente ao longe no meio do nevoeiro
viam-se os tais poços de petróleo que eu tinha visto
do ar... E por detrás deles a Ilha de Catalina. E muitos
surfistas, que devem adorar ver poços de petróleos...
Que decepção! As praias de Portugal, são muito
mais bonitas... E até as de São Francisco, apesar
de serem mais frias.
Tive que sair da praia, depois de molhar os pés,
porque não era possível estar ali muito mais tempo,
porque não havia nada de especial para se ver.
Comecei a andar à procura de um sítio
para jantar, mas tudo o que havia por ali era caro demais para
o orçamento que eu tinha. Sem mapa, andei às voltas
e acabei por me perder e ir dar a uma península de nome
Balboa, isto em Newport Beach. Finalmente alguma coisa de bonito...
Já estava a escurecer, mas deu para ver uma língua
de casas e marinas entre o mar e o estuário de um pequeno
rio. Género Vilamoura...
Quase uma hora depois lá consegui encontrar
a paragem de autocarro e voltei. Durante a viagem, tive como companhia
um chinoca que levou a viagem toda com um dedo na boca e a falar
o tempo todo, algumas coisas que eu, claro, não percebi
nada. Eu aproveitei para dormir no autocarro. Quando decidiu sair,
pediu-me para tocar sem falar uma palavra inteligível, extraordinário.
Ainda voltei ao Convention Center, para me despedir
do resto do pessoal, mas estava tudo de rastos à espera
de transporte para os monitores e deitado no chão do stand.
Fui dormir.
Ainda houve alguns tipos de quem não vos
falei, como o Danny um israelita novo, simpático, tímido,
com um andar esquisito e com quem nunca falei. O Isaac, careca
e um dos vendedor de Israel e com quem também não
falei. O Ronny, outro vendedor de Israel, que usava rabo de cavalo
e com quem também nunca falei. O Dani, um velho israelita,
género agricultor e que com quem nunca falei. O Eatzik,
aparentemente professor de física e com ar de alucinado,
também é israelita e nunca falou comigo.
Como podem ver, eram mais que as mães...
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