Domingo, 11 de Junho de 2000
Acordei cedo. Às 7h30m, já a prima
do Martin andava pela sala a tentar limpar alguma da porcaria que
tinha ficado da festa da noite anterior.
Às 9h o Martin resolveu pôr o pessoal
fora do choco e eu fui tomar banho. Enquanto isso dava-se uma pequena
arrumação à sala e cozinha. Arrumámos
quase tudo e sentámo-nos a tomar o pequeno almoço.
O Tiago debatia-se com um pequeno efeito secundário,
resultado da ingestão de quantidades não recomendáveis
de bebidas alcoólicas.
Eles iam a um Festival de Jazz, não sei bem
aonde, mas julgo que para o lado de Mountain View, e eu fui para
a Haight St Fair.
Uma feira de rua em Haight Street... Já estava
a imaginar, uma coisa cheia de cor e com muitos hippies... Mas
na verdade nada me fazia imaginar aquilo que vi lá. Benvindo à América
foi a primeira coisa que eu disse quando lá cheguei, depois
de ter perdido mais meia hora da minha vida a tentar estacionar
o bólide nas ruas íngremes das redondezas.
A princípio estava tudo ainda muito pouco
povoado e andava-se à vontade. Num dos lados da rua, junto à Masonic,
estava um palco montado com uma banda a tocar, um género
de música, a que se costuma de chamar de etno-mundial, ou
seja, um género de música que bem que podia ser tradicional
de qualquer parte do mundo, mas que não é tradicional
em parte alguma. E do outro lado da rua, mesmo em frente à Amoeba,
quase um quilómetro depois, estava outro palco montado,
onde tocava mais uma das discípulas da Sherrill Crow ou
doutra mulher qualquer com uma guitarra e a cantar aquelas tretas
do costume acerca da condição feminina.
Entrei na Amoeba para ver se havia novidades. Comprei
o último EP dos Gomez e quando saí já a festa
estava mais composta. Era hora do almoço e andava tudo rua
acima, rua abaixo com uma pizza ou burrito numa mão e uma
cerveja na outra. Sim! Cerveja na rua e às claras, na Califórnia...
E sabem que mais? Até marijuana se vendia e fumava na rua,
mesmo em frente à polícia. Até vi uma tipa,
já com a idade da minha mãe a passear com um ramo
de marijuana pendurado na lapela, com uma rosa vermelha... Ficava-lhe
a matar. E andava um tipo com cesto decorado a folhas de marijuana
na mão, a vender charros já feitos... Mas não
eram charros! Eram verdadeiros charutos de marijuana. Tudo era
possível naquele dia, pelos vistos.
A dada altura sentei-me num passeio com a câmara
na mão a tentar apanhar os estranhos que passavam na rua
(depois eu mando as fotos). Apareceu um tipo vestido com um fato
de peluche roxo e que andava ali a passear-se e a brincar com quem
passava. Um velho, com uma cartola enorme, tocava harmónica
e cantava, enquanto na esquina oposta a banda de blues, que costuma
estar na Market, marcava a sua posição. Na esquina
a seguir estava um tipo a tocar guitarra e a cantar, com ar de
quem já tinha bebido um bocado e de quem não tinha
casa com casa de banho. Atrás de mim, um miúdo menor,
estava a ser interrogado por uma meia dúzia de polícias
em bicicletas, porque aparentemente estava a perturbar alguém...
Não percebi.
Imaginem uns gorilas, como são os polícias
aqui e como vocês vêem nos filmes, a andar em BTTs
com um cacetete pendurado e de capacete. Lindo! Eu não gostava
de ser interrogado por uma besta daquelas depois de uma perseguição...
O cheiro deve ser intimidatório.
De repente apareceu um homeless com o seu carrinho
de compras a tentar apanhar as latas de alumínio das bebidas
e que lhe dão sustento. Eles apanham as latas e depois vendem-nas
nos receptores das mesmas, que as reciclam. Enquanto observava
o trabalho minucioso do tipo a limpar o caixote do lixo à minha
frente, apareceu um outro a perguntar se a câmara funcionava
bem. Sentou-se ao meu lado e sacou de um papel em que dizia "Spare
change for beer" e disse-me que podia fotografá-lo. A pedir
para cerveja e a dizer que era roadie dos Grateful Dead, o gajo
não devia bater muito bem. Além disso, estes tipos
ainda vivem os Grateful Dead como se ainda estivessem no Verão
do Amor.
Voltei a fazer a rua toda e a apreciar quem passava
e quem estava nas bancas que vendiam desde roupa, miçangas
e artesanato até outras que faziam campanha eleitoral pelo
presidente do distrito ou propaganda a uma rádio qualquer.
Bancas de comida e bebida não faltavam, mas eu estava sem
dinheiro e a fila para levantar dinheiro nas ATM até dava
dó... Para que é que eu tinha comprado o CD? Ainda
deu para um chá gelado, mas ninguém vive daquilo.
Ainda andei ali um bocado a ver um tipo com o pau
e turbante que devia de fazer voodoo, umas cartomantes, e videntes
do tarot e leitura da mão... Havia de tudo.
Numa tenda que vendia t-shirts e afins havia uma
que dizia "SUV - Sport Utility Vagina" e que valeu o prémio
da melhor da tarde... Mas nem por isso valia o preço que
pediam por ela. Acho que eram $17.
Mas a fome começou a apertar e resolvi ir
para casa. Quando cheguei a casa o Singh andava ainda às
voltas com o portátil dele. Lá lhe dei uma pequena
ajuda e em troca deu-me da pizza dele. Ainda bem, porque já estava
a desfalecer sem almoçar às 4h da tarde.
Passei a tarde a passar a ferro e a fazer a mala
para levar para Los Angeles, pois partia no dia seguinte e ainda
ia dormir a casa da Júlia e do Pedro, que me faziam o favor
de me deixar no aeroporto a caminho do trabalho. Tinha combinado
com eles estar lá em casa por volta das 9h, mas perdi o
autocarro e por pouco perdia o seguinte. Tive que sair a correr,
mesmo a tempo de fugir do Singh que queria que eu falasse com o
primo que está no Novo México e que precisava de
ajuda para uma instalação de software qualquer. Poça!
Cheguei a casa da J&P, pouco depois das 9h,
mesmo a tempo de comer uma maravilhosa sopinha e um delicioso
salmão acompanhado por uma garrafa de Gazela. Ah! Maravilha!
Estive a falar de fotografia e de maquinas fotográficas
com o Pedro, que tinha comprado uma Elan IIE (EOS 50E) e uma fantástica
lente de 28-105 3,5/4,5, acho. Ainda tive que me rir com a história
da compra da máquina e do tipo da FedEx que a entregou a
um vizinho e que o vizinho diz que não. Alguém ficou
a arder e acho que foi a FedEx.
Fui levantar dinheiro, porque ainda estava sem cheta.
E quando voltei fomos dormir.
A casa da J&P é um estúdio, em
que a sala é quarto ao mesmo tempo e eu dormi no chão.
Quando estava quase a adormecer, naquela fase em que se está no
limbo e suspirei muito alto. Tão alto que eu próprio
acordei. A Júlia ria-se e eu virei-me para o outro lado.
Julgo que devo ter suspirado de alívio porque tinha conseguido
fazer tudo o que me comprometi a fazer, antes de ir para LA...
Julgava eu! Conto-vos mais na próxima crónica.
Nesse dia fez 5 meses que cheguei aos EU.
|