C102 QUINTA-FEIRA, 22 DE JUNHO DE 2000
O Peluche Roxo - Fotografia de Rui Gonçalves

Domingo, 11 de Junho de 2000

Acordei cedo. Às 7h30m, já a prima do Martin andava pela sala a tentar limpar alguma da porcaria que tinha ficado da festa da noite anterior.

Às 9h o Martin resolveu pôr o pessoal fora do choco e eu fui tomar banho. Enquanto isso dava-se uma pequena arrumação à sala e cozinha. Arrumámos quase tudo e sentámo-nos a tomar o pequeno almoço.

O Tiago debatia-se com um pequeno efeito secundário, resultado da ingestão de quantidades não recomendáveis de bebidas alcoólicas.

Eles iam a um Festival de Jazz, não sei bem aonde, mas julgo que para o lado de Mountain View, e eu fui para a Haight St Fair.

Uma feira de rua em Haight Street... Já estava a imaginar, uma coisa cheia de cor e com muitos hippies... Mas na verdade nada me fazia imaginar aquilo que vi lá. Benvindo à América foi a primeira coisa que eu disse quando lá cheguei, depois de ter perdido mais meia hora da minha vida a tentar estacionar o bólide nas ruas íngremes das redondezas.

A princípio estava tudo ainda muito pouco povoado e andava-se à vontade. Num dos lados da rua, junto à Masonic, estava um palco montado com uma banda a tocar, um género de música, a que se costuma de chamar de etno-mundial, ou seja, um género de música que bem que podia ser tradicional de qualquer parte do mundo, mas que não é tradicional em parte alguma. E do outro lado da rua, mesmo em frente à Amoeba, quase um quilómetro depois, estava outro palco montado, onde tocava mais uma das discípulas da Sherrill Crow ou doutra mulher qualquer com uma guitarra e a cantar aquelas tretas do costume acerca da condição feminina.

Entrei na Amoeba para ver se havia novidades. Comprei o último EP dos Gomez e quando saí já a festa estava mais composta. Era hora do almoço e andava tudo rua acima, rua abaixo com uma pizza ou burrito numa mão e uma cerveja na outra. Sim! Cerveja na rua e às claras, na Califórnia... E sabem que mais? Até marijuana se vendia e fumava na rua, mesmo em frente à polícia. Até vi uma tipa, já com a idade da minha mãe a passear com um ramo de marijuana pendurado na lapela, com uma rosa vermelha... Ficava-lhe a matar. E andava um tipo com cesto decorado a folhas de marijuana na mão, a vender charros já feitos... Mas não eram charros! Eram verdadeiros charutos de marijuana. Tudo era possível naquele dia, pelos vistos.

A dada altura sentei-me num passeio com a câmara na mão a tentar apanhar os estranhos que passavam na rua (depois eu mando as fotos). Apareceu um tipo vestido com um fato de peluche roxo e que andava ali a passear-se e a brincar com quem passava. Um velho, com uma cartola enorme, tocava harmónica e cantava, enquanto na esquina oposta a banda de blues, que costuma estar na Market, marcava a sua posição. Na esquina a seguir estava um tipo a tocar guitarra e a cantar, com ar de quem já tinha bebido um bocado e de quem não tinha casa com casa de banho. Atrás de mim, um miúdo menor, estava a ser interrogado por uma meia dúzia de polícias em bicicletas, porque aparentemente estava a perturbar alguém... Não percebi.

Imaginem uns gorilas, como são os polícias aqui e como vocês vêem nos filmes, a andar em BTTs com um cacetete pendurado e de capacete. Lindo! Eu não gostava de ser interrogado por uma besta daquelas depois de uma perseguição... O cheiro deve ser intimidatório.

De repente apareceu um homeless com o seu carrinho de compras a tentar apanhar as latas de alumínio das bebidas e que lhe dão sustento. Eles apanham as latas e depois vendem-nas nos receptores das mesmas, que as reciclam. Enquanto observava o trabalho minucioso do tipo a limpar o caixote do lixo à minha frente, apareceu um outro a perguntar se a câmara funcionava bem. Sentou-se ao meu lado e sacou de um papel em que dizia "Spare change for beer" e disse-me que podia fotografá-lo. A pedir para cerveja e a dizer que era roadie dos Grateful Dead, o gajo não devia bater muito bem. Além disso, estes tipos ainda vivem os Grateful Dead como se ainda estivessem no Verão do Amor.

Voltei a fazer a rua toda e a apreciar quem passava e quem estava nas bancas que vendiam desde roupa, miçangas e artesanato até outras que faziam campanha eleitoral pelo presidente do distrito ou propaganda a uma rádio qualquer. Bancas de comida e bebida não faltavam, mas eu estava sem dinheiro e a fila para levantar dinheiro nas ATM até dava dó... Para que é que eu tinha comprado o CD? Ainda deu para um chá gelado, mas ninguém vive daquilo.

Ainda andei ali um bocado a ver um tipo com o pau e turbante que devia de fazer voodoo, umas cartomantes, e videntes do tarot e leitura da mão... Havia de tudo.

Numa tenda que vendia t-shirts e afins havia uma que dizia "SUV - Sport Utility Vagina" e que valeu o prémio da melhor da tarde... Mas nem por isso valia o preço que pediam por ela. Acho que eram $17.

Mas a fome começou a apertar e resolvi ir para casa. Quando cheguei a casa o Singh andava ainda às voltas com o portátil dele. Lá lhe dei uma pequena ajuda e em troca deu-me da pizza dele. Ainda bem, porque já estava a desfalecer sem almoçar às 4h da tarde.

Passei a tarde a passar a ferro e a fazer a mala para levar para Los Angeles, pois partia no dia seguinte e ainda ia dormir a casa da Júlia e do Pedro, que me faziam o favor de me deixar no aeroporto a caminho do trabalho. Tinha combinado com eles estar lá em casa por volta das 9h, mas perdi o autocarro e por pouco perdia o seguinte. Tive que sair a correr, mesmo a tempo de fugir do Singh que queria que eu falasse com o primo que está no Novo México e que precisava de ajuda para uma instalação de software qualquer. Poça!

Cheguei a casa da J&P, pouco depois das 9h, mesmo a tempo de comer uma maravilhosa  sopinha e um delicioso salmão acompanhado por uma garrafa de Gazela. Ah! Maravilha!

Estive a falar de fotografia e de maquinas fotográficas com o Pedro, que tinha comprado uma Elan IIE (EOS 50E) e uma fantástica lente de 28-105 3,5/4,5, acho. Ainda tive que me rir com a história da compra da máquina e do tipo da FedEx que a entregou a um vizinho e que o vizinho diz que não. Alguém ficou a arder e acho que foi a FedEx.

Fui levantar dinheiro, porque ainda estava sem cheta. E quando voltei fomos dormir.

A casa da J&P é um estúdio, em que a sala é quarto ao mesmo tempo e eu dormi no chão. Quando estava quase a adormecer, naquela fase em que se está no limbo e suspirei muito alto. Tão alto que eu próprio acordei. A Júlia ria-se e eu virei-me para o outro lado. Julgo que devo ter suspirado de alívio porque tinha conseguido fazer tudo o que me comprometi a fazer, antes de ir para LA... Julgava eu! Conto-vos mais na próxima crónica.

Nesse dia fez 5 meses que cheguei aos EU.



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