Sábado, 10 de Junho de 2000
Dia de Portugal, de Camões e das comunidades
Portuguesas. Das quais faço parte neste momento. Aparentemente,
faço parte da comunidade portuguesa nos Estados Unidos e
até já saio nos jornais locais... Lembram-se da recepção
em casa do cônsul português em São Francisco?
Quando puder eu mando fotos.
Acordei e estive a passar uns MP3 do computador
do Nuno para o meu. Que aliás nenhum está completo,
não sei porquê, mas como o computador do Nuno passou
o tempo todo a crashar, deve ter deixado a coisa pela metade.
No entretanto tentava ver da janela de casa da RM&P,
se estava tudo bem com o bólide, pois estava parado num
lugar que eu devia de estar a pagar desde as 9h. Já tinha
as matrículas novas, mas ainda não as tinha colocado...
Pode ser que mandassem a multa para a morada errada... Sim, porque
lá de cima parecia que tinha um papel no vidro do carro
do lado do condutor. Aqui, põem-se as multas em todo o lado
imaginável do carro.
Sai da casa da RM&P à pressa a pensar
que tinha apanhado uma multa, mas afinal era apenas um reflexo
no vidro... Que sorte!
Tinha combinado com uma série de pessoal
ir fazer uma caminhada para o Tamalpais Park e tinha alinhavado
uma combinação (salvo seja) com o Tiago para irmos
almoçar. Ele ia andar de moto de manha e ia ter a minha
casa depois. Mas como lhe tinha dito que estaria por casa por volta
das 11h da manhã, e como detesto deixar as pessoas à espera,
não tinha muito tempo para grandes voltas...
Mas queria ir comprar uma BD. Há tempos que
não leio nada. E já me chateia ler em inglês,
mas na falta de melhor, lá tem de ser. Ultimamente não
tenho tido muita pachorra de ler em inglês... Já falo
inglês o dia todo e depois custa-me chegar a casa e começar
a ler. Tenho lido o único livro em português que trouxe
e a Bike Magazine (já a li toda e decorei).
Mas quando cheguei a Divisadero a loja de BD ainda
estava fechada. Resolvi ir fazer tempo e ir tirar umas fotos. Ali
mesmo perto da loja, que fica ao lado da casa da Mariana, existe
um jardim cujas vistas são das mais populares de toda São
Francisco. O jardim chama-se Alamo Square e aquela imagem das casas
victorianas de São Francisco com os prédios do Financial
District ao fundo, são dali.
Fui até lá. Claro que num sítio
popular como aqueles, toda a gente quer tirar fotografias e estive à espera
que um casal alemão se decidisse qual o melhor ângulo
da foto a tirar, antes de poder tirar a minha. Estava um solzinho
agradável e dei a volta ao jardim à procura de alvos
para a minha objectiva. Vi muita coisa, mas não me apeteceu
gastar rolo em cães e pessoas, pelo que apenas tirei uma
foto a uma casa victoriana de uma das esquinas do jardim. A casa
era uma das mais bonitas, apesar de não ser colorida como
as outras, mas parecia-se com as casas dos emigrantes brasileiros
dos anos 40 e 50, que existem em Foz Côa e na zona em redor.
Acho que foi por isso que tirei a foto... Saudades!
De repente um sinal dizia que estava a entrar na
zona de corrida dos cães... Extraordinário! Estava
numa das poucas zonas desta cidade onde os cães podem andar
sem trela. Tenho que lá voltar para fotografar a placa...
Mas estava encoberta!
Fui tomar café ao Ahib ou coisa parecida,
que fica em Fulton com Divisadero, mesmo ali ao lado do jardim,
e que tem o melhor expresso de toda a São Francisco. Sentei-me
e deliciei-me com o café... Começo a achar que aquele
café é dos melhores sítios para se estar numa
tarde de nevoeiro, como existem tantas nesta cidade, a ler um livro
ou jornal, ou a apenas a apreciar quem passa na rua. Eu já vos
falei deste café, onde fui uma vez e estavam duas tipas
a trabalhar em portáteis e estava um senhor de idade que
me fez lembrar o meu falecido avô. Foi no dia do Benfica-Sporting.
Já estava na hora da loja de comics estar
aberta e fui ver o que se arranjava para eu me poder deliciar durante
alguns momentos. A loja não é nada de especial, aliás
qualquer loja em Portugal é melhor que aquilo, mas também
compreendo, não deve dar muito lucro ter uma loja numa terra
onde comprar por catálogo custa o mesmo preço, tem-se
a garantia de receber o livro e ainda por cima sem sair de casa,
que é o que estes americanos mais gostam. Andei lá a
ver o que de novo havia no mundo da BD americana e até europeia.
No entretanto entra um tipo a conversar com outro
e uma tipa armada de máquina fotográfica e começam
a tirar fotografias ao mesmo tempo que o segundo lhe faz perguntas.
O tipo entrevistado não sei quem era. Ainda tentei perceber
quando ele simulou que estava a autografar um livro, mas o livro
até podia nem ser dele e além disso se fosse era
uma valente porcaria. Qualquer coisa de super-heróis da
treta. O entrevistador e a fotógrafa eram da Wizard Comics,
uma das revistas sobre comics mainstream mais importantes nos Estados
Unidos. A dada altura o entrevistado, que devia de ser ali vizinho,
pediu autorização para tirar fotos na casa de banho...
Weird? Afinal o tipo queria era mostrar o que os clientes desenhavam
nas paredes durante o acto de efectuar as suas necessidades fisiológicas.
Ok! Fui para casa, depois de comprar uma compilação
de histórias da Draw and Quarterly, que imaginem vocês,
tem uma história de uns belgas que se chama "Fim de semana
em Lisboa". É engraçado ver como os autores nos vêem.
No final saímos a ganhar, apesar de termos alguns tipos
ligados à arte que são atravessados e chatos, mas
as mulheres portuguesas são bonitas e sensuais, apesar de
mal saberem falar, suponho que francês, isto porque o texto
está traduzido em inglês... Mas com palavras em português
pelo meio. Achei excelente a forma como o texto não foi
alterado... Nem parece dos americanos, mas a Draw and Quarterly
tem uma marca de qualidade.
Quando cheguei a casa ainda ninguém tinha
chegado, deixei a nota e fui almoçar. Fui ao MacDonalds
do Town Center.
Quando já tinha tomado café no Tully's
e ia-me embora, apareceu o Tiago e o João, que vinham da
sua volta de moto pela número 1, junto à costa. O
Tiago vinha excitadíssimo com a sua menina, que estava acabadinha
de sair de uma revisão que lhe tinha custado os olhos da
cara, mas que, pelos vistos, tinha valido a pena.
Eu encostei a Vaynessa ali junto à fonte
e esperei que eles fossem buscar o almoço.
Quando fomos para casa já lá estavam
alguns dos outros. O Tim, a Ana Magalhães, o Mário,
a Sá, o André, a Kathelene, a Wenke e o namorado,
mas faltava a São e a Ana Fernandes, pelo que decidimos
descalçarmo-nos e ir para a varanda beber uma cervejita
e conversar enquanto elas não chegavam.
Quando elas chegaram o André tinha ido comprar
comida para almoçar e continuámos na conversa e na
cerveja.
Partimos quase às 3h quando o previsto era
partir às 2h. Mas conseguimos partir...
Estava um trânsito complicado, mas só nos
apercebemos da razão quando chegámos a Fairfax...
Havia festa, com uma banda a tocar e tudo, e até uma feira...
Mas lá conseguimos passar sem nos perdermos uns dos outros
e chegámos à entrada do parque.
Como eu tinha avisado, cada veículo tinha
que pagar $5 à entrada e quando estes americanos dizem veículos,
referem-se a tudo que tem motor, ou seja as motas também
pagam. Isto porque o Tiago e o João foram de mota, mas não
queriam pagar. Mas pagaram... Depois de muito refilarem e nos terem
feito esperar.
Lá conseguimos estacionar as viaturas e começar
o passeio, Eram já quase 4h da tarde... Fantástico!
A Wenke tinha que estar em São Francisco às 7h da
tarde, a festa em casa do Martin começava às 8h e
o concerto dos Primal Scream às 9h. Já não
dava para grandes aventuras, pelo que decidi dar apenas uma volta
ao lago Bon Tempe.
Que é que posso dizer da caminhada? As vistas
são fantásticas, sempre à borda da água
durante cerca de no máximo 5 quilómetros. Sim! Não
andámos muito mais que isso... Mas deu para apreciar a frescura
de estar num bosque perto da água e não fossem os
sinais de proibido tomar banho e desconfio que tínhamos
aventureiros.
A caminhada foi relativamente fácil, sem
grande relevo e sem grandes sobressaltos, mas o melhor foi ver
como se comporta um grupo de 13 pessoas juntas e com diferentes
interesses e culturas. Os alemães sempre calmos e observadores
e o Tim, que é norte-americano, assustado com as torpecias
que o Tiago, o Mário, o João e o André preparavam
a cada esquina. Subir às árvores e correr pelos caminhos
e mesmo fora deles, foi o que mais se viu, além dos sustos
pregados por quem ia à frente e se escondia atrás
das árvores, como eu.
O lago Bon Tempe foi construído pelo homem
para reter as águas de um rio para fornecer água
potável à região. Naquela zona existem dois
ou três lagos com esse destino, o Phoenix, de que já vos
falei quando fui andar de BTT para o Tamalpais, o Lagunitas e o
maior de todos o Alpine.
Quando chegámos ao dique, parámos
para umas fotografias, apreciar a vista para o vale abaixo a cerca
de 20 ou 30 metros de profundidade e para apreciar uma águia
ou falcão que por ali passeava. A ave aproveitava a subida
do ar junto ao dique para subir planando e depois deixava-se levar
em direcção à zona abrigada, onde baixava
de novo para o vale. O voo planado da ave era deslumbrante... O
velho sonho da humanidade.
O vento era enorme, uma vez que estávamos
virados ao mar e criava ondulação nas, supostamente, águas
paradas do lago. Junto ao dique existe um enorme tubo suportado
por cabos de aço e a ondulação passava por
cima dele como se fosse uma pequena rocha na praia. E na parte
abrigada do tubo a ondulação não existia,
dando uma imagem muito curiosa, como diria alguém que conheço...
Quando acabou o passeio, sim, não lhe vou
chamar caminhada, ainda pensámos em caminhar mais um bocado,
mas a ideia de voltar a Fairfax, ir ver a festa e beber uma cerveja,
ganhou. Mas quando lá chegámos, cerca das 6h30m,
a festa já tinha acabado e estavam a limpar tudo... É impressionante
como esta gente acaba as coisas tão cedo. Mas o ambiente
estava muito bom, com muita malta jovem e tudo muito alegre. Gostei,
mas não havia muita a fazer ali e decidimos ir até minha
casa ver o que se iria passar a seguir.
Assim de repente decidiu-se ir jantar a casa do
Martin... Com autorização dele, claro. Telefonei à RM&P
para saber se alinhavam e enquanto uns foram comprar comida e foram
directos para casa do Martin, eu, a São e o Tiago tomamos
banho e fomos mais tarde.
O Tiago foi de mota, a São no carro dela
e eu no fantástico bólide voador em direcção à janta
em casa do Martin. Cheguei a casa do Martin às 8h da noite...
Só podia estar um bocado porque tinha que ir para o concerto
dos Primal Scream no The Fillmore. Estive a ajudar o Mário
a preparar o lume e sai, sem jantar... Bem! Comi umas sandes com
um molho fantástico... Que supostamente era para a salada.
Cheguei ao The Fillmore às 9h e qualquer
coisa, depois de quase meia hora para estacionar a viatura naquelas
ruas manhosas. Já estava a ficar possesso a pensar que estava
a perder parte do concerto, mas afinal ainda estive à espera
quase meia hora, que os tipos se dignassem a entrar em palco.
Pelos vistos o público já sabia que
não havia primeira parte, mas eu é que não.
Mas ainda bem, porque assim fiquei mesmo na frente. E no entretanto
pareceu-me ver a Shelley, a tal tipa que supostamente deveria ter
feito testes ao World Up, que cheirava mal dos sovacos e que tinha
azucrinado a cabeça do Ben na quinta-feira. Aproximei-me
para confirmar. Realmente era ela e estava a fumar umas coisas
que cheiravam muito bem e que passava entre os amigos. O que seria?
Fui ter com ela e quando ela me olhou, vi que ela estava com uma
moca tão grande, tão grande que parecia que tinha
levado com um taco de basebol na cabeça.
Obviamente que ela ficou apavorada... Embora aqui
toda a gente fume marijuana, a verdade é que é ilegal
e existem mesmo empresas que fazem testes de urina aos seus empregados
para confirmar que eles não se drogam. Mesmo no The Fillmore,
onde supostamente é proibido fumar, mesmo tabaco, por ser
um recinto fechado, fuma-se mais marijuana que tabaco. Eu desconfio
que o pessoal que quer fumar tabaco sai do recinto para ir fumar.
Mas naquela noite estava impressionante o cheiro a marijuana no
ar.
Mas voltando à Shelley, ela assustou-se com
a minha presença e atrapalhada apresentou-me o namorado
e falou um minuto comigo sobre o facto de ter ouvido Air a tocar
no meu PC, durante a semana. E, de repente deu-lhe uma vontade
de ir buscar uma bebida ao bar e nunca mais se aproximou de mim.
Eu percebi e voltei para o meu lugar, lá mesmo na frente.
Mesmo a tempo de ver os Primal Scream entrarem em
palco. Disseram qualquer coisa imperceptível e começaram
com o Swastika Eyes, o primeiro single do último álbum.
Eu comecei a saltar e acho que só parei no fim do concerto.
O concerto foi excelente, apesar de à saída
ter a sensação que iria ficar surdo durante uns três
dias, como fiquei quando vi os Jesus And Mary Chain no Pavilhão
do Infante no Porto, há cerca de 10 anos atrás. O
Bobby Gillespie estava com uma moca, ou a dar ares disso, para
manter a fama e a pose que tem e que toda a gente lhe conhece.
Mal se mexeu o concerto todo, tirando quando se punha de cócoras
ou pendurado no poste do microfone a olhar atentamente para o público.
O Mani ex-baixista dos Stone Roses e agora baixista dos Primal
Scream, é que não parou e saltou o tempo todo ao
ritmo do seu próprio som, ficando completamente ensopado
em suor quando o concerto acabou.
Antes do terceiro ou quarto tema, entrou um dos
guitarristas dos My Bloody Valentine, que se veio juntar aos outros
dois guitarristas que já estavam em palco para tocarem o
tema Kill all Hippies. É extraordinário ouvir um
tema com esse título, ser tão aplaudido na cidade
mundialmente conhecida por ser o berço dos hippies.
O concerto continuou sempre a abrir. O som dos Primal
Scream está muito agressivo, muito próximo do punk,
mas com um ritmo de dança e bastante dançável.
Eu comparava-os com os Prodigy, mas menos comerciais, assim uma
mistura dos Jesus And Mary Chain do tempo do Honey's Dead, com
algum dos My Bloody Valentine e muito dos Stone Roses. A presença
dos Stone Roses notava-se mais nos instrumentais, quando o Bobby
resolvia ir passear pelos bastidores.
Depois do concerto acabar, mais ou menos, depois
de uma hora de guitarras a abrir, ainda tivemos direito a ser presenteados
com três encores. Embora os últimos dois tenham sido
de um tema só e curtíssimos, com duas versões,
uma dos Stooges e outra dos MC5... Isto soube porque li a crítica,
porque nem dei conta que eram versões, porque não
conhecia os originais, embora me parecessem um bocado mais rock
do que eles estiveram a tocar.
À meia-noite e meia cheguei à festa
em casa do Martin, depois de ter ganho um CD e um poster à saída
do concerto, como é habitual no The Fillmore.
A festa estava muito animada. Tão animada,
que o Martin já tinha posto o tapete de lado e o sofá já estava
a um canto. A música estava como de costume limitada aos
CDs do Martin e estava a bombear, embora os meus ouvidos estivessem
menos sensíveis.
Atirei-me ao que tinha sobrado do churrasco e ao
que restava do pão. Acompanhado por um vinho à maneira,
mas já ia tarde para conseguir apanhar alguns dos mais fantásticos
da festa, com o expoente máximo atingido pelo Tiago.
No entretanto a festa começava-se a fazer
ouvir e apareceram uns tipos, que pelos vistos viviam ali perto
e se foram infiltrar noutra festa ali perto, mas que segundo eles
não estava nada boa, comparada com a nossa. Eram dois, um
deles de cabelo comprido e loiro, tinha mesmo cara de quem passava
muitas horas em frente a um computador a jogar jogos... Só lhe
faltavam as borbulhas e as canetas no bolço para ser cromo.
O outro era para o cheio, mas sabia fazer uns truques com umas
bolas luminosas que pareciam que se esborrachavam quando caiam
ao chão. Era um bocado armante e ninguém lhe ligou
muito, apesar de ele sobressair no meio da multidão com
a sua camisa cor-de-laranja.
O pessoal começou a bazar às 2h e
o Tiago foi telefonar e adormeceu.
No final ficámos poucos na conversa em volta
da mesa. O Rafael e o Alexis, dois brasileiros que vocês
já devem ter ouvido falar de outras crónicas, o Luy,
um polaco negro, filho de um nigeriano e que como diz o Martin é do
sul da polónia, o Martin, o Mário, um casal de brasileiros
que não sei o nome e que não foram muito simpáticos
de início mas que depois se redimiram e um alemão
que trabalha com o Martin e que estava completamente bêbado...
A Sá dormia no sofá. Eu estive a falar com o Rafael,
quase o tempo todo, sobre música. Aliás devo ir ver
os Sonic Youth com ele em Julho.
No entretanto, chegou o Carlos e o Juan, que vinham
da discoteca, mas não ficaram muito tempo porque o Juan
estava impaciente.
O Martin a dada altura estava a ficar preocupado
porque o Tiago estava a dormir na cama dele e ele não o
queria acordar. O quê? Lá fui eu expulsar o Tiago
da cama do Martin... O rapaz estava completamente banzado. Lá conseguiu
passar para o colchão no chão e eu lá consegui
deitar-me às 4h da manhã.
|