QUINTA-FEIRA, 22 DE JUNHO DE 2000 C101
O Lago Bin Tempe - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 10 de Junho de 2000

Dia de Portugal, de Camões e das comunidades Portuguesas. Das quais faço parte neste momento. Aparentemente, faço parte da comunidade portuguesa nos Estados Unidos e até já saio nos jornais locais... Lembram-se da recepção em casa do cônsul português em São Francisco? Quando puder eu mando fotos.

Acordei e estive a passar uns MP3 do computador do Nuno para o meu. Que aliás nenhum está completo, não sei porquê, mas como o computador do Nuno passou o tempo todo a crashar, deve ter deixado a coisa pela metade.

No entretanto tentava ver da janela de casa da RM&P, se estava tudo bem com o bólide, pois estava parado num lugar que eu devia de estar a pagar desde as 9h. Já tinha as matrículas novas, mas ainda não as tinha colocado... Pode ser que mandassem a multa para a morada errada... Sim, porque lá de cima parecia que tinha um papel no vidro do carro do lado do condutor. Aqui, põem-se as multas em todo o lado imaginável do carro.

Sai da casa da RM&P à pressa a pensar que tinha apanhado uma multa, mas afinal era apenas um reflexo no vidro... Que sorte!

Tinha combinado com uma série de pessoal ir fazer uma caminhada para o Tamalpais Park e tinha alinhavado uma combinação (salvo seja) com o Tiago para irmos almoçar. Ele ia andar de moto de manha e ia ter a minha casa depois. Mas como lhe tinha dito que estaria por casa por volta das 11h da manhã, e como detesto deixar as pessoas à espera, não tinha muito tempo para grandes voltas...

Mas queria ir comprar uma BD. Há tempos que não leio nada. E já me chateia ler em inglês, mas na falta de melhor, lá tem de ser. Ultimamente não tenho tido muita pachorra de ler em inglês... Já falo inglês o dia todo e depois custa-me chegar a casa e começar a ler. Tenho lido o único livro em português que trouxe e a Bike Magazine (já a li toda e decorei).

Mas quando cheguei a Divisadero a loja de BD ainda estava fechada. Resolvi ir fazer tempo e ir tirar umas fotos. Ali mesmo perto da loja, que fica ao lado da casa da Mariana, existe um jardim cujas vistas são das mais populares de toda São Francisco. O jardim chama-se Alamo Square e aquela imagem das casas victorianas de São Francisco com os prédios do Financial District ao fundo, são dali.

Fui até lá. Claro que num sítio popular como aqueles, toda a gente quer tirar fotografias e estive à espera que um casal alemão se decidisse qual o melhor ângulo da foto a tirar, antes de poder tirar a minha. Estava um solzinho agradável e dei a volta ao jardim à procura de alvos para a minha objectiva. Vi muita coisa, mas não me apeteceu gastar rolo em cães e pessoas, pelo que apenas tirei uma foto a uma casa victoriana de uma das esquinas do jardim. A casa era uma das mais bonitas, apesar de não ser colorida como as outras, mas parecia-se com as casas dos emigrantes brasileiros dos anos 40 e 50, que existem em Foz Côa e na zona em redor. Acho que foi por isso que tirei a foto... Saudades!

De repente um sinal dizia que estava a entrar na zona de corrida dos cães... Extraordinário! Estava numa das poucas zonas desta cidade onde os cães podem andar sem trela. Tenho que lá voltar para fotografar a placa... Mas estava encoberta!

Fui tomar café ao Ahib ou coisa parecida, que fica em Fulton com Divisadero, mesmo ali ao lado do jardim, e que tem o melhor expresso de toda a São Francisco. Sentei-me e deliciei-me com o café... Começo a achar que aquele café é dos melhores sítios para se estar numa tarde de nevoeiro, como existem tantas nesta cidade, a ler um livro ou jornal, ou a apenas a apreciar quem passa na rua. Eu já vos falei deste café, onde fui uma vez e estavam duas tipas a trabalhar em portáteis e estava um senhor de idade que me fez lembrar o meu falecido avô. Foi no dia do Benfica-Sporting.

Já estava na hora da loja de comics estar aberta e fui ver o que se arranjava para eu me poder deliciar durante alguns momentos. A loja não é nada de especial, aliás qualquer loja em Portugal é melhor que aquilo, mas também compreendo, não deve dar muito lucro ter uma loja numa terra onde comprar por catálogo custa o mesmo preço, tem-se a garantia de receber o livro e ainda por cima sem sair de casa, que é o que estes americanos mais gostam. Andei lá a ver o que de novo havia no mundo da BD americana e até europeia.

No entretanto entra um tipo a conversar com outro e uma tipa armada de máquina fotográfica e começam a tirar fotografias ao mesmo tempo que o segundo lhe faz perguntas. O tipo entrevistado não sei quem era. Ainda tentei perceber quando ele simulou que estava a autografar um livro, mas o livro até podia nem ser dele e além disso se fosse era uma valente porcaria. Qualquer coisa de super-heróis da treta. O entrevistador e a fotógrafa eram da Wizard Comics, uma das revistas sobre comics mainstream mais importantes nos Estados Unidos. A dada altura o entrevistado, que devia de ser ali vizinho, pediu autorização para tirar fotos na casa de banho... Weird? Afinal o tipo queria era mostrar o que os clientes desenhavam nas paredes durante o acto de efectuar as suas necessidades fisiológicas.

Ok! Fui para casa, depois de comprar uma compilação de histórias da Draw and Quarterly, que imaginem vocês, tem uma história de uns belgas que se chama "Fim de semana em Lisboa". É engraçado ver como os autores nos vêem. No final saímos a ganhar, apesar de termos alguns tipos ligados à arte que são atravessados e chatos, mas as mulheres portuguesas são bonitas e sensuais, apesar de mal saberem falar, suponho que francês, isto porque o texto está traduzido em inglês... Mas com palavras em português pelo meio. Achei excelente a forma como o texto não foi alterado... Nem parece dos americanos, mas a Draw and Quarterly tem uma marca de qualidade.

Quando cheguei a casa ainda ninguém tinha chegado, deixei a nota e fui almoçar. Fui ao MacDonalds do Town Center.

Quando já tinha tomado café no Tully's e ia-me embora, apareceu o Tiago e o João, que vinham da sua volta de moto pela número 1, junto à costa. O Tiago vinha excitadíssimo com a sua menina, que estava acabadinha de sair de uma revisão que lhe tinha custado os olhos da cara, mas que, pelos vistos, tinha valido a pena.

Eu encostei a Vaynessa ali junto à fonte e esperei que eles fossem buscar o almoço.

Quando fomos para casa já lá estavam alguns dos outros. O Tim, a Ana Magalhães, o Mário, a Sá, o André, a Kathelene, a Wenke e o namorado, mas faltava a São e a Ana Fernandes, pelo que decidimos descalçarmo-nos e ir para a varanda beber uma cervejita e conversar enquanto elas não chegavam.

Quando elas chegaram o André tinha ido comprar comida para almoçar e continuámos na conversa e na cerveja.

Partimos quase às 3h quando o previsto era partir às 2h. Mas conseguimos partir...

Estava um trânsito complicado, mas só nos apercebemos da razão quando chegámos a Fairfax... Havia festa, com uma banda a tocar e tudo, e até uma feira... Mas lá conseguimos passar sem nos perdermos uns dos outros e chegámos à entrada do parque.

Como eu tinha avisado, cada veículo tinha que pagar $5 à entrada e quando estes americanos dizem veículos, referem-se a tudo que tem motor, ou seja as motas também pagam. Isto porque o Tiago e o João foram de mota, mas não queriam pagar. Mas pagaram... Depois de muito refilarem e nos terem feito esperar.

Lá conseguimos estacionar as viaturas e começar o passeio, Eram já quase 4h da tarde... Fantástico! A Wenke tinha que estar em São Francisco às 7h da tarde, a festa em casa do Martin começava às 8h e o concerto dos Primal Scream às 9h. Já não dava para grandes aventuras, pelo que decidi dar apenas uma volta ao lago Bon Tempe.

Que é que posso dizer da caminhada? As vistas são fantásticas, sempre à borda da água durante cerca de no máximo 5 quilómetros. Sim! Não andámos muito mais que isso... Mas deu para apreciar a frescura de estar num bosque perto da água e não fossem os sinais de proibido tomar banho e desconfio que tínhamos aventureiros.

A caminhada foi relativamente fácil, sem grande relevo e sem grandes sobressaltos, mas o melhor foi ver como se comporta um grupo de 13 pessoas juntas e com diferentes interesses e culturas. Os alemães sempre calmos e observadores e o Tim, que é norte-americano, assustado com as torpecias que o Tiago, o Mário, o João e o André preparavam a cada esquina. Subir às árvores e correr pelos caminhos e mesmo fora deles, foi o que mais se viu, além dos sustos pregados por quem ia à frente e se escondia atrás das árvores, como eu.

O lago Bon Tempe foi construído pelo homem para reter as águas de um rio para fornecer água potável à região. Naquela zona existem dois ou três lagos com esse destino, o Phoenix, de que já vos falei quando fui andar de BTT para o Tamalpais, o Lagunitas e o maior de todos o Alpine.

Quando chegámos ao dique, parámos para umas fotografias, apreciar a vista para o vale abaixo a cerca de 20 ou 30 metros de profundidade e para apreciar uma águia ou falcão que por ali passeava. A ave aproveitava a subida do ar junto ao dique para subir planando e depois deixava-se levar em direcção à zona abrigada, onde baixava de novo para o vale. O voo planado da ave era deslumbrante... O velho sonho da humanidade.

O vento era enorme, uma vez que estávamos virados ao mar e criava ondulação nas, supostamente, águas paradas do lago. Junto ao dique existe um enorme tubo suportado por cabos de aço e a ondulação passava por cima dele como se fosse uma pequena rocha na praia. E na parte abrigada do tubo a ondulação não existia, dando uma imagem muito curiosa, como diria alguém que conheço...

Quando acabou o passeio, sim, não lhe vou chamar caminhada, ainda pensámos em caminhar mais um bocado, mas a ideia de voltar a Fairfax, ir ver a festa e beber uma cerveja, ganhou. Mas quando lá chegámos, cerca das 6h30m, a festa já tinha acabado e estavam a limpar tudo... É impressionante como esta gente acaba as coisas tão cedo. Mas o ambiente estava muito bom, com muita malta jovem e tudo muito alegre. Gostei, mas não havia muita a fazer ali e decidimos ir até minha casa ver o que se iria passar a seguir.

Assim de repente decidiu-se ir jantar a casa do Martin... Com autorização dele, claro. Telefonei à RM&P para saber se alinhavam e enquanto uns foram comprar comida e foram directos para casa do Martin, eu, a São e o Tiago tomamos banho e fomos mais tarde.

O Tiago foi de mota, a São no carro dela e eu no fantástico bólide voador em direcção à janta em casa do Martin. Cheguei a casa do Martin às 8h da noite... Só podia estar um bocado porque tinha que ir para o concerto dos Primal Scream no The Fillmore. Estive a ajudar o Mário a preparar o lume e sai, sem jantar... Bem! Comi umas sandes com um molho fantástico... Que supostamente era para a salada.

Cheguei ao The Fillmore às 9h e qualquer coisa, depois de quase meia hora para estacionar a viatura naquelas ruas manhosas. Já estava a ficar possesso a pensar que estava a perder parte do concerto, mas afinal ainda estive à espera quase meia hora, que os tipos se dignassem a entrar em palco.

Pelos vistos o público já sabia que não havia primeira parte, mas eu é que não. Mas ainda bem, porque assim fiquei mesmo na frente. E no entretanto pareceu-me ver a Shelley, a tal tipa que supostamente deveria ter feito testes ao World Up, que cheirava mal dos sovacos e que tinha azucrinado a cabeça do Ben na quinta-feira. Aproximei-me para confirmar. Realmente era ela e estava a fumar umas coisas que cheiravam muito bem e que passava entre os amigos. O que seria? Fui ter com ela e quando ela me olhou, vi que ela estava com uma moca tão grande, tão grande que parecia que tinha levado com um taco de basebol na cabeça.

Obviamente que ela ficou apavorada... Embora aqui toda a gente fume marijuana, a verdade é que é ilegal e existem mesmo empresas que fazem testes de urina aos seus empregados para confirmar que eles não se drogam. Mesmo no The Fillmore, onde supostamente é proibido fumar, mesmo tabaco, por ser um recinto fechado, fuma-se mais marijuana que tabaco. Eu desconfio que o pessoal que quer fumar tabaco sai do recinto para ir fumar. Mas naquela noite estava impressionante o cheiro a marijuana no ar.

Mas voltando à Shelley, ela assustou-se com a minha presença e atrapalhada apresentou-me o namorado e falou um minuto comigo sobre o facto de ter ouvido Air a tocar no meu PC, durante a semana. E, de repente deu-lhe uma vontade de ir buscar uma bebida ao bar e nunca mais se aproximou de mim. Eu percebi e voltei para o meu lugar, lá mesmo na frente.

Mesmo a tempo de ver os Primal Scream entrarem em palco. Disseram qualquer coisa imperceptível e começaram com o Swastika Eyes, o primeiro single do último álbum. Eu comecei a saltar e acho que só parei no fim do concerto.

O concerto foi excelente, apesar de à saída ter a sensação que iria ficar surdo durante uns três dias, como fiquei quando vi os Jesus And Mary Chain no Pavilhão do Infante no Porto, há cerca de 10 anos atrás. O Bobby Gillespie estava com uma moca, ou a dar ares disso, para manter a fama e a pose que tem e que toda a gente lhe conhece. Mal se mexeu o concerto todo, tirando quando se punha de cócoras ou pendurado no poste do microfone a olhar atentamente para o público. O Mani ex-baixista dos Stone Roses e agora baixista dos Primal Scream, é que não parou e saltou o tempo todo ao ritmo do seu próprio som, ficando completamente ensopado em suor quando o concerto acabou.

Antes do terceiro ou quarto tema, entrou um dos guitarristas dos My Bloody Valentine, que se veio juntar aos outros dois guitarristas que já estavam em palco para tocarem o tema Kill all Hippies. É extraordinário ouvir um tema com esse título, ser tão aplaudido na cidade mundialmente conhecida por ser o berço dos hippies.

O concerto continuou sempre a abrir. O som dos Primal Scream está muito agressivo, muito próximo do punk, mas com um ritmo de dança e bastante dançável. Eu comparava-os com os Prodigy, mas menos comerciais, assim uma mistura dos Jesus And Mary Chain do tempo do Honey's Dead, com algum dos My Bloody Valentine e muito dos Stone Roses. A presença dos Stone Roses notava-se mais nos instrumentais, quando o Bobby resolvia ir passear pelos bastidores.

Depois do concerto acabar, mais ou menos, depois de uma hora de guitarras a abrir, ainda tivemos direito a ser presenteados com três encores. Embora os últimos dois tenham sido de um tema só e curtíssimos, com duas versões, uma dos Stooges e outra dos MC5... Isto soube porque li a crítica, porque nem dei conta que eram versões, porque não conhecia os originais, embora me parecessem um bocado mais rock do que eles estiveram a tocar.

À meia-noite e meia cheguei à festa em casa do Martin, depois de ter ganho um CD e um poster à saída do concerto, como é habitual no The Fillmore.

A festa estava muito animada. Tão animada, que o Martin já tinha posto o tapete de lado e o sofá já estava a um canto. A música estava como de costume limitada aos CDs do Martin e estava a bombear, embora os meus ouvidos estivessem menos sensíveis.

Atirei-me ao que tinha sobrado do churrasco e ao que restava do pão. Acompanhado por um vinho à maneira, mas já ia tarde para conseguir apanhar alguns dos mais fantásticos da festa, com o expoente máximo atingido pelo Tiago.

No entretanto a festa começava-se a fazer ouvir e apareceram uns tipos, que pelos vistos viviam ali perto e se foram infiltrar noutra festa ali perto, mas que segundo eles não estava nada boa, comparada com a nossa. Eram dois, um deles de cabelo comprido e loiro, tinha mesmo cara de quem passava muitas horas em frente a um computador a jogar jogos... Só lhe faltavam as borbulhas e as canetas no bolço para ser cromo. O outro era para o cheio, mas sabia fazer uns truques com umas bolas luminosas que pareciam que se esborrachavam quando caiam ao chão. Era um bocado armante e ninguém lhe ligou muito, apesar de ele sobressair no meio da multidão com a sua camisa cor-de-laranja.

O pessoal começou a bazar às 2h e o Tiago foi telefonar e adormeceu.

No final ficámos poucos na conversa em volta da mesa. O Rafael e o Alexis, dois brasileiros que vocês já devem ter ouvido falar de outras crónicas, o Luy, um polaco negro, filho de um nigeriano e que como diz o Martin é do sul da polónia, o Martin, o Mário, um casal de brasileiros que não sei o nome e que não foram muito simpáticos de início mas que depois se redimiram e um alemão que trabalha com o Martin e que estava completamente bêbado... A Sá dormia no sofá. Eu estive a falar com o Rafael, quase o tempo todo, sobre música. Aliás devo ir ver os Sonic Youth com ele em Julho.

No entretanto, chegou o Carlos e o Juan, que vinham da discoteca, mas não ficaram muito tempo porque o Juan estava impaciente.

O Martin a dada altura estava a ficar preocupado porque o Tiago estava a dormir na cama dele e ele não o queria acordar. O quê? Lá fui eu expulsar o Tiago da cama do Martin... O rapaz estava completamente banzado. Lá conseguiu passar para o colchão no chão e eu lá consegui deitar-me às 4h da manhã.



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