Sábado, 3 de Junho de 2000
Como é costume acordar não custou.
Eram 9h e já estava acordado... Descarreguei o mail, respondi
a algumas pessoas e fui tomar o pequeno almoço.
Liguei a televisão enquanto tomava o pequeno
almoço e fiquei a ver um filme que estava a dar e cuja história
se passava em São Francisco, durante os anos 40, durante
a segunda guerra mundial. A história nem era nada de especial,
mas era agradável ver como as coisas mudaram e como poderia
identificar facilmente muitos dos lugares onde se passavam as cenas
do filme. Nunca esperei na vida poder saber tanto acerca de uma
cidade tão distante de casa...
Quando o filme acabou, voltei ao computador e no
entretanto, enquanto via o filme, a Cláudia ligou-se e desligou...
Azar! Meti conversa, via ICQ, com a Raquel Soares que está no
Chile e pouco depois a Cláudia também apareceu por
lá. Estive na conversa com as duas quase duas horas... Já estava
quase na hora combinada para o Tiago e a São (os únicos
que deram a certeza) aparecerem para irmos caminhar e ainda não
tinha almoçado, nem me apetecia desligar, porque a conversa
estava interessante... Mas teve de ser.
Peguei na Vaynessa e fui almoçar ao MacDonalds.
Tomei café no Tully's mesmo ao lado e quando voltava para
casa, apareceu a São e o Tiago no fantástico carro
batido da São. Já passavam 20 minutos das 2h, a hora
combinada...
Arrumámos tudo o que era necessário
e comprámos alguma fruta e água para o caminho. E,
fomos para o monte Tamalpais...
O parque gratuito que tinha usado no dia anterior
estava completamente lotado. Não era de surpreender, o tempo
estava bom e o pessoal sai de casa e que sítio melhor para
se estar que na montanha? Pelo menos para os americanos, porque
se fosse em Portugal o pessoal estava num Centro Comercial, como
os mexicanos cá do burgo.
Tivemos que recorrer ao parque do Ranger e que era
pago... Mas mesmo esse estava lotado, mas com uma pequena espera
lá se arranjou sítio e até um bilhete de borla.
O tipo que ia vagar o sítio deu-nos o bilhete dele e nós
ficámos todos contentes, porque sempre eram $5... Uma simpatia!
Metem-nos a caminho. Não sem antes nos cruzarmos
com uns verdadeiros hippies dos anos 60. Deviam ser mesmo dessa
altura, pela idade e deslocavam-se numa carrinha volskwagen de
todas as cores e cheia de autocolantes com a forma da folha da
marijuana e dizeres afins. E vestiam-se à verdadeiros hippies,
de jardineiras e t-shirts coloridas, fita no cabelo que lhes cobria
as costas e uma barba que devia chegar ao umbigo. Ambas as formas
do pelo aparentavam não serem lavados há pelo menos
30 anos, ou seja desde o woodstock...
A primeira parte da caminhada, já vos contei
na última crónica. E a partir do ponto onde voltei
para trás, era como eu previa... Seguia a encosta sempre
sobre Stinson Beach, até que começava a subir. Nessa
altura, começaram a passar por cima da nossa cabeça,
umas asa-delta. Os tipos estavam a saltar do cimo do monte a cerca
de 50 metros acima das nossas cabeças, e planavam lentamente
em direcção à praia que devia de estar a cerca
de 700m em linha recta e aos trambolhões, de onde estávamos.
Nós devíamos de estar a cerca de 500m de altitude.
Nessa altura o calor já apertava. Eu e o
Tiago já estávamos de tronco nu e a São de
bikini... Atravessámos para o outro lado do monte e a vegetação
voltou a alterar-se completamente. Entrámos no trilho Cataract,
que pela descrição que tinha no livro que tenho de
trilhos no Tamalpais, devia de ser algo completamente deslumbrante
com pequenas quedas de água num ribeiro que seguiríamos
ao longo de todo o trilho. Pois bem, como de costume há que
descontar 50% nas descrições fantasiosas que estes
tipos fazem das coisas que têm por cá e não
nos sentirmos muito entusiasmados com elas, porque senão
corremos o risco de apanharmos uma desilusão. Não
foi tão mau, mas o ribeiro era um ribeiro e as quedas de água...
A maior que vi devia de ter cerca de 20 cm de altura, ou seja,
a altura de uma pedra. Mas atravessava-se o ribeiro várias
vezes em pontes de madeira e ainda parámos para comer e
pôr os pés na água gelada do ribeiro... Claro,
que eu fui o único a fazê-lo. A São preferiu
descansar e o Tiago foi dar uma mija atrás de uma árvore...
Dali seguimos para um parque de estacionamento que
ficava no ponto mais alto da caminhada e daí até à chegada
seria sempre a descer. Passámos por um casal que dormia
deitado na relva, e ficámos com uma vontade de ali ficar
também, mas ainda tínhamos que andar umas 2 ou 3
milhas e ir para São Francisco. Bem, eu ainda não
sabia que ia...
Quando chegámos a Spring Park, acho que se
chamava assim o tal parque de estacionamento, estavam lá uns
tipos a observar o céu com uns telescópios enormes
e esquisitos. Mas o mais esquisito é que estavam a observar
o próprio sol. Claro que nós não nos acanhámos
e fomos tentar aprender mais alguma coisa. Eram do clube de astrónomos
amadores de São Francisco e estavam a ver as manchas solares.
Nós também vimos umas pequenas manchas negras estáticas
no sol, mas bem que podiam ser sujidade na lente do telescópio,
porque para mim, leigo na matéria, aquilo parecia muito
estático. Os telescópios eram umas máquinas
poderosas e caríssimas e até seguiam a trajectória
do sol. Eles estavam ali para a noite, porque havia uma sessão
de observação das estrelas, logo a seguir a uma peça
de teatro que era representada no auditório que existia
ali perto no monte Tamalpais... Foi para lá que nos dirigimos
em seguida.
O teatro na montanha ou o auditório é uma
imitação de um teatro romano e por coincidência
a peça deste ano é passada na Roma antiga. Não
sei como se chama, mas sei que não tem tido muito sucesso,
comparada com a do ano passado e que era o Wild Side Story. O auditório é em
forma de meio círculo e é todo em pedra irregular,
não polida, como se tivesse sofrido alterações
com o tempo, como as ruínas romanas. Ao cimo três
enormes ventoinhas fornecem uma brisa à audiência,
que segundo o jornal que no entretanto li, pode chegar às
4000 pessoas, embora eu não acredite que caibam lá tantas.
E claro uma enorme bandeira americana com cerca de 6 por 4 metros
encima a coisa de uma maneira que só os americanos sabem
fazer...
No palco existiam três casas uma de cada cor.
Uma roxa, uma amarela e uma azul... Cores bastante usadas pelos
romanos... Pelo menos julgam os americanos. Ah! A peça chama-se "Aconteceu
a caminho do Forum" e suponho que é uma comédia sobre
o poder do dinheiro e do amor... Que coisa tão nova nestas
terras. A história é sobre uma virgem que vai casar
com um velho muito rico e poderoso e que se apaixona por um jovem
criado sem um tusto. O resto não sei...
A única coisa que estava no teatro aquela
hora eram os esquilos, os corvos e um casal de namorados que se
assustou quando chegámos e fugiu. Ah! E o guarda...
Parámos ainda para uma mijinha nas casas-de-banho
portáteis, género festival-rock-em-Portugal e que
aqui existem em todo o lado...
Daí até ao fim, foi a descer como
era de prever... Um martírio para os joelhos e para os músculos
que passaram a trabalhar ao contrário...
Chegámos ao carro e decidimos ir beber uma
cerveja a uma esplanada a Stinson Beach. Só em sonhos...
Uma esplanada em Stinson Beach já é difícil,
então beber uma cerveja ao ar livre é ainda mais
difícil, pelo que nos contentámos com uma cerveja
de garrafa dentro de um saco de papel no parque junto à praia.
Ficámos ali na conversa e a apreciar um fim de tarde no
parque, acompanhado com uma cervejinha. Bem, o Tiago bebeu leite...
Que tem tudo a ver!
Ainda passámos por minha casa, porque me
convenceram a ir até São Francisco jantar e ficar
lá a dormir. Isto porque o Rui que está em Nova Iorque
estava lá... Há uma semana e ninguém sabia
de nada. Mas continuámos sem saber, porque nem sequer o
vi e nem falei com ele. Acho que alguém inventou a história...
Tomámos banho em casa da RM&P e fomos
ficando à espera do Jaime para irmos jantar. A verdade é que
já não havia quase nenhum sítio onde nos servissem
quando ele chegou... A culpa também era nossa, embora eu
não soubesse... O Tiago tinha dito que lá ia jantar
e só aparecemos às 9h, hora tardia nesta terra de
madrugadores.
Acabámos por ir jantar a um restaurante americano.
Sim! Um restaurante tipo Mel's que vos contei há algumas
crónicas atrás, com comida americana, género
hamburguers e afins. Uma verdadeira bosta. Tão mau que já nem
me lembro o que comi, a única coisa que me lembro foi do
molho de queijo azul que pedi com a salada e que comi até à última
gota no pão. Uma maravilha... Tenho que ver onde se vende
aquilo.
Esse restaurante é mesmo ao lado da Pousada
da Juventude, pelo que já sabem onde não devem ir
quando vierem visitar São Francisco.
Ah! E a dada altura apareceu lá um amigo
da Mariana, com quem ela era suposto ter saído e o Jaime
foi cumprimentá-lo. O tipo apresentou o Jaime ao resto do
grupo que estava com ele, como sendo português e um deles
perguntou ao Jaime se conhecia Blind Zero. O Jaime perguntou-lhe
se era algum bar... Ok! O tipo ficou a perceber que o Jaime conhecia
bem este tipo de bandas portuguesas.
No entretanto decidimos ir para casa. Vínhamos
a subir O'Farrell e quando esperávamos pelo sinal para atravessar,
apercebi-me que um tipo dizia a outro que uma dada tipa estava
a chegar para ir buscar o produto. E no entretanto ela passou mesmo à nossa
frente num Mercedes antigo castanho claro e ele foi ter com ela.
O sinal mudou e nós atravessámos a rua... No momento
em que chegámos ao outro lado, ouviu-se um estrondo na esquina
oposta do cruzamento, onde a tal tipa tinha parado.
O Mercedes estava meio atravessado como se estivesse
a sair do estacionamento, ela tinha saído do carro a correr
e cinco ou seis tipos abriram a porta de trás do carro e
estavam a dar pancada em quem quer que estivesse lá dentro.
Era a ver quem batia mais. Durante cerca de 5 minutos foi um não
acabar de murros, berros e gente a correr, até que tiraram
o rapaz que estava na parte de trás do carro para o passeio
e passaram à fase do pontapé.
No entretanto chegou um carro da polícia
e um tipo que fugiu do local do crime dizia para sairmos dali porque
podia haver tiros e que alguém estava ali morto. A Rita
e a Mónica já tinham ido para casa há muito,
com receio de verem algo para o qual não estavam preparadas.
Em menos de dois minutos, estava tudo sob controlo
e os intervenientes estavam todos algemados a um gradeamento de
uma loja, incluindo a tipa que conduzia o Mercedes e que se dizia
inocente aos berros. Isto tudo realizado apenas por dois policias,
um deles mulher.
Decidimos aproximarmo-nos. Queríamos confirmar
se realmente o estrondo tinha sido um tiro, porque da distância
onde estávamos não tinha parecido. E não tinha
sido! Ela simplesmente bateu com o Mercedes no carro estacionado
na frente do dela... Suponho, e isto é especulação,
que ela estava a ser ameaçada pelo tal tipo que serviu de
saco de encher e bola de futebol para a malta do bairro.
Fomos para casa. O Tiago e a São foram para
a casa deles e eu estiquei o saco-cama e adormeci...
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