DOMINGO, 4 DE JUNHO DE 2000 C95
Jesse e Darren De Dentro da Raiz - Fotografia de Rui Gonçalves

Segunda-feira, 29 de Maio de 2000

Memorial Day. O primeiro feriado verdadeiro que celebro desde que estou nos Estados Unidos. Na terra onde quase metade da população lutou numa guerra, o dia em que se celebra à memória dos bravos combatentes mortos em acção é um dia de comemorações nacionais. Para mim, foi uma manhã em que dormi mais um bocadinho e acordei com o Jesse a trazer-me o café à tenda.

Ele tinha proposto que alguém o fizesse e tirámos à sorte quem seria o felizardo. E, nestas coisas, eu não costumo perder e costuma perder quem sugere... Calhou-lhe a ele.

Bem vindo à América dos produtos embalados prontos a serem misturados com água e comidos. O café era mesmo desses, ao que o Jesse misturou half & half, que é uma espécie de leite com natas com sabor a baunilha e com açúcar. Depois ainda lhe acrescentou mais açúcar... Estão a imaginar o que tive de beber logo pela manhã.

Depois passámos à Oatmeal, que é como quem diz papas de aveia. Antes fossem. Aquecer água na mesma panela em que se fez o raviolli do dia anterior e que foi lavada só com água, já impressionava muita gente, mas pelos vistos não ao Jesse e ao Derren. Depois, misturar umas papas de aveia com diferentes sabores e comer, é que poderia dar a volta ao estômago de muitos... Mas eu já que estava num fim-de-semana à americana tinha que embarcar nas mesmas opções dos outros, principalmente porque não tinha trazido nada para comer.

Desmontámos o acampamento e fomo-nos embora do parque. Apanhámos a estrada secundária em direcção a Norte... Pensavam eles, mas estávamos a ir para Sul. Queriam encontrar um sítio em que houvesse pouca ou mesmo nenhuma gente a fazer barulho e onde pudessem dar uns mergulhos. Mas para Sul estávamos a ir para a nascente do rio o que queria dizer menos profundidade.

Mas, a estrada era espectacular. As sequóias eram descomunalmente grandes. Estávamos na estrada que por ali chamam de Avenue of the Giants e realmente era... Paguei eu para ir a Muir Woods e ali as sequóias eram muito maiores... Mas também estavam bem mais longe de Corte Madera.

A dada altura e depois de alguma discussão, lá consegui provar que estávamos a ir para Sul e que tínhamos decidido ir para Norte até à junção com o verdadeiro Eel River. Demos meia volta e parámos junto a uma Sequóia que estava caída junto à estrada. Por aqui, quando uma árvore cai, apenas se corta a parte da árvore que realmente incomoda a mobilidade das pessoas, o resto é deixado como se a natureza não tivesse sido alterada. E esta árvore que deve ter bloqueado a estrada quando caiu, era mais alta que o Jeep Cherokee de um tipo que me pediu para lhe tirar uma foto... Imaginem onde? Dentro do tronco... O tronco da árvore estava oco junto da raiz (por isso ela deve ter caído) e cabia lá uma pessoa de pé... Aliás podia-se dormir lá dentro. Depois eu mando as fotos, quando revelar...

Seguimos para Norte, mas com a condição, que se não encontrássemos um sítio bom a menos de 5 milhas da junção do South Fork com o Eel River, que voltávamos para trás. E assim aconteceu... Apanhámos a 101 e fomos para Sul, depois de umas voltas perto do rio, mas sem sucesso.

O Jesse dizia conhecer um sítio porreiro para darem uns mergulhos e fomos para lá. Era num outro parque que não me lembra o nome, mas estes tipos têm mais parques naturais do que zonas habitacionais... Não vejo mal nenhum, mas não dá para decorar tudo.

Chegámos à porta do parque e como é costumo há que pagar, mas o Jesse armado em delinquente disse que se tinha enganado e que ia dar a volta. Entrámos, claro que não demos nenhuma volta e fomos para o rio. E o carro ficou estacionado num local proibido. O Jesse estava a abusar, mas eu não tinha nada a ver com isso.

Quando estávamos a fazer o barbecue e a nadar no rio, apareceu um ranger a perguntar de quem era um camião verde que estava estacionado na estrada... E lá foi o Jesse tirar o trambolho para o parque de estacionamento, mas ninguém disse nada acerca de não termos pago a entrada.

Esta é outra das coisas que não percebo nos americanos. As pessoas têm que pagar, mas ninguém se importa muito se não pagarem... E as maneiras de não pagar são mais que muitas, para quem tem uma mentalidade de fuga ao pagamento, de seja o que for, como os portugueses. Eu desconfio que os mexicanos aqui não pagam nada...

O Jesse e o Darren lá andaram a mergulhar lá de um penhasco e eu a tirar fotos. Para apanhar o rio e as sequóias tive que usar a máquina na vertical porque senão as árvores ficavam cortadas.

Ao fim de algum tempo, voltou a brisa e decidimos pormo-nos a caminho de casa.

Ainda parámos a meio do caminho para meter gasolina e comer um gelado. E fomos comer um gelado a uma verdadeira geladaria saída de um road movie americano. Eu não sei explicar que tipo de estabelecimento comercial é que era... Chamei-lhe geladaria, porque vendia gelados, mas... Também podia ser uma biblioteca, porque tinha uma secção de livros usados disponíveis para leitura e até tinha uma mesa para as pessoas se sentarem a fazê-lo... Mas, também podia ser uma mercearia, porque vendia os ingredientes mínimos para cozinhar... Mas, porque também tinha uma mesa de bilhar, podia ser um bar e pelo facto de vender artesanato, podia ser uma loja de artesanato? Isto tudo no mesmo estabelecimento, em madeira na berma da estrada e onde se podia ouvir os Grateful Dead e ser atendido por uma senhora de idade que de certeza esteve em Woodstock e que ainda hoje sofre alguns dos efeitos retardados do que fumou por lá. A América profunda.

Depois continuamos na 101 para sul. Passámos em Laytonville, que pelo nome deve ser a terra dos leitões cá do sítio, mas não vi nenhum Pedro dos Leitões, ou coisa parecida. Mas passámos por várias tabuletas que indicavam reservas índias, mas nenhum dos meus companheiros se mostrou muito interessado em ir visitar esses últimos redutos dos povos americanos oprimidos. Vejam lá vocês, que os únicos sítios na Califórnia onde é possível haver jogo é nas reservas índias... Uma compensação pelo facto de os terem fechado em áreas onde não podem desenvolver o seu orgulho guerreiro. E depois ainda dizem que os índios são selvagens.

Ainda vi pelo caminho uma estrutura que parecia uma cápsula de um foguetão, mas que bem podia ser uma versão de uma tenda de índios, porque não consegui reparar bem. Mas, não acredito que depositassem uma cápsula de entrada na atmosfera, junto a um rio e abandonada. Mas aqui tudo é possível como na ilha do Ghalighan.

Chegámos a Petaluma cerca das 6h da tarde. O Darren fugiu logo, pois a namorada estava à espera e o Jesse foi dar um beijinho ao filho... Eu voltei sozinho para Corte Madera.

Ainda parei numa loja de material de montanha, aqui perto, que estava em saldos... E quem é que encontro lá? O Darren com a namorada... Pelos vistos o jovem ficou com vontade de voltar a acampar.

Fui para casa, tomei banho, fiz o jantar e deitei-me...



Índice: Página I1 Col. 1
Próxima Crónica: Página C96 Col. 1