C94 DOMINGO, 4 DE JUNHO DE 2000
Drive Thru Tree - Fotografia de Rui Gonçalves

Lembram-se do bar country em Petaluma que vos falei na última crónica? Pois bem chama-se Kodiak Jack's Honky Tonk & Saloon (um nome aliás bem original e eu próprio nunca me lembraria de tal coisa) e podem ver em http://www.kodiakjacks.com/ como aquilo é mesmo como eu contei.

Domingo, 28 de Maio de 2000

Acordei com os primeiros raios de sol como é normal, quando se dorme no sofá numa sala em que não há persianas ou mesmo cortinas. Lembram-se que vos deixei, quando estava a deitar-me em Petaluma, em casa do Jesse, com o Darren a vomitar, depois de ter bebido demais?

Pois bem, o Darren dormiu de luz acesa... Eu com problemas com a luz e o bêbado dorme-me de luz acesa, mesmo depois do Jesse a apagar quando se deitou na noite anterior. Pelos vistos o Darren levantou-se para ir à casa de banho e voltou a esquecer-se de apagar a luz.

O Jesse acordou bem cedo, também. Esperava-nos uma longa viagem para Norte na 101. Eu nem sequer sabia qual era o destino, estava tudo nas mãos do Jesse. Arrumámos tudo o que um americano acha necessário para o campismo, na carrinha do Jesse, e ficou quase cheia. O Jesse tem uma daquelas pick-ups antigas americanas e grandes, mas levar barbecue, tendas, sacos, cadeiras, comida e bebida não é fácil.

Fomos buscar o carro do Darren ao centro de Petaluma. Passámos pelo MacDonalds para comprar o pequeno-almoço e às 10h30m estávamos a caminho.

O Darren dormia de olhos abertos e o Jesse só gozava com o pessoal ou tentava mudar de rádio a cada música, porque nenhuma agradava. Se a minha disposição de ir ter com eles na noite anterior era pouca, a de ir acampar também não era grande coisa. O Jesse é um tipo porreiro, mas acho que com o Darren por perto, toma certas atitudes mais infantis e gosta de se mostrar. Daí que a dada altura já não o conseguia ouvir. Acho que se tivéssemos ido só os dois ele tinha-se portado melhor, não que o Darren tenha culpa, mas sabem que três homens juntos pode resultar num cocktail explusivo... Eu também mal conhecia o Darren e o melhor era gozar a aventura e as vistas.

As vistas eram espectaculares. Os montes descampados ou com erva, que nesta altura já começa a ficar dourada, deram espaço à montanha com árvores de copa triangular e com uma altura apreciável. No vale profundo corria o South Fork Eel River, ou seja o braço sul do rio enguia. A água era verde límpida e o rio serpenteava pelas margens que nesta altura eram largas demais para a água que ele levava. Estávamos a chegar a Humboltd Redwood Park, aquele que era afinal o nosso destino.

Para cada lado que olhava só via a Cláudia. Este é o tipo de férias e fins-de-semana que fazia com ela quando estava em Portugal. Agarrar no carro e partir à procura de sítios novos, ver novas coisas e sem dúvida a companhia dela era melhor nesta ocasião e no estado em que estava. E tocava na rádio o tema "There's Always Something There To Remide Me"...

A dada altura uma tabuleta indicava a Drive Thru Tree, uma árvore tão grande que lhe fizeram um buraco na base que permite a passagem de automóveis. Eles os dois perguntaram-me se queria ir ver e eu como já não estava com muita paciência encolhi os ombros, mas eles queriam tanto que me chatearam e fomos. Não que eu não tivesse vontade, mas simplesmente estava com a cabeça noutro lado.

Entrámos no parque da tal Drive Thru Tree e como todos os parques por aqui pagámos $2 à entrada. Saí do carro e fui tirar umas fotos... Vocês não estão a imaginar a carrinha do Jesse a passar no buraco da agulha com ele e o Derren a rirem-se à gargalhada lá dentro e a entrarem em pânico, porque não tinham percepção das dimensões da árvore e da direcção a tomar. Digamos que o Jesse sentia as rodas bloqueadas e virava demasiado o guiador e estava preso dentro da árvore... Só visto. Eu estava de fora e finalmente comecei a achar mais piada ao divertimento.

Quando saímos do parque e à medida que continuávamos a seguir para Norte, as árvores que nos cercavam começavam a ser cada vez mais altas e os troncos cada vez mais grossos. A estrada serpenteava por entre as árvores. Acho que algumas árvores eram mais grossas que o camião do Jesse e tinham mais de 50 metros de altura, perfeitamente verticais. Os troncos destas sequóias da costa são avermelhados, daí o nome de Redwoods.

Finalmente chegámos ao Parque dos Bosques Vermelhos de Humboldt (http://www.humboldtredwoods.org/) e dirigimo-nos ao Parque de Campismo das Fontes Escondidas (Hidden Springs Coumpground em americano, como diria o nosso amigo Lauro Dérnio). O Jesse já tinha reservado um alvéolo para nós no parque e vinha-nos a dizer que uma vez foi a um parque em que o método de atribuição dos alvéolos era dos mais estúpidos que alguma vez tinha visto. Acho que era do género de que se ia procurar um lugar vago e depois voltava-se à portaria para reserva-lo. Ou seja se houvesse alguém a caminho da portaria quando alguém desse com o mesmo lugar dos primeiros, tinham que voltar a encontrar outro lugar... Uma estupidez tão grande...

Parámos na portaria e o Jesse pediu a confirmação do alvéolo. O Darren no entretanto arrotou tão alto, que eu e o Jesse ficámos a olhar para ele e pedimos desculpa à recepcionista quase ao mesmo tempo. O Darren ainda não estava a funcionar muito bem e se tivesse um buraco ali tinha-se lá enfiado.

Estupidez por estupidez, descobrimos que o parque que o Jesse falava antes era mesmo aquele... E fomos procurar um lugar vago e rezar para que ninguém o tivesse encontrado e estivesse a registá-lo enquanto nós nos dirigíamos para a portaria para o fazer. Registamos o alvéolo e fomos para o rio... Não estava muito calor, mas estávamos ali para nos divertirmos...

O rio era mesmo bonito... Era daqueles rios que só se vêem nos filmes. Esta cultura cinematográfica americana cria-nos imaginários que só julgamos serem possíveis na tela, mas afinal elas existem mesmo. Em todos os sentidos. Só aqui me apercebi que muitas coisas que vemos nos filmes existem mesmo... Mesmo as personagens dos filmes do David Lynch são reais... E as do Woody Allen, são mesmo reais e há tantas repetidas que até faz impressão.

Mas, estava a falar do rio, não era? Pois bem... O rio é daqueles rios selvagens que no inverno devem ter um caudal tal que levam tudo à frente, mas que nesta altura não têm muita agua. Mas há zonas sem pé e zonas que dá para mergulhar de alturas apreciáveis. Quem me conhece sabe bem que eu nado que nem um prego e mergulhar é como uma pedra... Pelo que vi apenas os outros a fazê-lo.

No meio do rio havia um tronco trazido pela corrente, que tinha ficado preso nas pedras e que uma família de mexicanos usava para mergulhar. O tronco devia ter cerca de um metro de diâmetro e sai da água para aí cerca de três metros da borda da água. Como o rio trazia menos água as margens actuais eram o normal leito de inverno e o rio serpenteava por entre as normais margens de inverno. Assim, havia umas zonas com areia onde se acumulava algum pessoal a apanhar sol e a piquenicar.

Ficámos ali a conversar, beber uma cerveja e mergulhar até a fome apertar. Não tínhamos almoçado e eram mais que horas de lanchar. Levantou-se uma brisa fresca, começava a ficar impossível estar na água e resolvemos ir para o parque fazer o barbecue.

Enquanto o carvão pegava, montei a minha tenda e a do Jesse. O Darren zombiava entre a casa de banho e as cadeiras de campismo.

A comida começou a rolar nas brasas cerca das 17h30m e acendemos a fogueira pouco depois. Aqui todos os parques de campismo têm um reservatório de metal por alvéolo para se fazer a fogueira. É um bem essencial para estes americanos... E ainda bem , porque soube bem estar ali sentado à volta da fogueira, a comer e a beber.

No entretanto eles estiveram a jogar às cartas e eu já não conseguia com os olhos abertos. Duas noites seguidas a dormir tão pouco, não mata mas mói.

Podem não acreditar, mas eram 9h da noite quando nos decidimos deitar e ninguém estava com cabeça para arrumar fosse o que fosse. Ficou tudo espalhado na mesa... Que viessem os esquilos e comessem.



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