Sábado, 27 de Maio de 2000
Deitar tarde e acordar cedo nunca deu saúde
e nunca fez crescer. Mas teve de ser. Acordei bem cedo e tomei
banho, mas o Jaime e a Mariana não tinham intenções
de se mexer, se eu não os fosse incomodar. Às 8h30m,
hora que o Jaime tinha combinado ir apanhar a Mónica e a
Patrícia, estava eu a telefonar-lhes a dizer que íamos
chegar um bocado atrasados.
Só chegámos 3/4 de hora atrasados.
A Mónica já esfumava. E ainda bem que a Rita estava
para o Texas, porque senão, acho que havia fogo.
Chegámos à Conferência da Portuguese
American Post-Graduate Society (PAPS) na Haas School of Business
da Universidade da Califórnia em Berkeley, quase uma hora
depois do que pretendíamos. Mas não devemos ter perdido
muito, pois a parte da manhã era mais orientada aos estudantes
de doutoramento.
A conferência que dava pelo bonito nome de "Options
After a Post-Graduate Degree" versava sobre isso mesmo. O que fazer
quando se acaba uma pós-graduação? Como nós,
estagiários, estamos num dilema parecido só nos fazia
bem assistir às dúvidas dos outros, para podermos
confrontar com as nossas.
Quando entrámos na sala, estavam para aí 40
pessoas a assistir. Na mesa, estava sentada do lado esquerdo a
Maria Elisa e mais uma série de pessoas que não conhecia,
mas que pouco depois já eram familiares, de tanto os ver
falar. Cerca de 5 minutos depois de entrarmos estava na hora do
café...
Comecei a olhar e vi algumas caras conhecidas e
quando entrei para a sala de novo, procurei encontrar na lista
de participantes alguns nomes conhecidos. Estava lá o Carlos
Balsas e o Manuel Thomaz. O primeiro tinha sido o responsável
pela compra da minha suspensão da minha antiga bicicleta,
uma Rock Shox Judy XC, quando andava a tirar o mestrado aqui nos
Estados Unidos. O segundo era o presidente da ANJE (Associação
Nacional de Jovens Empresários) e irmão do Pedro
Thomaz que foi meu colega de curso na Universidade de Aveiro e
companheiro de copos e noitadas.
Mas não encontrava o nome de um tipo que
conhecia, mas não sabia de onde. Nada como perguntar. E à hora
do almoço descobri, depois de uma conversa, que o conhecia
do tempo em que trabalhava na ETC no Porto. Ele e outro tipo que
lá estava eram colegas do Bolhões, que nessa altura
trabalhava para a Caleida, da qual a ETC tinha parte da sociedade.
Um estava no Centro para a Investigação em Computação
Gráfica e ficámos a falar um bocado sobre o meu trabalho
na EAI.
A dada altura a meio do almoço e enquanto
falava com um madeirense e a Ana Magalhães me contava as
aventuras dela no Carls Jr., em que meteu polícia e uma
empregada presa, por tentar roubar-lhe a carteira, passou um colega
meu de física do tempo da Faculdade de Ciências. Possa!
Já era a quinta pessoa que revia naquele bocado de tempo...
Já tinha valido a pena lá ir só para ver de
novo certas pessoas.
Estive a recordar com o Domingos, é assim
que ele se chama, os tempos da FCUP. A rever o que era feito da
maioria dos nossos, então colegas de curso... E no entretanto
eram horas de voltar a assistir às discussões sobre
o futuro de um pós-graduado.
A parte da tarde foi muito mais interessante que
as discussões, da parte da manhã, sobre o voltar
ou não voltar a Portugal, depois da pós-graduação.
A discussão da tarde era sobre a decisão de seguir
a vida académica ou a vida empresarial.
Há certas intervenções a que
se assiste na vida e que podem alterar consideravelmente a maneira
como encaramos o futuro e as nossas próprias capacidades.
E se a intervenção do Prof. Luís Cabral da
Univ. de Berkeley foi boa, a do Manuel Thomaz foi verdadeiramente
eficaz. O primeiro defendia a vida académica e o segundo
a vida empresarial. O segundo quase convenceu a assistência
que o país já não é o mesmo quando
voltarmos, mas que precisa de todos para que seja melhor. Vamos
a ver até que ponto ele tem razão...
No entretanto, houve umas sessões de perguntas
e respostas e houve uma intervenção de um tipo que
tinha uma empresa que tinha sido recentemente adquirida pela Yahoo!
Uma empresa que tinha como objectivo desenvolver hardware barato
que permitisse chegar a Internet aos países menos desenvolvidos
ou com mais dificuldades económicas. Passou-se a chamar
Yahoo! Everywhere e ele encheu-se de dinheiro... Vocês deviam
de ver o carro do tipo. Ele não devia de ter mais de um
metro e sessenta, era indiano e conduzia um carro vermelho com
pneus maiores que ele.
Quando saímos, ao fim da tarde, o Jaime teve
que pagar mais do que pensava pelo parque, porque, dizia ele, a
máquina de pagamento não estava lá de manhã,
quando chegámos. Assim, levou uma multa para casa... Que
terá que ser dividida pelas diferentes partes.
Fomos para casa da Mariana e jantámos. Eu
tinha combinado com o Jesse ir ter com ele a Petaluma, para irmos
no dia seguinte acampar algures para o Norte da Califórnia.
Saí logo a seguir ao jantar e ainda passei em casa para
ir buscar roupa, a caminho de Petaluma.
Quando cheguei a Petaluma, saí da 101 e segui
as indicações que o Jesse me tinha dado. Primeira à esquerda,
segunda à direita e... Quase que caia de carro ao rio. As
indicações estavam maradas. Há que telefonar
ao Jesse. Na primeira bomba que vi telefonei-lhe... Pois estavam
erradas. Só estava na outra ponta da cidade. Meia volta
e em direcção ao centro de Petaluma.
Já estava completamente confundido. Parei
nuns semáforos e quando a luz mudou é que vi um placar
que indicava que o sítio para onde eu queria ir era para
a esquerda. Virei à esquerda... Quando olhei pelo espelho
vi que tinha um carro com luzes no tejadilho, mesmo atrás
de mim. Era a polícia. Só esperei que não
olhassem para a matricula e vissem que o selo tinha caducado há dois
meses. De repente as luzes do tejadilho acedem-se e um farol fortíssimo é apontado
aos espelhos do meu carro... Já percebi! Encostei...
Não sabia bem o que fazer. Em Portugal o
normal é sair do carro, mas aqui acho que o obrigatório
era ficar no carro. No entretanto, eu já tinha tirado o
cinto e um dos polícias dirigia-se ao meu carro. Tentei
mostrar que tinha o cinto posto, mas ele só me respondeu
que já era tarde para o pôr, mas acho que depois percebeu
que eu o trazia.
Pediu-me a carta de condução e entreguei-lhe
a Carta de Condução Portuguesa. Perguntou-me se tinha
bebido e o que andava ali a fazer, e eu expliquei-lhe que andava
perdido. Mostrou-me que estava numa faixa em que só era
permitido ir em frente e que virei à esquerda, ao que lhe
voltei a explicar que estava mesmo perdido. Disse-me se eu sabia
que no estado da Califórnia tinha que ter a carta californiana
e que podia me prender e apreender o carro naquele momento... Até fiquei
verde!!!!
Nessa altura olhei para a lapela e vejo em letras
brancas bordadas sobre o preto do uniforme, o nome "John Silva"...
Percebi tudo! O tipo estava-me a dar um raspanete, mas não
ia fazer nada. Era de origem português...
Deu-me as indicações para ir para
o centro da cidade, perguntou-me mais uma vez se tinha bebido e
mandou-me não voltar a conduzir enquanto não tivesse
a carta local. Ok! Sr. Agente, o senhor é que manda. Silva!
Quando cheguei ao centro de Petaluma, depois de
já ter feito mais uma barbaridade nuns semáforos,
estava lá o Jesse e o Darren a guardar um lugar para o bólide.
Já estavam bem bebidos.
O Darren é um tipo contratado pela EAI para
ir fazendo uns trabalhinhos lá para a empresa. Neste momento
está a fazer a versão para Linux do World Up... Aquele
programa que ando a testar.
Entrámos no bar que era mesmo ali ao lado
do lugar onde estacionei o bólide. À porta estava
um tipo com cerca de dois metros de altura, vestido de calças
de cabedal e t-shirt caveada, de braços cruzados, completamente
careca e com uma pêra que lhe dava pela cintura. Era o porteiro
e a única coisa que o ouvi dizer foi "No Hats inside", isto
porque o Jesse estava de chapéu... Com aquele cabedal, acho
que até tirava as cuecas, com medo...
O bar por dentro fez-me lembrar o café do
Jó em Foz Côa. Não pela disposição
do bar em si, mas pelo ambiente... Mas transposto para os Estados
Unidos. Estava povoado de verdadeiros seres que eu pensava que
só existiam no interior deste país. Havia verdadeiros
cowboys à moderna por ali e isso explicava a proibição
dos chapéus... Queriam ser um bar mais in.
Um balcão corrido do lado esquerdo de quem
entra, uma pista de dança ao fundo e uma zona com mesas à direita,
faziam o bar que se chamava Bottom Line. Na pista só se
viam mulheres a dançar umas com as outras... E à volta
estavam os homens a apreciar. Digam lá que não é igual
a Portugal? Bebi uma cervejita.
Fomos a outro bar. Este agora chamava-se Hideway
e tinha fotografias de jogadores de baseball em todas as paredes.
Mais um bar típico de interior português, mas com
fauna americana e mexicana. As traseiras eram uma varanda com barris
de cerveja onde o pessoal se sentava, no interior havia um bar
ao comprido, uma outra pista de dança e uma mesa de bilhar.
O tecto era bastante baixo. Ao contrário do primeiro bar,
neste a fauna era mais diversa e variada. Havia de tudo um pouco,
mas não se viam muitos cowboys. Bebi outra cerveja.
Onde se viam os verdadeiros cowboys foi no terceiro
bar a que fomos e que não sei vos dizer o nome. Era um verdadeiro
bar de western norte-americano. À entrada sobre uma área
vedada com uma cerca de madeira e coberta de uma superfície
em esponja, estava um touro mecânico. O Jesse e o Darren
queriam-me ver montar, mas eu ainda tinha o jantar bem presente
no estômago e no entretanto os donos do bar fecharam a brincadeira...
Agora, pensando nisso, acho que gostava de ter montado o touro.
Fica para a próxima.
Mas voltando ao bar: Era enorme. Ao fundo tocava
uma banda de Country. Um violino, guitarra, baixo e bateria e uma
voz de fundo de garrafa com sotaque texano, fazem a delícia
de qualquer cowboy da cidade. O balcão ficava mesmo no centro
bar e servia a toda a volta. O Darren foi buscar mais uma cerveja
e um elefante fêmea americana meteu-se com ele. Não
estou a exagerar, a tipa era verdadeiramente grande e o Jesse foi
afugentar a rapariga... O tipo é mesmo broeiro, chamou-lhe
gorda e ela voou como se tivesse visto um rato. No entretanto,
estava lá outra tipa que era um bocado maior ainda que esta.
Possa! Acho que ainda não tinha visto tanto peso junto no
mesmo bar... Porque também lá estavam uns tipos de
chapéu à cowboy que também andavam nos 130
quilos ou mais...
Senti-me como se estivesse no interior dos Estados
Unidos e estava apenas a 50 quilómetros de São Francisco
e a cerca de 20 quilómetros da costa. Mas a criação
de gado é a maior fonte de riqueza da região e as
pessoas são mesmo as típicas dos filmes de cowboys
modernos.
Voltámos ao Bottom Line e eles ainda beberam
um cocktail, mas eu contive-me porque ainda sentia o jantar, estava
cansado e preocupado com a história da polícia.
Claro que à saída do bar, nenhum dos
dois estava em condições de beber. O Jesse metia-se
com todas as miúdas na rua e o Darren já não
falava inglês, falava servo-croata. Eu estava-me a passar
um bocado. Vim eu fazer quase 50 quilómetros e apanho com
um par de bêbados que parecem umas criancinhas..
Obriguei-os a entrar no carro e ainda mandei um
safanão no Jesse quando tentou tocar à buzina do
carro. Só nessa altura é que se calaram...
Quando chegámos a casa do Jesse, deitei-me,
e enquanto o Jesse telefonava a não sei quem, o Derren resolveu
deitar fora o jantar... Eu resolvi dormir, porque já eram
quase três da manhã e esperavam-me muitos quilómetros
no dia seguinte.
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