QUINTA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2000 C93
Bay Bridge - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 27 de Maio de 2000

Deitar tarde e acordar cedo nunca deu saúde e nunca fez crescer. Mas teve de ser. Acordei bem cedo e tomei banho, mas o Jaime e a Mariana não tinham intenções de se mexer, se eu não os fosse incomodar. Às 8h30m, hora que o Jaime tinha combinado ir apanhar a Mónica e a Patrícia, estava eu a telefonar-lhes a dizer que íamos chegar um bocado atrasados.

Só chegámos 3/4 de hora atrasados. A Mónica já esfumava. E ainda bem que a Rita estava para o Texas, porque senão, acho que havia fogo.

Chegámos à Conferência da Portuguese American Post-Graduate Society (PAPS) na Haas School of Business da Universidade da Califórnia em Berkeley, quase uma hora depois do que pretendíamos. Mas não devemos ter perdido muito, pois a parte da manhã era mais orientada aos estudantes de doutoramento.

A conferência que dava pelo bonito nome de "Options After a Post-Graduate Degree" versava sobre isso mesmo. O que fazer quando se acaba uma pós-graduação? Como nós, estagiários, estamos num dilema parecido só nos fazia bem assistir às dúvidas dos outros, para podermos confrontar com as nossas.

Quando entrámos na sala, estavam para aí 40 pessoas a assistir. Na mesa, estava sentada do lado esquerdo a Maria Elisa e mais uma série de pessoas que não conhecia, mas que pouco depois já eram familiares, de tanto os ver falar. Cerca de 5 minutos depois de entrarmos estava na hora do café...

Comecei a olhar e vi algumas caras conhecidas e quando entrei para a sala de novo, procurei encontrar na lista de participantes alguns nomes conhecidos. Estava lá o Carlos Balsas e o Manuel Thomaz. O primeiro tinha sido o responsável pela compra da minha suspensão da minha antiga bicicleta, uma Rock Shox Judy XC, quando andava a tirar o mestrado aqui nos Estados Unidos. O segundo era o presidente da ANJE (Associação Nacional de Jovens Empresários) e irmão do Pedro Thomaz que foi meu colega de curso na Universidade de Aveiro e companheiro de copos e noitadas.

Mas não encontrava o nome de um tipo que conhecia, mas não sabia de onde. Nada como perguntar. E à hora do almoço descobri, depois de uma conversa, que o conhecia do tempo em que trabalhava na ETC no Porto. Ele e outro tipo que lá estava eram colegas do Bolhões, que nessa altura trabalhava para a Caleida, da qual a ETC tinha parte da sociedade. Um estava no Centro para a Investigação em Computação Gráfica e ficámos a falar um bocado sobre o meu trabalho na EAI.

A dada altura a meio do almoço e enquanto falava com um madeirense e a Ana Magalhães me contava as aventuras dela no Carls Jr., em que meteu polícia e uma empregada presa, por tentar roubar-lhe a carteira, passou um colega meu de física do tempo da Faculdade de Ciências. Possa! Já era a quinta pessoa que revia naquele bocado de tempo... Já tinha valido a pena lá ir só para ver de novo certas pessoas.

Estive a recordar com o Domingos, é assim que ele se chama, os tempos da FCUP. A rever o que era feito da maioria dos nossos, então colegas de curso... E no entretanto eram horas de voltar a assistir às discussões sobre o futuro de um pós-graduado.

A parte da tarde foi muito mais interessante que as discussões, da parte da manhã, sobre o voltar ou não voltar a Portugal, depois da pós-graduação. A discussão da tarde era sobre a decisão de seguir a vida académica ou a vida empresarial.

Há certas intervenções a que se assiste na vida e que podem alterar consideravelmente a maneira como encaramos o futuro e as nossas próprias capacidades. E se a intervenção do Prof. Luís Cabral da Univ. de Berkeley foi boa, a do Manuel Thomaz foi verdadeiramente eficaz. O primeiro defendia a vida académica e o segundo a vida empresarial. O segundo quase convenceu a assistência que o país já não é o mesmo quando voltarmos, mas que precisa de todos para que seja melhor. Vamos a ver até que ponto ele tem razão...

No entretanto, houve umas sessões de perguntas e respostas e houve uma intervenção de um tipo que tinha uma empresa que tinha sido recentemente adquirida pela Yahoo! Uma empresa que tinha como objectivo desenvolver hardware barato que permitisse chegar a Internet aos países menos desenvolvidos ou com mais dificuldades económicas. Passou-se a chamar Yahoo! Everywhere e ele encheu-se de dinheiro... Vocês deviam de ver o carro do tipo. Ele não devia de ter mais de um metro e sessenta, era indiano e conduzia um carro vermelho com pneus maiores que ele.

Quando saímos, ao fim da tarde, o Jaime teve que pagar mais do que pensava pelo parque, porque, dizia ele, a máquina de pagamento não estava lá de manhã, quando chegámos. Assim, levou uma multa para casa... Que terá que ser dividida pelas diferentes partes.

Fomos para casa da Mariana e jantámos. Eu tinha combinado com o Jesse ir ter com ele a Petaluma, para irmos no dia seguinte acampar algures para o Norte da Califórnia. Saí logo a seguir ao jantar e ainda passei em casa para ir buscar roupa, a caminho de Petaluma.

Quando cheguei a Petaluma, saí da 101 e segui as indicações que o Jesse me tinha dado. Primeira à esquerda, segunda à direita e... Quase que caia de carro ao rio. As indicações estavam maradas. Há que telefonar ao Jesse. Na primeira bomba que vi telefonei-lhe... Pois estavam erradas. Só estava na outra ponta da cidade. Meia volta e em direcção ao centro de Petaluma.

Já estava completamente confundido. Parei nuns semáforos e quando a luz mudou é que vi um placar que indicava que o sítio para onde eu queria ir era para a esquerda. Virei à esquerda... Quando olhei pelo espelho vi que tinha um carro com luzes no tejadilho, mesmo atrás de mim. Era a polícia. Só esperei que não olhassem para a matricula e vissem que o selo tinha caducado há dois meses. De repente as luzes do tejadilho acedem-se e um farol fortíssimo é apontado aos espelhos do meu carro... Já percebi! Encostei...

Não sabia bem o que fazer. Em Portugal o normal é sair do carro, mas aqui acho que o obrigatório era ficar no carro. No entretanto, eu já tinha tirado o cinto e um dos polícias dirigia-se ao meu carro. Tentei mostrar que tinha o cinto posto, mas ele só me respondeu que já era tarde para o pôr, mas acho que depois percebeu que eu o trazia.

Pediu-me a carta de condução e entreguei-lhe a Carta de Condução Portuguesa. Perguntou-me se tinha bebido e o que andava ali a fazer, e eu expliquei-lhe que andava perdido. Mostrou-me que estava numa faixa em que só era permitido ir em frente e que virei à esquerda, ao que lhe voltei a explicar que estava mesmo perdido. Disse-me se eu sabia que no estado da Califórnia tinha que ter a carta californiana e que podia me prender e apreender o carro naquele momento... Até fiquei verde!!!!

Nessa altura olhei para a lapela e vejo em letras brancas bordadas sobre o preto do uniforme, o nome "John Silva"... Percebi tudo! O tipo estava-me a dar um raspanete, mas não ia fazer nada. Era de origem português...

Deu-me as indicações para ir para o centro da cidade, perguntou-me mais uma vez se tinha bebido e mandou-me não voltar a conduzir enquanto não tivesse a carta local. Ok! Sr. Agente, o senhor é que manda. Silva!

Quando cheguei ao centro de Petaluma, depois de já ter feito mais uma barbaridade nuns semáforos, estava lá o Jesse e o Darren a guardar um lugar para o bólide. Já estavam bem bebidos.

O Darren é um tipo contratado pela EAI para ir fazendo uns trabalhinhos lá para a empresa. Neste momento está a fazer a versão para Linux do World Up... Aquele programa que ando a testar.

Entrámos no bar que era mesmo ali ao lado do lugar onde estacionei o bólide. À porta estava um tipo com cerca de dois metros de altura, vestido de calças de cabedal e t-shirt caveada, de braços cruzados, completamente careca e com uma pêra que lhe dava pela cintura. Era o porteiro e a única coisa que o ouvi dizer foi "No Hats inside", isto porque o Jesse estava de chapéu... Com aquele cabedal, acho que até tirava as cuecas, com medo...

O bar por dentro fez-me lembrar o café do Jó em Foz Côa. Não pela disposição do bar em si, mas pelo ambiente... Mas transposto para os Estados Unidos. Estava povoado de verdadeiros seres que eu pensava que só existiam no interior deste país. Havia verdadeiros cowboys à moderna por ali e isso explicava a proibição dos chapéus... Queriam ser um bar mais in.

Um balcão corrido do lado esquerdo de quem entra, uma pista de dança ao fundo e uma zona com mesas à direita, faziam o bar que se chamava Bottom Line. Na pista só se viam mulheres a dançar umas com as outras... E à volta estavam os homens a apreciar. Digam lá que não é igual a Portugal? Bebi uma cervejita.

Fomos a outro bar. Este agora chamava-se Hideway e tinha fotografias de jogadores de baseball em todas as paredes. Mais um bar típico de interior português, mas com fauna americana e mexicana. As traseiras eram uma varanda com barris de cerveja onde o pessoal se sentava, no interior havia um bar ao comprido, uma outra pista de dança e uma mesa de bilhar. O tecto era bastante baixo. Ao contrário do primeiro bar, neste a fauna era mais diversa e variada. Havia de tudo um pouco, mas não se viam muitos cowboys. Bebi outra cerveja.

Onde se viam os verdadeiros cowboys foi no terceiro bar a que fomos e que não sei vos dizer o nome. Era um verdadeiro bar de western norte-americano. À entrada sobre uma área vedada com uma cerca de madeira e coberta de uma superfície em esponja, estava um touro mecânico. O Jesse e o Darren queriam-me ver montar, mas eu ainda tinha o jantar bem presente no estômago e no entretanto os donos do bar fecharam a brincadeira... Agora, pensando nisso, acho que gostava de ter montado o touro. Fica para a próxima.

Mas voltando ao bar: Era enorme. Ao fundo tocava uma banda de Country. Um violino, guitarra, baixo e bateria e uma voz de fundo de garrafa com sotaque texano, fazem a delícia de qualquer cowboy da cidade. O balcão ficava mesmo no centro bar e servia a toda a volta. O Darren foi buscar mais uma cerveja e um elefante fêmea americana meteu-se com ele. Não estou a exagerar, a tipa era verdadeiramente grande e o Jesse foi afugentar a rapariga... O tipo é mesmo broeiro, chamou-lhe gorda e ela voou como se tivesse visto um rato. No entretanto, estava lá outra tipa que era um bocado maior ainda que esta. Possa! Acho que ainda não tinha visto tanto peso junto no mesmo bar... Porque também lá estavam uns tipos de chapéu à cowboy que também andavam nos 130 quilos ou mais...

Senti-me como se estivesse no interior dos Estados Unidos e estava apenas a 50 quilómetros de São Francisco e a cerca de 20 quilómetros da costa. Mas a criação de gado é a maior fonte de riqueza da região e as pessoas são mesmo as típicas dos filmes de cowboys modernos.

Voltámos ao Bottom Line e eles ainda beberam um cocktail, mas eu contive-me porque ainda sentia o jantar, estava cansado e preocupado com a história da polícia.

Claro que à saída do bar, nenhum dos dois estava em condições de beber. O Jesse metia-se com todas as miúdas na rua e o Darren já não falava inglês, falava servo-croata. Eu estava-me a passar um bocado. Vim eu fazer quase 50 quilómetros e apanho com um par de bêbados que parecem umas criancinhas..

Obriguei-os a entrar no carro e ainda mandei um safanão no Jesse quando tentou tocar à buzina do carro. Só nessa altura é que se calaram...

Quando chegámos a casa do Jesse, deitei-me, e enquanto o Jesse telefonava a não sei quem, o Derren resolveu deitar fora o jantar... Eu resolvi dormir, porque já eram quase três da manhã e esperavam-me muitos quilómetros no dia seguinte.



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