TERÇA-FEIRA, 30 DE MAIO DE 2000 C91
Vaynessa - Fotografia de Rui Gonçalves

Quarta-feira, 24 de Maio de 2000

Apesar de o despertador apontar para cerca de duas horas depois do normal, para despertar, o meu normal despertador interno anunciou bem cedo a alvorada.

Levantei-me com uma paulada como se não tivesse dormido... E se calhar não o tinha feito, pelo menos tanto quanto gostava. Tomei banho e não tive coragem de pegar na Vaynessa para ir para o trabalho. Coitada da bicha... Foi passada pelo bólide quase toda a semana.

Cheguei ao escritório e quando me sentei em frente ao computador a tomar o pequeno-almoço, começou a tocar o despertador. O meu relógio de pulso é o meu despertador... Ou seja, já estava a trabalhar quando era suposto estar a acordar.

Recebi um mail da Rita a dizer que a Patrícia estava bem e que não era nada de grave, mas que só conseguiram sair do Hospital cerca das 4h30m da manhã. Imaginei a cara da Rita com a telha a escrever-me e a deitar fumo pelas orelhas.

Ao almoço fui a casa almoçar o resto das moelas que tinham sobrado de segunda e que se estragavam se eu não as comesse ao almoço, porque ia dormir a São Francisco nessa noite e se calhar quinta era já tarde demais para elas.

Quando cheguei do almoço combinei com o Jesse irmos à loja de bicicletas de Sausalito, para trocar umas coisas que comprámos erradas e outras que simplesmente me tinha esquecido de comprar para ter a bicicleta dele pronta. Mas como ia sair mais cedo e não ia mexer na bicicleta dele nesse dias, resolvemos deixar isso para o dia seguinte.

Por volta das 16h50m sai, depois de ter jogado uma partida de matrecos, porque ia apanhar a camioneta para São Francisco a Corte Madera, para estar na Amoeba em Haight St. às 18h para ver os Supergrass ao vivo, num concerto grátis. Era um concerto de promoção do último álbum deles que apenas agora foi editado nos Estados Unidos, cerca de um ano depois de ter sido editado na Europa.

Claro que com o trânsito que estava cheguei atrasado a Corte Madera e perdi a camioneta, pelo que tive que esperar meia hora pela seguinte. Eu prefiro deixar o bólide em casa, por muitas e diversas razões, apesar de ser sensivelmente a mesma coisa em termos monetários ir de camioneta, mas não tenho que me preocupar com estacionamentos e com a polícia... Uma vez que o carro ainda tem alguns problemas de legalização pendentes.

Quando cheguei à Amoeba eram 18h05m. Tinha combinado encontrar-me lá com o Nuno, mas ele enviou-me um mail antes de eu sair a dizer que se calhar ia chegar atrasado e eu como já sei destas coisas fui entrando. A sala estava bem mais cheia que o costume. Havia gente do lado esquerdo da área de compras quase entre todos os expositores de CDs. Davam-se as últimas afinações no som e eu procurava ver se o Nuno estava entre as pessoas que entravam na loja e que engrossavam a assistência, mas era difícil ver alguma coisa. Eu por aqui ainda sou mais pequeno que em Portugal... Relativamente!

A dada altura comecei a prestar atenção aos seres que me rodeavam. Ao fundo do expositor à minha direita estava um grupo de japoneses com o cabelo esticado e pintado e vestidos como só os japoneses se vestem. Cerca de 95% dos japoneses nos Estados Unidos pintam o cabelo e vestem-se de uma maneira irreverente. É típico! Um deles perguntou-me, mal entrei e fiquei perto dele, se podia tirar fotografias. Como se eu soubesse. Mas, disse-lhe que em princípio sim, porque via tanta gente de máquina em punho. Ficou entusiasmadíssimo e quase atirou ao ar os CD-Singles dos Supergrass que trazia na mão para serem autografados.

Perto de mim estava um dos últimos fãs dos Smiths e Morrissey, que ainda não perdeu a vontade de se vestir como só eles se sabem vestir. Já nem o Morrissey se veste assim... Mas está quase tão gordo como ele. Os óculos da segurança social britânica e o corte de cabelo a simular a palinha, as calças arregaçadas e um cinto grosso... Estava quase perfeito, não fosse a barriga não deixar ver a fivela.

No entretanto chegaram duas tipas que à primeira vista pareciam interessantes. Estavam com um tipo magricela e careca, com quase dois metros de altura e que ainda achava que a dark age eram os nossos dias. Elas pareciam tiradas de um disco dos Cramps e uma delas ostentava na zona do decote, acima do peito, uma tatuagem a toda a largura do mesmo, em forma de umas asas semi azuis e com uns desenhos algo góticos. Era impossível não reparar no decote dela e não lhe olhar para o peito, mas assim que se levantava a cabeça e se olhava para a cara dela... Aí! Sim, perdia-se a vontade de apreciar o conteúdo. Não que fosse muito má, mas tinha um ar nojento... Mas de qualquer maneira, era lésbica e não disfarçava nada. Mas aqui também ninguém disfarça nada.

Depois haviam dois ou três tipos vestidos de negro e com um despenteado tipicamente britânico e algumas tipas também virtualmente despenteadas, mas que deviam ter deixado uma nota preta no cabeleireiro para as despentearem tão bem.

No entretanto acordei da minha introspecção com um respirar nas minhas costas. O Nuno tinha chegado no entretanto e estava a querer armar uma brincadeira. Eram já quase 6h20m.

No entretanto, entraram os Supergrass. Ou parte deles, porque apenas entraram o guitarrista/vocalista e o baixista, sem baterista. O pessoal começou aos berros, como é costume nos concertos por aqui: A normal histeria americana!

E começaram a tocar em formato acústico. Fantástico! Não só estava a ver realmente os Supergrass ao vivo e de borla, como os estava a ver num formato que não é nada normal, uma vez que são uma banda bastante eléctrica. Eu não conheço muito bem os Supergrass, pelo que não sei bem os temas que tocaram, mas as coisas animaram um bocado e na segunda música já se via pessoal a mexer-se e a bater o pé, o que é fantástico numa actuação sem bateria nem baixo (o baixista também estava a tocar viola).

Ao fim da terceira música, os músicos levantaram-se e agradeceram os aplausos, anunciaram que haveria uma sessão de autógrafo e foram-se embora. Ou seja, estive 15 minutos à espera de que afinassem o som e mais 15 minutos a ver um concerto acústico dos Supergrass... Que mais se pode exigir pelo preço do bilhete? Nada!!

Eu e o Nuno decidimos dar uma volta pelos CDs. Eu fui para a parte de música nova e ele foi ver os usados. Saiu um novo disco dos Sonic Youth. Nem sabia, mas também saem quase todos os dias discos novos, deles. Saiu também um disco do Amin Tobin e tenho que dizer ao Ben. Encontrei o novo dos Tosca usado e trouxe-o.

No entretanto o Nuno tinha desaparecido. Dei duas voltas à loja, mas nada de sinais dele. Julguei que estivesse lá fora, porque me disse que era perigoso estar lá dentro e ainda podia gastar dinheiro. Além disso, podia ter alguns problemas com o saco que deixou no bengaleiro e não queria.

Paguei o CD e fui lá fora. Mas do Nuno nem fumo. Voltei a entrar e pedi ao Punk que estava no bengaleiro para me guardar novamente o saco. Não estão a imaginar as trombas que o menino da crista verde fez quando me viu entrar outra vez... Lindo! Trabalha mas é e faz o teu trabalhinho...

Dei mais uma volta à loja e do Nuno nem o cheiro... Agarrei a mochila que o Galo verde me deu no bengaleiro com um sorriso simpático e fui-me embora. O Nuno também ia dormir a casa da RM&P e portanto encontrávamo-nos por lá.

Quando cheguei a casa da RM&P, estava a Patrícia fresquinha que nem uma alface no sofá, pelos vistos bem melhor que na noite anterior, a ver televisão. Tinha tido dispensa do trabalho e tinha acordado tarde. Coisa que não aconteceu à Rita que se levantou pouco depois de uma pequena sorna de fim de tarde e à Mónica que chegou a casa com cara de quem andou a dormir em frente ao computador, no emprego.

O Nuno também chegou no entretanto e o Diogo e o João apareceram para ir ao ginásio e à sauna. Eles os dois e a Patrícia estavam a combinar ir ao cinema, ver a Missão Impossível 2, mas era noite de estreia e não haviam bilhetes. Portanto, foram ficando por ali.

Eu e o Nuno fomos comprar uns burritos e quando nos apercebemos eram quase horas de ir dormir... Para quem estava estoirado e não tinha dormido quase nada, como eu. Mas ainda houve tempo para uma conversa sobre a vida e sobre os acontecimentos da noite anterior e do fim-de-semana passado, com a Rita e a Mónica.

Quinta-feira, 25 de Maio de 2000

Acordei cedo, como já é normal. Não me estou a queixar, mas às vezes gostava de ser capaz de dormir mais um bocado e ser capaz de dormir até tarde, como fazia quando era miúdo. Acho que ando demasiado acelerado para dormir e perder tempo na cama. Tenho sempre algo para fazer... Mesmo quando não tenho, penso que tenho!

Apanhei a camioneta e cheguei bastante cedo ao escritório. Resolvi fazer a mudança de camioneta em Marin City em vez de o fazer na praça de portagem da Golden Gate, como costumo fazer, e não me arrependi.

Depois de almoço, fui com o Jesse à loja de bicicletas trocar os calços de travão que nos tinham vendido e comprar uns espaçadores para a direcção. Fomos a pé e na conversa. O Jesse é um tipo porreiro e bastante conversador. Falámos do facto de ele ter achado a Missão Impossível 2, o filme mais ridículo dos últimos tempos e de que época da nossa história eu ou ele gostaríamos ter vivido, se não tivéssemos nascido nesta era. Ele dizia que gostava de ter vivido nos loucos anos vinte, mas quando lhe perguntei se isso não implicaria viver a recessão dos anos 30 e a guerra mundial, ele ficou com dúvidas se a opção era a melhor. E eu não sei, mas estou feliz por viver na época em que vivemos, pelo menos não sei o que virá depois e pode ser melhor...

Como tinha vindo de São Francisco de camioneta e não tinha como ir para casa, tive que aceitar a boleia do Jesse e às 5h15m da tarde já estava em casa. Resolvi despachar a bicicleta do Jesse e arranjar o máximo possível para ver se a coisa acabava de vez e o rapaz podia passear na sua nova Raleigh USA.

Estava eu muito entretido a meter a suspensão direita na caixa e no avanço, quando os tinhosos dos meus vizinhos descem as escadas e cada um dirige-se para o seu carro. Ela ficou a olhar atentamente para a minha bicicleta. A tirar a fotografia à Vaynessa... E chamou o marido. Disseram algo entre eles e ele foi-se embora, também atento à Vaynessa... Mas que brincadeira era aquela?

Descobri logo que ela chegou... Pelos vistos alguém lhe roubou a bicicleta e ela achava que eu era o autor de tal acção e que a Vaynessa era a bicicleta dela alterada. Eu ri-me e expliquei-lhe que a Vaynessa veio de Portugal comigo, mas ela não achou que isso fosse possível e lá lhe mostrei a Vaynessa ao pormenor. Como se eu fosse roubar uma Univega de $300 (60 contos) e depois montar-lhe um XTR completo com travões Magura e tudo... Sim! Eu gastava quase 300 contos em material para um quadro da treta. E ainda lhe arranjava uns lindos autocolantes a dizer SUNN e uma pequena suspensão atrás... Só na cabecinha daquela tinhosa. No fim lá caiu na realidade e falámos sobre algumas coisas que se passam ali... Mas para problemas de condomínio já me chegam os que tenho em Portugal e fui às compras.

Jantei um magnífico Caril de Galinha, feito com um pó de Caril dado pela RM&P.



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