Quarta-feira, 24 de Maio de 2000
Apesar de o despertador apontar para cerca de duas
horas depois do normal, para despertar, o meu normal despertador
interno anunciou bem cedo a alvorada.
Levantei-me com uma paulada como se não tivesse
dormido... E se calhar não o tinha feito, pelo menos tanto
quanto gostava. Tomei banho e não tive coragem de pegar
na Vaynessa para ir para o trabalho. Coitada da bicha... Foi passada
pelo bólide quase toda a semana.
Cheguei ao escritório e quando me sentei
em frente ao computador a tomar o pequeno-almoço, começou
a tocar o despertador. O meu relógio de pulso é o
meu despertador... Ou seja, já estava a trabalhar quando
era suposto estar a acordar.
Recebi um mail da Rita a dizer que a Patrícia
estava bem e que não era nada de grave, mas que só conseguiram
sair do Hospital cerca das 4h30m da manhã. Imaginei a cara
da Rita com a telha a escrever-me e a deitar fumo pelas orelhas.
Ao almoço fui a casa almoçar o resto
das moelas que tinham sobrado de segunda e que se estragavam se
eu não as comesse ao almoço, porque ia dormir a São
Francisco nessa noite e se calhar quinta era já tarde demais
para elas.
Quando cheguei do almoço combinei com o Jesse
irmos à loja de bicicletas de Sausalito, para trocar umas
coisas que comprámos erradas e outras que simplesmente me
tinha esquecido de comprar para ter a bicicleta dele pronta. Mas
como ia sair mais cedo e não ia mexer na bicicleta dele
nesse dias, resolvemos deixar isso para o dia seguinte.
Por volta das 16h50m sai, depois de ter jogado uma
partida de matrecos, porque ia apanhar a camioneta para São
Francisco a Corte Madera, para estar na Amoeba em Haight St. às
18h para ver os Supergrass ao vivo, num concerto grátis.
Era um concerto de promoção do último álbum
deles que apenas agora foi editado nos Estados Unidos, cerca de
um ano depois de ter sido editado na Europa.
Claro que com o trânsito que estava cheguei
atrasado a Corte Madera e perdi a camioneta, pelo que tive que
esperar meia hora pela seguinte. Eu prefiro deixar o bólide
em casa, por muitas e diversas razões, apesar de ser sensivelmente
a mesma coisa em termos monetários ir de camioneta, mas
não tenho que me preocupar com estacionamentos e com a polícia...
Uma vez que o carro ainda tem alguns problemas de legalização
pendentes.
Quando cheguei à Amoeba eram 18h05m. Tinha
combinado encontrar-me lá com o Nuno, mas ele enviou-me
um mail antes de eu sair a dizer que se calhar ia chegar atrasado
e eu como já sei destas coisas fui entrando. A sala estava
bem mais cheia que o costume. Havia gente do lado esquerdo da área
de compras quase entre todos os expositores de CDs. Davam-se as últimas
afinações no som e eu procurava ver se o Nuno estava
entre as pessoas que entravam na loja e que engrossavam a assistência,
mas era difícil ver alguma coisa. Eu por aqui ainda sou
mais pequeno que em Portugal... Relativamente!
A dada altura comecei a prestar atenção
aos seres que me rodeavam. Ao fundo do expositor à minha
direita estava um grupo de japoneses com o cabelo esticado e pintado
e vestidos como só os japoneses se vestem. Cerca de 95%
dos japoneses nos Estados Unidos pintam o cabelo e vestem-se de
uma maneira irreverente. É típico! Um deles perguntou-me,
mal entrei e fiquei perto dele, se podia tirar fotografias. Como
se eu soubesse. Mas, disse-lhe que em princípio sim, porque
via tanta gente de máquina em punho. Ficou entusiasmadíssimo
e quase atirou ao ar os CD-Singles dos Supergrass que trazia na
mão para serem autografados.
Perto de mim estava um dos últimos fãs
dos Smiths e Morrissey, que ainda não perdeu a vontade de
se vestir como só eles se sabem vestir. Já nem o
Morrissey se veste assim... Mas está quase tão gordo
como ele. Os óculos da segurança social britânica
e o corte de cabelo a simular a palinha, as calças arregaçadas
e um cinto grosso... Estava quase perfeito, não fosse a
barriga não deixar ver a fivela.
No entretanto chegaram duas tipas que à primeira
vista pareciam interessantes. Estavam com um tipo magricela e careca,
com quase dois metros de altura e que ainda achava que a dark age
eram os nossos dias. Elas pareciam tiradas de um disco dos Cramps
e uma delas ostentava na zona do decote, acima do peito, uma tatuagem
a toda a largura do mesmo, em forma de umas asas semi azuis e com
uns desenhos algo góticos. Era impossível não
reparar no decote dela e não lhe olhar para o peito, mas
assim que se levantava a cabeça e se olhava para a cara
dela... Aí! Sim, perdia-se a vontade de apreciar o conteúdo.
Não que fosse muito má, mas tinha um ar nojento...
Mas de qualquer maneira, era lésbica e não disfarçava
nada. Mas aqui também ninguém disfarça nada.
Depois haviam dois ou três tipos vestidos
de negro e com um despenteado tipicamente britânico e algumas
tipas também virtualmente despenteadas, mas que deviam ter
deixado uma nota preta no cabeleireiro para as despentearem tão
bem.
No entretanto acordei da minha introspecção
com um respirar nas minhas costas. O Nuno tinha chegado no entretanto
e estava a querer armar uma brincadeira. Eram já quase 6h20m.
No entretanto, entraram os Supergrass. Ou parte
deles, porque apenas entraram o guitarrista/vocalista e o baixista,
sem baterista. O pessoal começou aos berros, como é costume
nos concertos por aqui: A normal histeria americana!
E começaram a tocar em formato acústico.
Fantástico! Não só estava a ver realmente
os Supergrass ao vivo e de borla, como os estava a ver num formato
que não é nada normal, uma vez que são uma
banda bastante eléctrica. Eu não conheço muito
bem os Supergrass, pelo que não sei bem os temas que tocaram,
mas as coisas animaram um bocado e na segunda música já se
via pessoal a mexer-se e a bater o pé, o que é fantástico
numa actuação sem bateria nem baixo (o baixista também
estava a tocar viola).
Ao fim da terceira música, os músicos
levantaram-se e agradeceram os aplausos, anunciaram que haveria
uma sessão de autógrafo e foram-se embora. Ou seja,
estive 15 minutos à espera de que afinassem o som e mais
15 minutos a ver um concerto acústico dos Supergrass...
Que mais se pode exigir pelo preço do bilhete? Nada!!
Eu e o Nuno decidimos dar uma volta pelos CDs. Eu
fui para a parte de música nova e ele foi ver os usados.
Saiu um novo disco dos Sonic Youth. Nem sabia, mas também
saem quase todos os dias discos novos, deles. Saiu também
um disco do Amin Tobin e tenho que dizer ao Ben. Encontrei o novo
dos Tosca usado e trouxe-o.
No entretanto o Nuno tinha desaparecido. Dei duas
voltas à loja, mas nada de sinais dele. Julguei que estivesse
lá fora, porque me disse que era perigoso estar lá dentro
e ainda podia gastar dinheiro. Além disso, podia ter alguns
problemas com o saco que deixou no bengaleiro e não queria.
Paguei o CD e fui lá fora. Mas do Nuno nem
fumo. Voltei a entrar e pedi ao Punk que estava no bengaleiro para
me guardar novamente o saco. Não estão a imaginar
as trombas que o menino da crista verde fez quando me viu entrar
outra vez... Lindo! Trabalha mas é e faz o teu trabalhinho...
Dei mais uma volta à loja e do Nuno nem o
cheiro... Agarrei a mochila que o Galo verde me deu no bengaleiro
com um sorriso simpático e fui-me embora. O Nuno também
ia dormir a casa da RM&P e portanto encontrávamo-nos
por lá.
Quando cheguei a casa da RM&P, estava a Patrícia
fresquinha que nem uma alface no sofá, pelos vistos bem
melhor que na noite anterior, a ver televisão. Tinha tido
dispensa do trabalho e tinha acordado tarde. Coisa que não
aconteceu à Rita que se levantou pouco depois de uma pequena
sorna de fim de tarde e à Mónica que chegou a casa
com cara de quem andou a dormir em frente ao computador, no emprego.
O Nuno também chegou no entretanto e o Diogo
e o João apareceram para ir ao ginásio e à sauna.
Eles os dois e a Patrícia estavam a combinar ir ao cinema,
ver a Missão Impossível 2, mas era noite de estreia
e não haviam bilhetes. Portanto, foram ficando por ali.
Eu e o Nuno fomos comprar uns burritos e quando
nos apercebemos eram quase horas de ir dormir... Para quem estava
estoirado e não tinha dormido quase nada, como eu. Mas ainda
houve tempo para uma conversa sobre a vida e sobre os acontecimentos
da noite anterior e do fim-de-semana passado, com a Rita e a Mónica.
Quinta-feira, 25 de Maio de 2000
Acordei cedo, como já é normal. Não
me estou a queixar, mas às vezes gostava de ser capaz de
dormir mais um bocado e ser capaz de dormir até tarde, como
fazia quando era miúdo. Acho que ando demasiado acelerado
para dormir e perder tempo na cama. Tenho sempre algo para fazer...
Mesmo quando não tenho, penso que tenho!
Apanhei a camioneta e cheguei bastante cedo ao escritório.
Resolvi fazer a mudança de camioneta em Marin City em vez
de o fazer na praça de portagem da Golden Gate, como costumo
fazer, e não me arrependi.
Depois de almoço, fui com o Jesse à loja
de bicicletas trocar os calços de travão que nos
tinham vendido e comprar uns espaçadores para a direcção.
Fomos a pé e na conversa. O Jesse é um tipo porreiro
e bastante conversador. Falámos do facto de ele ter achado
a Missão Impossível 2, o filme mais ridículo
dos últimos tempos e de que época da nossa história
eu ou ele gostaríamos ter vivido, se não tivéssemos
nascido nesta era. Ele dizia que gostava de ter vivido nos loucos
anos vinte, mas quando lhe perguntei se isso não implicaria
viver a recessão dos anos 30 e a guerra mundial, ele ficou
com dúvidas se a opção era a melhor. E eu
não sei, mas estou feliz por viver na época em que
vivemos, pelo menos não sei o que virá depois e pode
ser melhor...
Como tinha vindo de São Francisco de camioneta
e não tinha como ir para casa, tive que aceitar a boleia
do Jesse e às 5h15m da tarde já estava em casa. Resolvi
despachar a bicicleta do Jesse e arranjar o máximo possível
para ver se a coisa acabava de vez e o rapaz podia passear na sua
nova Raleigh USA.
Estava eu muito entretido a meter a suspensão
direita na caixa e no avanço, quando os tinhosos dos meus
vizinhos descem as escadas e cada um dirige-se para o seu carro.
Ela ficou a olhar atentamente para a minha bicicleta. A tirar a
fotografia à Vaynessa... E chamou o marido. Disseram algo
entre eles e ele foi-se embora, também atento à Vaynessa...
Mas que brincadeira era aquela?
Descobri logo que ela chegou... Pelos vistos alguém
lhe roubou a bicicleta e ela achava que eu era o autor de tal acção
e que a Vaynessa era a bicicleta dela alterada. Eu ri-me e expliquei-lhe
que a Vaynessa veio de Portugal comigo, mas ela não achou
que isso fosse possível e lá lhe mostrei a Vaynessa
ao pormenor. Como se eu fosse roubar uma Univega de $300 (60 contos)
e depois montar-lhe um XTR completo com travões Magura e
tudo... Sim! Eu gastava quase 300 contos em material para um quadro
da treta. E ainda lhe arranjava uns lindos autocolantes a dizer
SUNN e uma pequena suspensão atrás... Só na
cabecinha daquela tinhosa. No fim lá caiu na realidade e
falámos sobre algumas coisas que se passam ali... Mas para
problemas de condomínio já me chegam os que tenho
em Portugal e fui às compras.
Jantei um magnífico Caril de Galinha, feito
com um pó de Caril dado pela RM&P.
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