Sábado, 19 de Maio de 2000
Porque é que os americanos acordam tão
cedo? Uma pessoa a querer dormir e tem que aturar os putos dos
vizinhos aos berros desde as 6h30m da manhã. E o sol...
A tenda supostamente foi montada de modo a não apanhar com
o sol da manhã, seguindo as indicações da
Rachel. Mas, na certa uma pessoa depois de beber uns copos não
acerta o caminho de casa, porque ela disse-me que o Norte era,
afinal, o Sul.
Mas pronto, no campismo nunca se espera dormir muito.
Pior estava o Tom, o namorado da Karen, outra colega da Rita, que
comprou uma tenda onde só se conseguia esticar na diagonal.
Tomámos o pequeno-almoço e rumámos
os 10 para o parque de Pinnacles, para uma caminhada de cerca de
10 milhas (16 Km). Eram quase 10h da manhã e o calor já apertava,
ainda mais do lado Este das montanhas, onde estávamos acampados.
O trilho desde o parque de campismo até ao
Centro de Recepção do Parque de Pinnacles é um
trilho que segue primeiro por um vale com o sentido Norte-Sul e
entre montanhas com cerca de 200 metros acima do vale, suponho
que por isso tenha o nome de Bench, assento. Portanto o vento no
vale é pouco, mesmo muito pouco e o calor aumentava, no
trilho Bench. Depois no trilho Bear Gulch, e que para quem não
sabe Gulch é ravina, começou a subida para o centro
de recepção e as primeiras batidas fortes de coração
e as primeiras faltas de ar do pessoal. Quase 1,9 milhas (3 km)
depois de termos deixado o parque de campismo estávamos
no Centro de Recepção, onde era possível ter
chegado de carro, mas assim era mais interessante.
O primeiro trilho, que passava pelo vale, era um
trilho pé posto que serpenteava por entre o pouco arvoredo
e pelas flores que nesta altura ainda teimam em sobreviver naquele
ambiente hostil. O segundo, subia o trajecto de um ribeiro, que
aqui e ali tinha água, mas com ar de quem não ia
durar muito mais tempo e serpenteava pelo monte abaixo... Claro
que nós estávamos a andar ao contrário da
corrente. O trilho passava várias vezes o curso de água,
tinha bastante arvoredo e perto ouviam-se os carros a passarem
na estrada que acabava no Centro de Recepção.
A saída do parque de campismo coincide com
a entrada do parque natural e no trilho existe uma caixa e os já normais
envelopes para se depositar o dinheiro de entrada do grupo. Impressionante
como se confia nestas coisas...
Chegados ao Centro de Recepção, enchemos
de novo a garrafa de água e enquanto uns iam à casa
de banho, outros apreciavam a sombra fresca e os esquilos que se
passeavam por entre as pessoas à espera que alguém
lhe desse algo para se alimentar. Numa esquina uns miúdos
encontraram uma cobra que com o calor tinha saído de entre
as pedras do muro e que se mostrava algo ameaçadora.
Seguimos o nosso caminho. Seguimos o trilho Condor
Gulch. Lembram-se do que queria dizer Gulch? Pois continuámos
a subir, num trilho que serpenteia a encosta do monte. De repente
o arvoredo abre-se à nossa frente e mostra um monte feito
de formas de pedra, como jamais tinha visto. No cimo do monte duas
ou três aves de rapina, passeiam-se à espera que alguém
acuse falta de vontade em continuar a viagem até lá.
Eram abutres de cabeça vermelha... Quem parasse mais que
uns minutos tinha logo a companhia e a sombra de uma abutre sobre
a sua cabeça. Debaixo daquele calor não era um pensamento
muito agradável, mas as vistas eram algo deslumbrantes.
O parque de Pinnacles são os restos de um
vulcão, que o tempo, o vento, o calor e a chuva foi moldando
dando origem a formas rochosas de uma beleza estranha e ao mesmo
tempo ameaçadora. Toda a montanha é formada por rocha
de origem vulcânica que com o tempo foi tomando formas o
mais bizarras possível. Assim, as normais rochas com formas
fálicas e em forma de menirs, com tamanhos descomunais,
são visíveis por quase todo lado. Existem várias
grutas com morcegos no parque e passagens entre rochas que dão
uma cor diferente ao caminho, mas para isso é preciso sobreviver à caminhada
de aproximação à montanha. Existem várias
paredes de escalada dentro do parque e em algumas encostas vê-se
a rocha com a forma de ter solidificado quando por ali descia em
direcção ao vale... Parecia gelo a escorrer, mas
vermelho.
No miradouro estivemos a falar com uma Ranger do
Parque que nos esteve a indicar o melhor trilho para vermos as
belezas escondidas da montanha. Também nos disse que a cúpula
do vulcão teria cerca de 30 km de diâmetro e que estava
extinto há cerca de 2000 anos. Nada a temer então,
apesar de estarmos junto à zona da falha de S. André.
Continuámos a subir até virarmos para
o trilho High Peaks, que como o nome diz, continuava a subir até aos
picos... Isto já sem sombras, que tinham acabado um pouco
antes do miradouro, do lado Este da montanha e a quase 100º fahrenheit
(37º C). A água começava a escassear e a barriga
a dar horas. Mas quem é que queria parar para comer, num
sitio sem sombras?
6 milhas (9,7 km) depois de sairmos do parque de
campismo estávamos no primeiro pico da montanha. Entre pedras
e ervas que teimavam em crescer, o ambiente era bastante agradável à vista,
mas pouco agradável à respiração. As
pedras com cerca de 10 metros de altura é que moldavam o
caminho, pois este serpenteava por entre elas e nalguns sítios
com desfiladeiros de rara beleza. Ao longe via-se montanhas de
lava solidificada mas com a forma de já terem sido líquidas,
sem qualquer tipo de arvoredo. Não dava para destinguir
a forma da cúpula do vulcão.
Parámos numa sombra de uma enorme rocha,
para comermos algo antes de subirmos ao pico mais alto dos picos.
A água já estava a ser racionada e comer bagels sem água é como
comer um bolo de arroz sem beber nada. Mas ainda dava para molhar
a garganta.
A subida do pico central é espectacular. É uma
escadaria artificial, esculpida na rocha e muito estreita. Há corrimões
para as pessoas se agarrarem, porque senão a coisa podia
ser muito perigosa. Há uma parte que o caminho passa numa
fenda criada pela erosão entre duas rochas com tamanhos
descomunais e dá para um pequeno socalco com relva onde
quando chove deve correr um ribeiro que desliza pela rocha criando
uma cascata. Claro que só vimos as marcas da corrente, porque
a água já não havia.
Aí começava a descida, pensávamos
nós... Mas ainda havia uma pequena subida antes de atingirmos
o pico mais a norte do monte. Nesse pico havia uma casa de banho,
mas a água era tudo menos potável... E aí finalmente
começava a descida. E que descida... Uns ésses pela
encosta do monte num desfiladeiro com cerca de 200 metros de profundidade.
A inclinação não era muita, mas a vontade
de acelerar era bastante e deixámo-nos embalar pela descida,
o que deu origem a algumas dores de joelhos e dos dedos dos pés,
mas em pouco tempo estávamos no Centro de Recepção,
novamente.
Ainda passámos por uma rocha que tinha sido
aberta para que o trilho passasse no meio, criando um sítio
bastante fresco para se estar e ainda vimos uns jovens a escalar
uma parede com cerca de 20 metros de altura. Engraçado que
aqui pelos vistos é obrigatório capacete para escalar,
tenho que me informar, se chegar alguma vez a escalar.
Assim que chegámos ao Centro de Recepção,
devo ter bebido cerca de 1 litro de água... A Rita outro
e a Mónica mais um... A Rachel e o Bob que ainda estavam
cheios de vigor ainda foram à represa, mas nós os
mortos resolvemos não ir, porque afinal nem dava para tomar
banho lá. O Paul e a Marian seguiram quase sem parar, a
vontade de voltar era maior que o cansaço. O Tom e Karen
apareceram cerca de meia hora depois, quase mortos. A Cyntia apanhou
a boleia de um Ranger, porque precisava da ajuda dele para abrir
o carro, porque tinha se esquecido da chave lá dentro...
Boa desculpa, para não fazer o caminho de volta para o parque
de campismo.
Quando o Bob e a Rachel voltaram ainda nós
os três estávamos ali deitados no banco do jardim à espera
das forças para fazer 1,9 milhas de volta ao parque de campismo.
No entretanto apareceu um esquilo que veio comer das nossas bagels,
até que se encheu e foi enterrar o último bocado
para mais tarde comer.
Resolvemos voltar. Tinha de ser! O caminho começava
a descer, o que era bom, mas assim que entrámos no vale,
o calor começou a fazer os seus estragos. A última
centena de metros foi feita em completo silêncio e arrastar-nos
de sombra em sombra. Deviam de estar uns 110º fahrenheit (43º C)
senão mais e eram quase 4 horas da tarde.
Parámos no alvéolo deles porque a
Mónica estava-se a sentir mal. Não tinha comido durante
a caminhada para além de uma maçã e agora
as forças tinham-se ido nesta última parte. Eu já só pensava
na piscina do parque, mas quando vi a sombra da árvore ao
lado da tenda resolvi pegar no saco-cama e descansar antes de ir
aturar os putos na piscina.
Quando acordei eram quase 6h da tarde, um veado
passava ali perto, dentro do parque de campismo. A Mónica
também dormia e a Rita já se tinha levantado e tinha
ido comprar algum pão e queijo para o lanche. O vinho que
tínhamos para o jantar estava próximo da temperatura
de ebulição por estar no carro. A manteiga era água
amarela e os sumos de laranja tinham estado ao lume...
Fomos tomar banho! Já não via uma
casa de banho de um parque tão má como esta, desde
que fui ao Parque de La Doñana a sul de Sevilha. Tinha-se
que pôr moedas para que pudéssemos tomar banho...
Mas pronto, eu queria era tirar o sal e o suor do corpo e já nem
me lembrava mais da piscina.
Começámos a preparar o jantar por
volta das 19h30m. Os mosquitos eram mais que muitos, mas nada comparado
com o calor que tínhamos apanhado durante o dia... Já nada
nos atormentava. Até quando se começou a ouvir barulho
dos javalis no arvoredo ali perto, o Paul saiu de lanterna e fomos
todos atrás a ver os animais... Assim, como os nossos vizinhos.
Mas os porcos queriam era refrescar-se no pântano e nem se
viram.
Comemos bem, bebemos bem e estivemos ali na conversa
até cerca das 11h da noite. O grupo era porreiro. O Paul é um
designer, meio italiano e meio mexicano, que cozinha muito bem,
gosta e joga futebol, rapa os pêlos das pernas (não
me perguntem porquê) e é casado com a Marian que é irlandesa
e que é fisioterapeuta. Pretendem ir até aos Pirinéus
para o ano que vêm. A Rachel é uma eléctrica.
Parece que esteve no Biafra, foi operada às varizes mas
ninguém a para. A Karen também joga futebol e namora
com o Tom, e são ambos do centro-oeste dos Estados Unidos.
Ele fala mesmo como os tipos dessa zona, parece meio lerda, mas é um
cómico. O Bob mal falou mas mostrou-se um tipo amigável,
mas estava muito cansado. A Cyntia também não falou
muito, mas não se mostrou cansada e era muito prestável.
Fomos para a tenda, mas ainda estivemos um bocado
na conversa. Eu dormia ao relento, não fosse o facto de
haver javalis ali na zona...
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