TERÇA-FEIRA, 23 DE MAIO DE 2000 C89
Rocha Fálica em Pinnacles - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 19 de Maio de 2000

Porque é que os americanos acordam tão cedo? Uma pessoa a querer dormir e tem que aturar os putos dos vizinhos aos berros desde as 6h30m da manhã. E o sol... A tenda supostamente foi montada de modo a não apanhar com o sol da manhã, seguindo as indicações da Rachel. Mas, na certa uma pessoa depois de beber uns copos não acerta o caminho de casa, porque ela disse-me que o Norte era, afinal, o Sul.

Mas pronto, no campismo nunca se espera dormir muito. Pior estava o Tom, o namorado da Karen, outra colega da Rita, que comprou uma tenda onde só se conseguia esticar na diagonal.

Tomámos o pequeno-almoço e rumámos os 10 para o parque de Pinnacles, para uma caminhada de cerca de 10 milhas (16 Km). Eram quase 10h da manhã e o calor já apertava, ainda mais do lado Este das montanhas, onde estávamos acampados.

O trilho desde o parque de campismo até ao Centro de Recepção do Parque de Pinnacles é um trilho que segue primeiro por um vale com o sentido Norte-Sul e entre montanhas com cerca de 200 metros acima do vale, suponho que por isso tenha o nome de Bench, assento. Portanto o vento no vale é pouco, mesmo muito pouco e o calor aumentava, no trilho Bench. Depois no trilho Bear Gulch, e que para quem não sabe Gulch é ravina, começou a subida para o centro de recepção e as primeiras batidas fortes de coração e as primeiras faltas de ar do pessoal. Quase 1,9 milhas (3 km) depois de termos deixado o parque de campismo estávamos no Centro de Recepção, onde era possível ter chegado de carro, mas assim era mais interessante.

O primeiro trilho, que passava pelo vale, era um trilho pé posto que serpenteava por entre o pouco arvoredo e pelas flores que nesta altura ainda teimam em sobreviver naquele ambiente hostil. O segundo, subia o trajecto de um ribeiro, que aqui e ali tinha água, mas com ar de quem não ia durar muito mais tempo e serpenteava pelo monte abaixo... Claro que nós estávamos a andar ao contrário da corrente. O trilho passava várias vezes o curso de água, tinha bastante arvoredo e perto ouviam-se os carros a passarem na estrada que acabava no Centro de Recepção.

A saída do parque de campismo coincide com a entrada do parque natural e no trilho existe uma caixa e os já normais envelopes para se depositar o dinheiro de entrada do grupo. Impressionante como se confia nestas coisas...

Chegados ao Centro de Recepção, enchemos de novo a garrafa de água e enquanto uns iam à casa de banho, outros apreciavam a sombra fresca e os esquilos que se passeavam por entre as pessoas à espera que alguém lhe desse algo para se alimentar. Numa esquina uns miúdos encontraram uma cobra que com o calor tinha saído de entre as pedras do muro e que se mostrava algo ameaçadora.

Seguimos o nosso caminho. Seguimos o trilho Condor Gulch. Lembram-se do que queria dizer Gulch? Pois continuámos a subir, num trilho que serpenteia a encosta do monte. De repente o arvoredo abre-se à nossa frente e mostra um monte feito de formas de pedra, como jamais tinha visto. No cimo do monte duas ou três aves de rapina, passeiam-se à espera que alguém acuse falta de vontade em continuar a viagem até lá. Eram abutres de cabeça vermelha... Quem parasse mais que uns minutos tinha logo a companhia e a sombra de uma abutre sobre a sua cabeça. Debaixo daquele calor não era um pensamento muito agradável, mas as vistas eram algo deslumbrantes.

O parque de Pinnacles são os restos de um vulcão, que o tempo, o vento, o calor e a chuva foi moldando dando origem a formas rochosas de uma beleza estranha e ao mesmo tempo ameaçadora. Toda a montanha é formada por rocha de origem vulcânica que com o tempo foi tomando formas o mais bizarras possível. Assim, as normais rochas com formas fálicas e em forma de menirs, com tamanhos descomunais, são visíveis por quase todo lado. Existem várias grutas com morcegos no parque e passagens entre rochas que dão uma cor diferente ao caminho, mas para isso é preciso sobreviver à caminhada de aproximação à montanha. Existem várias paredes de escalada dentro do parque e em algumas encostas vê-se a rocha com a forma de ter solidificado quando por ali descia em direcção ao vale... Parecia gelo a escorrer, mas vermelho.

No miradouro estivemos a falar com uma Ranger do Parque que nos esteve a indicar o melhor trilho para vermos as belezas escondidas da montanha. Também nos disse que a cúpula do vulcão teria cerca de 30 km de diâmetro e que estava extinto há cerca de 2000 anos. Nada a temer então, apesar de estarmos junto à zona da falha de S. André.

Continuámos a subir até virarmos para o trilho High Peaks, que como o nome diz, continuava a subir até aos picos... Isto já sem sombras, que tinham acabado um pouco antes do miradouro, do lado Este da montanha e a quase 100º fahrenheit (37º C). A água começava a escassear e a barriga a dar horas. Mas quem é que queria parar para comer, num sitio sem sombras?

6 milhas (9,7 km) depois de sairmos do parque de campismo estávamos no primeiro pico da montanha. Entre pedras e ervas que teimavam em crescer, o ambiente era bastante agradável à vista, mas pouco agradável à respiração. As pedras com cerca de 10 metros de altura é que moldavam o caminho, pois este serpenteava por entre elas e nalguns sítios com desfiladeiros de rara beleza. Ao longe via-se montanhas de lava solidificada mas com a forma de já terem sido líquidas, sem qualquer tipo de arvoredo. Não dava para destinguir a forma da cúpula do vulcão.

Parámos numa sombra de uma enorme rocha, para comermos algo antes de subirmos ao pico mais alto dos picos. A água já estava a ser racionada e comer bagels sem água é como comer um bolo de arroz sem beber nada. Mas ainda dava para molhar a garganta.

A subida do pico central é espectacular. É uma escadaria artificial, esculpida na rocha e muito estreita. Há corrimões para as pessoas se agarrarem, porque senão a coisa podia ser muito perigosa. Há uma parte que o caminho passa numa fenda criada pela erosão entre duas rochas com tamanhos descomunais e dá para um pequeno socalco com relva onde quando chove deve correr um ribeiro que desliza pela rocha criando uma cascata. Claro que só vimos as marcas da corrente, porque a água já não havia.

Aí começava a descida, pensávamos nós... Mas ainda havia uma pequena subida antes de atingirmos o pico mais a norte do monte. Nesse pico havia uma casa de banho, mas a água era tudo menos potável... E aí finalmente começava a descida. E que descida... Uns ésses pela encosta do monte num desfiladeiro com cerca de 200 metros de profundidade. A inclinação não era muita, mas a vontade de acelerar era bastante e deixámo-nos embalar pela descida, o que deu origem a algumas dores de joelhos e dos dedos dos pés, mas em pouco tempo estávamos no Centro de Recepção, novamente.

Ainda passámos por uma rocha que tinha sido aberta para que o trilho passasse no meio, criando um sítio bastante fresco para se estar e ainda vimos uns jovens a escalar uma parede com cerca de 20 metros de altura. Engraçado que aqui pelos vistos é obrigatório capacete para escalar, tenho que me informar, se chegar alguma vez a escalar.

Assim que chegámos ao Centro de Recepção, devo ter bebido cerca de 1 litro de água... A Rita outro e a Mónica mais um... A Rachel e o Bob que ainda estavam cheios de vigor ainda foram à represa, mas nós os mortos resolvemos não ir, porque afinal nem dava para tomar banho lá. O Paul e a Marian seguiram quase sem parar, a vontade de voltar era maior que o cansaço. O Tom e Karen apareceram cerca de meia hora depois, quase mortos. A Cyntia apanhou a boleia de um Ranger, porque precisava da ajuda dele para abrir o carro, porque tinha se esquecido da chave lá dentro... Boa desculpa, para não fazer o caminho de volta para o parque de campismo.

Quando o Bob e a Rachel voltaram ainda nós os três estávamos ali deitados no banco do jardim à espera das forças para fazer 1,9 milhas de volta ao parque de campismo. No entretanto apareceu um esquilo que veio comer das nossas bagels, até que se encheu e foi enterrar o último bocado para mais tarde comer.

Resolvemos voltar. Tinha de ser! O caminho começava a descer, o que era bom, mas assim que entrámos no vale, o calor começou a fazer os seus estragos. A última centena de metros foi feita em completo silêncio e arrastar-nos de sombra em sombra. Deviam de estar uns 110º fahrenheit (43º C) senão mais e eram quase 4 horas da tarde.

Parámos no alvéolo deles porque a Mónica estava-se a sentir mal. Não tinha comido durante a caminhada para além de uma maçã e agora as forças tinham-se ido nesta última parte. Eu já só pensava na piscina do parque, mas quando vi a sombra da árvore ao lado da tenda resolvi pegar no saco-cama e descansar antes de ir aturar os putos na piscina.

Quando acordei eram quase 6h da tarde, um veado passava ali perto, dentro do parque de campismo. A Mónica também dormia e a Rita já se tinha levantado e tinha ido comprar algum pão e queijo para o lanche. O vinho que tínhamos para o jantar estava próximo da temperatura de ebulição por estar no carro. A manteiga era água amarela e os sumos de laranja tinham estado ao lume...

Fomos tomar banho! Já não via uma casa de banho de um parque tão má como esta, desde que fui ao Parque de La Doñana a sul de Sevilha. Tinha-se que pôr moedas para que pudéssemos tomar banho... Mas pronto, eu queria era tirar o sal e o suor do corpo e já nem me lembrava mais da piscina.

Começámos a preparar o jantar por volta das 19h30m. Os mosquitos eram mais que muitos, mas nada comparado com o calor que tínhamos apanhado durante o dia... Já nada nos atormentava. Até quando se começou a ouvir barulho dos javalis no arvoredo ali perto, o Paul saiu de lanterna e fomos todos atrás a ver os animais... Assim, como os nossos vizinhos. Mas os porcos queriam era refrescar-se no pântano e nem se viram.

Comemos bem, bebemos bem e estivemos ali na conversa até cerca das 11h da noite. O grupo era porreiro. O Paul é um designer, meio italiano e meio mexicano, que cozinha muito bem, gosta e joga futebol, rapa os pêlos das pernas (não me perguntem porquê) e é casado com a Marian que é irlandesa e que é fisioterapeuta. Pretendem ir até aos Pirinéus para o ano que vêm. A Rachel é uma eléctrica. Parece que esteve no Biafra, foi operada às varizes mas ninguém a para. A Karen também joga futebol e namora com o Tom, e são ambos do centro-oeste dos Estados Unidos. Ele fala mesmo como os tipos dessa zona, parece meio lerda, mas é um cómico. O Bob mal falou mas mostrou-se um tipo amigável, mas estava muito cansado. A Cyntia também não falou muito, mas não se mostrou cansada e era muito prestável.

Fomos para a tenda, mas ainda estivemos um bocado na conversa. Eu dormia ao relento, não fosse o facto de haver javalis ali na zona...



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