QUINTA-FEIRA, 11 DE MAIO DE 2000 C81
Sporting na Casa do Benfica - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 6 de Maio de 2000

Acordei cedo. A vontade de me levantar aos fins-de-semana é completamente diferente da que tenho durante a semana... Mas tinha combinado com a Mariana ir ter a casa dela às 10h45m, para irmos para San Jose ver o Sporting - Benfica que começava às 12h. Ainda eram 50 milhas (80 km) para cada lado...

Quando entrei na camioneta pensei que era um emigrante ilegal mexicano a caminho dos Estados Unidos. A camioneta vinha completamente cheia, com gente de pé e tudo. Uma coisa que nunca tinha visto naquelas camionetas. O cheiro era o que se tem quando se está num sítio com muita gente que não gosta muito de higiene. Era quase o único que não tinha espanhol como língua mãe e que tinha mais que um metro e meio de altura. Fui de pé até Sausalito, a aturar um tipo que ressonava no banco perto de mim.

Saí em Geary com Divisadero e fui a pé uns 4 ou 5 quarteirões até casa da Mariana. Estava adiantado e como ela é sempre uma atrasada, resolvi parar para tomar o café. Parei na esquina da Fulton num café Amib ou coisa parecida, muito giro e com bom café. Já sei e peço sempre café "for here" ou seja para ser tomado no local, e assim vem numa verdadeira chávena em vez do normal copo de esferovite.

Sentei-me a beber o café e observei os clientes daquele café. Um velho todo de branco, que lia uma revista género Time, com um charuto apagado (é proibido fumar em recintos fechados na Califórnia) na boca e acabar o café. Levantou-se e foi levar a loiça ao balcão com a ajuda da bengala. Esteve em Cuba pela certa, a vestir assim e a fumar charuto daquele tamanho, parecia o meu falecido Avô que se vestia como um verdadeiro colono em África, mesmo quando já vivia na Reboleira.

Junto à janela estavam duas raparigas dos seus 30 anos, uma em cada mesa com o seu computador portátil a fazer que trabalhavam. Na mesa por detrás delas estava um tipo daqueles que não faz nada e gosta de camisas havaianas, a ler o jornal e a tomar um Latte (uma espécie de meia-de-leite). Entrou um rastah com o seu gorro colorido e um par de latinos, como eles chamam aqui aos emigrantes da América latina. O primeiro pediu qualquer coisa ao balcão e saiu de copo na mão, os segundos sentaram-se a beber um Budweiser... Boa maneira de começar um dia de trabalho.

Quando cheguei a casa da Mariana, faltavam ainda 5 minutos para a hora combinada mas ela estava pronta. As visitas dela tinham acabado de sair. Tinha a visita de umas amigas americanas que estavam em Inglaterra e Chile.

Fomos até ao carro, onde uma multa a esperava. Estes polícias devem ser malucos... A multa estava presa debaixo do capot...

E aí fomos nós. Uma hora depois estávamos em San Jose. Não nos perdemos e demos logo com a Casa do Benfica. Mas também se nos perdêssemos era fácil procurar indicações porque ali toda a gente fala português. Aliás mal saímos da 101 começámos a ver bandeiras nos postes a dizer "Little Portugal".

Encontrámos o André e o Hugo à chegada. Começámos por uma primeira Super Bock ao balcão enquanto o jogo começava. No entretanto chegou o Mário e a Sá. Lá for a rolavam uns frangos na brasa e cheirava a sardinha. Um verdadeiro luxo.

Da primeira parte não há muito a dizer para além das duas Super Bocks. Fomos almoçar ao intervalo. Eu comprei frango na brasa com feijão, mas ainda comi uma sardinha da Mariana e uma ostra que estava uma maravilha, tudo servido por um magnífico sportinguista envergando a linda camisola verde e branco e acompanhado por mais uma Super Bock gelada.

A segunda parte nem vi, pois ao almoço juntou-se a nós o responsável pela Câmara do Comércio Luso-Americana de San Jose, de seu nome João Silveira ou se quiserem e como ele fez questão de escrever num papel, para me dar o número de telefone, John Silveira. Mas o Sr. João para além de querer conversa com a Mariana sobre o ICEP, esteve em Moçambique.

Começámos a falar desse tempo, e o homem trabalhou nos Caminhos de Ferro e foi do Ferroviário, o clube da empresa e que era um dos maiores de Moçambique. Falei-lhe do nome do meu pai, que foi dirigente do Ferroviário e do meu tio-avô que era director dos Caminhos de Ferro de Moçambique e o homem quase que chorou. Até lhe vieram lágrimas aos olhos. 40 anos depois de sair de África encontrar o filho de um conhecido foi uma alegria para o homem. Ficámos na conversa um bom bocado e fiquei de lhe fazer chegar às mãos os contactos de todos os estagiários que estão aqui, para organizar uma jantarada ou almoçarada em San Jose... Provavelmente no dia 10 de Junho, espero que não porque tenho o concerto dos Primal Scream nessa noite.

Do jogo nem vale a pena falar. Uma vitória à Benfica no último minuto e um balde água fria nos milhares de adeptos do Sporting que no mundo inteiro, esperam há dezoito anos por uma vitória no campeonato. Mas esta semana pode ser que seja...

Ainda conhecemos o Sr. que nos vendeu a Charamba e o Azeite. E que quer gente em São Francisco para fazer umas demonstrações de vinhos. Até me tenho esquecido de divulgar isso... Logo a ver se não me esqueço.

E mais uma série de adeptos do Benfica e alguns do Sporting. Trocámos números de telefone com vista a marcar-se uns jogos de futebol, que eu dispenso, mas que sei que alguns aqui irão querer.

Já depois de umas cervejinhas, fomos jogar matrecos. E entornar umas cervejas no palco da Casa do Benfica que ainda estava com a decoração da Páscoa e que ia ser palco de uma festa particular nessa noite.

Digamos que passei uma tarde em Portugal. Tirando as palavras inglesas que apareciam no meio da conversa, eu diria que estava num café numa terra do interior de Portugal, onde existiam muitos Açoreanos. Todos os portugueses usam bigode ou a barba por fazer e são uns bacanos.

A Mariana tinha um jantar marcado, mas ainda dava tempo de dar uma saltada a onde o pessoal se ia encontrar para jogar uma futebolada. Seguimos o Mário... Mas perdemo-nos deles e depois de umas voltas, voltámos para São Francisco.

Viemos na conversa, eu e a Mariana, sobre a vida. A imagem do meu falecido avô de manhã e do Sr. João comovido, tocaram-me e lembrei-me dos meus que ficaram em Portugal e que espero ainda dar muitas alegrias, em especial aos meus avós e aos meus pais... Também as lágrimas me vieram aos olhos a dada altura da conversa.

Chagámos e pouco depois chegou a Heidi e a irmã. E o vizinho da Mariana. Estivemos ali na conversa, enquanto eu me decidia a que fazer a seguir. Tinha muito que fazer em casa e queria-me deitar cedo, porque se calhar ainda ia com o Ben a um festival de Jazz a sul de Santa Cruz. Mas estava a chover e nessa altura estava já tudo anulado.

A Mariana convenceu-me a ir e conhecer outro tipo de pessoas. É verdade, não é para isso que eu estou cá, também. Conhecer a cultura ou descultura deste povo. Ok! Seja o que Deus quiser.

A Heidi conduziu o bólide, da Mariana, que já foi dela até lá. A Heidi é uma americana e que está a trabalhar em Inglaterra... Típica americana a ficar influenciada pala maneira de vestir britânica. A irmã está no Chile e consegui manter algumas frases de conversa em espanhol com ela.

Fomos a um restaurante na Market, quase em Castro. Nada de especial atendendo ao preço pago no fim, mas agradável. Comida do pacífico com alguns pratos indonésios... Eu sei!!! Mas já podemos ser amigos. Não?

Foi porreiro! Conversei sobre pintura, fotografia e até sobre trabalho com alguns dos convidados da Heidi. Uma tipa que ficou à minha frente, que não fechava bem a mala e usava um gorro de lã o mais esquisito possível pintava e fotografava e falámos da minha vontade de voltar a desenhar. No entretanto, a que estava ao lado, gostou muito do filme "Lisbon" do Wim Wenders e queria saber se Portugal era assim bonito. Claro que é!!!

Depois havia uma turca muito simpática que já nem me lembro do que falámos e um tipo que devia de gostar dos Smiths pelo corte de cabelo, óculos e maneira de vestir e que trabalhava numa área parecida comigo. Falámos de oportunidades de emprego, ao que a tipa do Wim Wenders, meteu-se logo na conversa para dizer que estava a recrutar gente para a sua empresa e deu-me o cartão... Alguém aí quer vir trabalhar para os EUA?

Eu comi Pato com qualquer coisa e cerejas. Sim, pato com cerejas... Já comi Pato com laranja e desta vez foi com cerejas. Mas não estava mau, mas também não acho que seja uma boa conjugação de sabores.

Saímos dali e depois de levar a Mariana, Heidi e a irmã a casa, fui no bólide para casa em piloto automático...



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