QUINTA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2000 C73
Cláudia no bar em Fillmore - Fotografia de Rui Gonçalves

Peço as mais sinceras desculpas a quem não tenho respondido pessoalmente nas últimas semanas, mas parece que a vida acelerou e o tempo é sempre pouco. É um bom sinal... Mas desculpem.

De qualquer maneira vou continuando a tentar compartilhar convosco as minhas melhores aventuras na terra das oportunidades. Espero que continuem a ler esta novela, que ainda não está dobrada em espanhol, mas que não falta muito...

Domingo, 23 de Abril de 2000

Acordámos com o normal despertador da casa da RM&P - o telefonema do João - e com o Nuno a voar sobre as cabeças dos seres, que dormitavam no chão da sala, na tentativa de atender o mesmo. Lá respondeu com voz de quem ainda estava a dormir e voltou tudo ao normal... Dormitar!

Mas depois de estar acordado é difícil não ficar entediado ali no chão e com o sol a bater nas janelas, principalmente quando na sala existe alguém que decide marcar a sua presença e ressona o suficiente para acordar toda a gente da casa. Pois bem, depois do telefone, do Nuno voador, tivemos que contar com a Raquel ronca.

Em pouco tempo estava toda a gente acordada e pronta a sair de casa. E como não seria de esperar outra coisa, fomos ao Starbuck's de O'Farrell tomar café. Depois de alguns momentos de indecisão e de espera por mais algumas pessoas e alguma confusão, lá se conseguiu chegar a um consenso e combinamos nos encontrar em Castro à hora do almoço.

Uns seguiram para Chinatown, outros para Mission e eu e a Cláudia fomos dar uma volta, fazer tempo e gozar o pouco tempo que nos restava para estarmos juntos antes da volta dela. Descemos ao Financial District, que é a zona de escritórios da cidade e que se parece mais com uma normal cidade de prédios norte-americana, com alguns prédios com 20 ou 30 andares. Mas era domingo de Páscoa e estava tudo fechado, pelo que só andámos por ali a ver montras e a olhar os arranha-céus e a sentirmo-nos pequeninos. Acabámos junto ao Ferry Building no fim da Market, onde andámos a passear na fonte que vos falei há dias que não tem repetição de formas e que jorra água em todos os sentidos.

Apanhámos o eléctrico do Flash Gordon até Castro e ainda apanhamos uma garage sale à saída do mesmo. Era um casal de lésbicas que decidiu ver-se livre das bugigangas que tinha na caixa de jóias. Posso-vos dizer que havia brincos e alfinetes de peito para todos os gostos... Mas nenhum para o da Cláudia, e como ainda não furei nenhuma orelha, não estou a ver onde podia usar aquelas coisas... Bem os alfinetes podia usar, mas ainda não estou a pensar ir viver para a zona e portanto não penso em usar tal coisa.

O resto da gangada já estava em frente ao Teatro de Castro, a apreciar a normal azáfama de uma tarde na terra dos gays, lésbica, bissexuais e afins. O Paulo agarrou-se a mim como se fossemos também um casal de gays, mas acho que ninguém nos viu como tal, porque não estávamos lavadinhos e depilados...

Seguimos rua abaixo em direcção às esquinas mais homossexuais do mundo, como eles lhe chamam - Castro St. com 18th St. O mundo tem uma cor diferente naquelas ruas, aliás porque naquele dia haviam vários gays transvestidos e outros com orelhas de coelho, para comemorarem a Páscoa... Não percebi o ritual, mas acho que pelos vistos no domingo de Páscoa é costume vestirem a sua melhor roupa de gueisha e irem para a rua passear a sua linda provocação... Sempre dá um colorido ao ambiente. Aliás porque as cores da zona são as cores do arco-íris. Onde existe uma bandeira com faixas com as cores do arco-íris é porque moram os orgulhosos homossexuais.

Depois veio a normal confusão de tentar arranjar sítio para almoçar que agrade a todos. Obviamente que estas coisas já estavam a mexer com a minha paciência e resolvi procurar algo que me agradasse a mim e não ir comer umas pizzas quaisquer. Consegui arrastar alguns comigo que também não estavam interessados nas pizzas e fomos a um restaurante chamado Nirvana e que servia uma espécie de comida indiana misturada com comida mexicana e vietnamita. Talvez ainda não saibam, mas estas devem ser os tipos de comida mais populares em São Francisco, mas misturar os três é obra... Ainda mais quando é bem servido e sabe tão bem como ali. Aconselho!

Claro que os clientes das pizzas se despacharam primeiro, mas fomos ter com eles para tomar café ao mesmo café do costume. O empregado já nos conhece e já sabe o que queremos e já sabe da exigência portuguesa em termos de café. Não gostou muito foi da gorjeta que lhe demos... Apenas $0.07. Azar! Para a próxima há mais...

Ali ficámos na esplanada na conversa. Eu, a Cláudia, o Tiago, a Sofia, o Paulo, a Rita, a Mónica, a Joana, a Raquel e o Nuno, isto porque no entretanto a Patrícia, o João e a Ana Pinhal tinham ido algures a Mission trocar uma roupa qualquer, numa loja qualquer. Eles estavam na dúvida sobre o que fazer, e eu e a Cláudia já tínhamos decidido ficar por ali e andar a ver as lojas (as únicas abertas em São Francisco, naquele dia) e a zona, coisa que não lhes agradava muito. Então disse-lhes para irem a pé até ao cimo de Coronas Height e apreciarem uma das mais bonitas vistas da cidade e daí para Buena Vista Park e descer até Haight St. Pelos vistos adoraram o passeio. Ainda bem, porque estava preocupado que a caminhada fosse algo dolorosa para algumas que usavam saltos altos.

Eu e a Cláudia ficámos por Castro e resolvemos passar um domingo descansados a passear. Castro é uma zona porreira para comprar coisas para a casa, e como a minha casa em Aveiro ainda está um bocado vazia, andámos por ali a ver o que encaixava na nossa mobília e que não esvaziasse muito a nossa carteira. Digamos que o tempo foi passando sem muitas pressas e andámos quase em todas as lojas... Até numa de T-Shirts com dizeres cómicos e de orgulho homossexual, onde hei-de comprar uma T-Shirt a dizer "Lesbian with Pride".

Dali resolvemos ir até Divisadero com Haight, onde existem umas lojas de acessórios de cozinha em segunda mão e antigos, mas caríssimos. Mas ver não nos deixa mais pobres e além disso é curioso ver algumas das raridades que lá existem, para além de que ao lado dessa loja existe uma outra de móveis muito kitch.

Mas era domingo de Páscoa e estavam ambas fechadas. Ainda tocámos na casa da Mariana, mas essa também tinha saído. Pelo que decidimos descer Lower Haight, que é como quem diz a parte baixa da rua Haight.

Mal começámos a descer, apanhámos uma garage sale e uma loja de velharias em que todos os objectos eram verdadeiras... Velharias? Sim! Havia um objecto bastante curioso para pôr revistas ou jornais e que tinha uma manivela para ir enrolando os jornais... Acho que no fim se se cortasse o rolo do jornal em faixas mais estreitas obtinham-se rolos de papel higiénico, mas não perguntei. Só comprava uns bancos de pé alto em ferro que lá estavam, mas depois levá-los para Portugal era complicado...

Seguimos rua abaixo, até Fillmore. Passámos por uma outra venda de garagem que era no mínimo impressionante ver como alguém tem tanta tralha sem utilidade num espaço tão pequeno. É mesmo surpreendente ver as coisas que as pessoas vão deixando acumular na garagem. Vimos também uma verdadeira loja de hippies dos anos 60. Vendiam tudo o que fosse indígena de qualquer parte do mundo e tinham ar de quem ainda fumava umas coisas, mesmo com aquele ar de terem a idade dos meus pais.

Os bares em Haight com Fillmore estavam quase todos fechados e parámos num em Fillmore, um bloco abaixo de Haight. Era aquilo que em Portugal se chamaria de café, mas que não vendia café. Mesas dispostas na sala como um normal tasco, mas com cadeiras de estofo e alguns bancos-sofá junto à parede de fundo. Espelhos na parede e um balcão à saloon, como quase todos os bares nesta terra. A cerveja não era má e o ambiente calmo. Descansámos, bebemos e comemos uns aperitivos oferecidos pela casa, enquanto falámos sobre tanta coisa que tínhamos para falar. Sem pressas fomos ficando ali até o dia acabar...

Apanhámos o autocarro e fomos para casa da RM&P. Ao chegar a casa, ainda encontrámos a Raquel e a Joana, que tinha sido multada por ter deixado, durante dois dias, o carro estacionado num sítio em que era só permitido o estacionamento até 3 horas... Nada de surpreender, não é Joaninha?

O Diogo, a quem tinha emprestado o bólide da Mariana, para ir buscar os pais ao aeroporto, já tinha voltado. Arrumámos tudo e fomos no bólide para Corte Madera.

Cansados, deitámo-nos cedo...



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