C62 TERÇA-FEIRA, 11 DE ABRIL DE 2000
Pista em Lake Tahoe - Fotografia de Mário Nunes

Sábado, 8 de Abril de 2000

A alvorada foi dada ao som da trompete do Mário, que envergando a sua mais bela boina negra e acompanhado pelo Tiago aos berros, rompeu pela casa adentro, acordando todos os que ainda se encontrassem na preguiça de se levantarem.

Eram 8h da manhã... Nem ao sábado se pode dormir. Estes tipos queria apanhar as pistas o mais cedo possível. Bem, mas fazer com que um grupo de 25 pessoas se despache... Vocês devem imaginar. Mas, surpreendentemente estávamos a sair de casa antes das 9h.

O problema foi mesmo alugar os esquis, botas, batons, as lições e o bilhete para os teleféricos. É que eles fazem descontos para grupos, mas não são grupos de portugueses de certeza, tal foi a confusão. A verdade é que como de costume conseguimos um desconto de grupo de 25 e éramos só 20 e poucos, porque os outros já tinham equipamento. Ninguém resiste ao paleio dos portugas.

Depois de o computador ter dado o berro com o calor que estava na sala e quando os jovens do balcão estavam quase a cair desmaiados com a confusão, conseguimos sair dali e levantar o material.

Levantar as botas e esquis é um verdadeiro trabalho para Hércules. Primeiro temos que preencher um papel em triplicado, o qual tem de ser assinado nas costas e tem de ser colocadas as iniciais do nome em 5 sítios. Depois paga-se cerca de $50 pelo aluguer e pelas lições. Em seguida sobe-se ao andar de cima e depois de estar numa fila, paga-se um dólar de seguro, se acontecer alguma coisa ao material. Daí entra-se numa sala escura cheia de botas, botins, botonas, batons de todas as cores, esquis curtos, largos, finos ou largos. No primeiro balcão tiram-nos uma folha do impresso e dão-nos as botas. Calça-se uma e segue-se com a outra na mão para o balcão dos esquis. Aí ficam com a segunda folha do impresso e pela altura e experiência dão-nos os esquis. De seguida passámos a uma parede onde estão os batons e um anormal que fala muito depressa dá-nos dois que sejam iguais aos outros todos. Simples!!!

Eu fiquei com uns esquis 135, suponho que seja o comprimento. Achava que eram os mais curtos de todos, até ver os outros que iam experimentar pela primeira vez como eu, e que tinham esquis 110.

Os que já tinham experiência seguiram para as pistas mais difíceis e os outros ficámos por ali à espera da aula de esqui de grau 1. Éramos 7 e na altura de fazer um grupo para a aula, juntou-se a nós um brasileiro (mais um) de São Paulo, que trabalhava na Anderson Consulting e que estava de partida para o Brasil, mas que queria experimentar uma coisa que sabia que não podia ter por lá. Chamava-se Oggy, ou coisa parecida... Nomes simples que os brasileiros têm.

Os esquis são assim uma coisa que sobre a neve escorregam como uma faca quente sobre a manteiga derretida. Não sei se estão a ver, mas nos primeiros 5 metros que andei de esquis já estava sentado no chão. O que vale é que o meu fantástico impermeável da Shimano me defende das dores e do gelo, como a capa do Batman o defende das balas. Só que me esqueci das luvas no cacifo e cair queima as mãos, principalmente ao tentar levantar. E levantar do chão com os esquis? Isso é que era bom... Só depois de duas horas de prática de tombos.

O nosso professor era um bacano. Chamava-se Scott e era do género corpulento e simpático, e primo do Abrunhosa, não tirava os óculos. Mas eu compreendi-o porque quando eu resolvi ver a vida sem óculos de sol, ia ficando ceguinho... Quase que já podia ter uma caixa.

Ali estivemos quase duas horas. Primeiro a aprender a travar, que é o mais importante do esqui. A esquiar controlando a velocidade, curvar e usar os batons. No fim da aula já fazia o slalom quase depressa... Sem cair. Mas o que me lixou foi a saída dos teleféricos... Caia quase sempre.

Acabadas as lições, seguimos a sugestão do Scott e fomos para a pista mais fácil do recinto, que se chamava Perfect Ride. Se até ali estávamos habituados a deslizes de 20 ou 30 metros, lançámo-nos para uma pista que devia ter perto de 800m. A saída do teleférico foi direita de cu no chão e depois de estarmos todos do grupo de iniciados, tirámos a foto da praxe em fila com os esquis e quase a cairmos da ravina abaixo.

Chegou a hora da primeira descida. A pista começava com uma inclinação apreciável e com uma largura muito curta (2m), porque a parte direita da pista tinha desmoronado e era um buraco. Ao fim de 30m havia uma curva à direita e o buraco juntava-se ao resto da pista numa súbita inclinação. A pista então seguia por mais uns 400m quase sem inclinação até que os 250m finais eram de novo inclinados, antes da entrada do teleférico. Mas o maior problema da pista era o facto de ser a mais fácil e ser próximo da entrada do recinto, o que fazia com que estivesse cheia de gente, a maioria putos.

Mas eu como não sou um rato, lancei-me à pista. E só caí na curva... Fiz mais umas sete ou oito descidas e já não caia, nem a sair do teleférico. Estava um pro. Parecia que tinha voltado à infância, o prazer de me atirar para o chão e experimentar algo novo e excitante. A euforia de sentir que era capaz de esquiar... Fui a correr telefonar à minha querida esposa e compartilhar com ela a alegria que sentia.

Voltei às pistas com a intenção de experimentar uma mais radical. Apanhei o teleférico maior que subia dos 6540 pés (1993m) a que me encontrava para os 8250 pés (2514m). O arranque era alucinante, mas a vista era deslumbrante e arrepiante. À medida que se subia, melhor se via o lago... Uma coisa impressionante, aquela quantidade de água rodeada de montanhas de neve cortadas por árvores aqui e ali... O azul da água fazia lembrar o mar, mas um mar fechado. O Lake Tahoe deve ter cerca de 50 km de comprimento e cerca de 20 de largura e está a 1900 m de altitude... Mas o mais alucinante era a inclinação do monte que o teleférico subia e que era uma pista de esqui, que o nome diz tudo Gunbarrel e que alguns conseguiam descer. Eu quando cheguei lá acima só pensei em sair do carrinho o mais depressa possível não fossem os cabos rebentar.

Encontrei o pessoal da minha classe e fomos experimentar a Patsy's, outra pista verde... Esta era muito mais uniforme, mas mais inclinada em média... E muito mais excitante... Fiz mais umas duas ou três descidas e estava a fazer uns slides... A Ana Magalhães uma nova contacteante do Contacto Tecnológico, dava-me um bailinho, não caiu uma vez que fosse. Eu passava o tempo a ir parar ao tapete, principalmente na descida do teleférico para a entrada da Patsy's.

Começou a nevar uns flocos muito pequenos e estava na hora de fechar os teleféricos. Isto que pareceu um bocadinho foram quase 5 horas de esqui, ininterruptas, nem para almoçar parei.

Seguiu-se a seca da entrega de material, que foi muito mais simples que o levantar do mesmo. E partiu-se para a ida para casa... Mas não consegui resistir ao ambiente paradisíaco de uma esplanada ao sol, junto à neve, com uma cerveja e com os meus amigos na conversa. Fomos ficando por ali a discutir as travessuras e quedas do dia. Fez-me lembrar os tempos das voltas de bicicleta e quando ainda andávamos a conhecer os caminhos que agora são a nossa palma da mão, e que no fim do dia íamos jantar a discutir aquela curva e aquele salto. Bons velhos tempos e uma tarde bem passada.

Depois da chegada a casa seguiu-se a normal confusão dos banhos. Como na nossa casa era cilindro, tivemos que esperar algumas vezes que a água aquecesse. Enquanto isso dormia-se a ver televisão e a pensar o que era o jantar. Estive a ver uma coisa que já não me lembrava de ver desde que tinha uma idade muito tenra... Se calhar alguns nem se lembram do M.A.S.H.

Uns foram comprar comida, enquanto outros tomavam banho... Depois de algumas confusões e amuos devido ao cansaço de um dia de trabalho intenso, a malta estava toda junta na conversa na sala da nossa casa. Umas brincadeiras de elefantes e umas partidas de cartas e adivinhas...

E assim fomos ficando até que eram horas de ir dormir. Eu já estava há muito deitado no chão a pensar em me deslocar para o meu cantinho no chão do quarto do andar de cima. E não resisti ao cansaço...



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