Sábado, 8 de Abril de 2000
A alvorada foi dada ao som da trompete do Mário,
que envergando a sua mais bela boina negra e acompanhado pelo Tiago
aos berros, rompeu pela casa adentro, acordando todos os que ainda
se encontrassem na preguiça de se levantarem.
Eram 8h da manhã... Nem ao sábado
se pode dormir. Estes tipos queria apanhar as pistas o mais cedo
possível. Bem, mas fazer com que um grupo de 25 pessoas
se despache... Vocês devem imaginar. Mas, surpreendentemente
estávamos a sair de casa antes das 9h.
O problema foi mesmo alugar os esquis, botas, batons,
as lições e o bilhete para os teleféricos. É que
eles fazem descontos para grupos, mas não são grupos
de portugueses de certeza, tal foi a confusão. A verdade é que
como de costume conseguimos um desconto de grupo de 25 e éramos
só 20 e poucos, porque os outros já tinham equipamento.
Ninguém resiste ao paleio dos portugas.
Depois de o computador ter dado o berro com o calor
que estava na sala e quando os jovens do balcão estavam
quase a cair desmaiados com a confusão, conseguimos sair
dali e levantar o material.
Levantar as botas e esquis é um verdadeiro
trabalho para Hércules. Primeiro temos que preencher um
papel em triplicado, o qual tem de ser assinado nas costas e tem
de ser colocadas as iniciais do nome em 5 sítios. Depois
paga-se cerca de $50 pelo aluguer e pelas lições.
Em seguida sobe-se ao andar de cima e depois de estar numa fila,
paga-se um dólar de seguro, se acontecer alguma coisa ao
material. Daí entra-se numa sala escura cheia de botas,
botins, botonas, batons de todas as cores, esquis curtos, largos,
finos ou largos. No primeiro balcão tiram-nos uma folha
do impresso e dão-nos as botas. Calça-se uma e segue-se
com a outra na mão para o balcão dos esquis. Aí ficam
com a segunda folha do impresso e pela altura e experiência
dão-nos os esquis. De seguida passámos a uma parede
onde estão os batons e um anormal que fala muito depressa
dá-nos dois que sejam iguais aos outros todos. Simples!!!
Eu fiquei com uns esquis 135, suponho que seja o
comprimento. Achava que eram os mais curtos de todos, até ver
os outros que iam experimentar pela primeira vez como eu, e que
tinham esquis 110.
Os que já tinham experiência seguiram
para as pistas mais difíceis e os outros ficámos
por ali à espera da aula de esqui de grau 1. Éramos
7 e na altura de fazer um grupo para a aula, juntou-se a nós
um brasileiro (mais um) de São Paulo, que trabalhava na
Anderson Consulting e que estava de partida para o Brasil, mas
que queria experimentar uma coisa que sabia que não podia
ter por lá. Chamava-se Oggy, ou coisa parecida... Nomes
simples que os brasileiros têm.
Os esquis são assim uma coisa que sobre a
neve escorregam como uma faca quente sobre a manteiga derretida.
Não sei se estão a ver, mas nos primeiros 5 metros
que andei de esquis já estava sentado no chão. O
que vale é que o meu fantástico impermeável
da Shimano me defende das dores e do gelo, como a capa do Batman
o defende das balas. Só que me esqueci das luvas no cacifo
e cair queima as mãos, principalmente ao tentar levantar.
E levantar do chão com os esquis? Isso é que era
bom... Só depois de duas horas de prática de tombos.
O nosso professor era um bacano. Chamava-se Scott
e era do género corpulento e simpático, e primo do
Abrunhosa, não tirava os óculos. Mas eu compreendi-o
porque quando eu resolvi ver a vida sem óculos de sol, ia
ficando ceguinho... Quase que já podia ter uma caixa.
Ali estivemos quase duas horas. Primeiro a aprender
a travar, que é o mais importante do esqui. A esquiar controlando
a velocidade, curvar e usar os batons. No fim da aula já fazia
o slalom quase depressa... Sem cair. Mas o que me lixou foi a saída
dos teleféricos... Caia quase sempre.
Acabadas as lições, seguimos a sugestão
do Scott e fomos para a pista mais fácil do recinto, que
se chamava Perfect Ride. Se até ali estávamos habituados
a deslizes de 20 ou 30 metros, lançámo-nos para uma
pista que devia ter perto de 800m. A saída do teleférico
foi direita de cu no chão e depois de estarmos todos do
grupo de iniciados, tirámos a foto da praxe em fila com
os esquis e quase a cairmos da ravina abaixo.
Chegou a hora da primeira descida. A pista começava
com uma inclinação apreciável e com uma largura
muito curta (2m), porque a parte direita da pista tinha desmoronado
e era um buraco. Ao fim de 30m havia uma curva à direita
e o buraco juntava-se ao resto da pista numa súbita inclinação.
A pista então seguia por mais uns 400m quase sem inclinação
até que os 250m finais eram de novo inclinados, antes da
entrada do teleférico. Mas o maior problema da pista era
o facto de ser a mais fácil e ser próximo da entrada
do recinto, o que fazia com que estivesse cheia de gente, a maioria
putos.
Mas eu como não sou um rato, lancei-me à pista.
E só caí na curva... Fiz mais umas sete ou oito descidas
e já não caia, nem a sair do teleférico. Estava
um pro. Parecia que tinha voltado à infância, o prazer
de me atirar para o chão e experimentar algo novo e excitante.
A euforia de sentir que era capaz de esquiar... Fui a correr telefonar à minha
querida esposa e compartilhar com ela a alegria que sentia.
Voltei às pistas com a intenção
de experimentar uma mais radical. Apanhei o teleférico maior
que subia dos 6540 pés (1993m) a que me encontrava para
os 8250 pés (2514m). O arranque era alucinante, mas a vista
era deslumbrante e arrepiante. À medida que se subia, melhor
se via o lago... Uma coisa impressionante, aquela quantidade de água
rodeada de montanhas de neve cortadas por árvores aqui e
ali... O azul da água fazia lembrar o mar, mas um mar fechado.
O Lake Tahoe deve ter cerca de 50 km de comprimento e cerca de
20 de largura e está a 1900 m de altitude... Mas o mais
alucinante era a inclinação do monte que o teleférico
subia e que era uma pista de esqui, que o nome diz tudo Gunbarrel
e que alguns conseguiam descer. Eu quando cheguei lá acima
só pensei em sair do carrinho o mais depressa possível
não fossem os cabos rebentar.
Encontrei o pessoal da minha classe e fomos experimentar
a Patsy's, outra pista verde... Esta era muito mais uniforme, mas
mais inclinada em média... E muito mais excitante... Fiz
mais umas duas ou três descidas e estava a fazer uns slides...
A Ana Magalhães uma nova contacteante do Contacto Tecnológico,
dava-me um bailinho, não caiu uma vez que fosse. Eu passava
o tempo a ir parar ao tapete, principalmente na descida do teleférico
para a entrada da Patsy's.
Começou a nevar uns flocos muito pequenos
e estava na hora de fechar os teleféricos. Isto que pareceu
um bocadinho foram quase 5 horas de esqui, ininterruptas, nem para
almoçar parei.
Seguiu-se a seca da entrega de material, que foi
muito mais simples que o levantar do mesmo. E partiu-se para a
ida para casa... Mas não consegui resistir ao ambiente paradisíaco
de uma esplanada ao sol, junto à neve, com uma cerveja e
com os meus amigos na conversa. Fomos ficando por ali a discutir
as travessuras e quedas do dia. Fez-me lembrar os tempos das voltas
de bicicleta e quando ainda andávamos a conhecer os caminhos
que agora são a nossa palma da mão, e que no fim
do dia íamos jantar a discutir aquela curva e aquele salto.
Bons velhos tempos e uma tarde bem passada.
Depois da chegada a casa seguiu-se a normal confusão
dos banhos. Como na nossa casa era cilindro, tivemos que esperar
algumas vezes que a água aquecesse. Enquanto isso dormia-se
a ver televisão e a pensar o que era o jantar. Estive a
ver uma coisa que já não me lembrava de ver desde
que tinha uma idade muito tenra... Se calhar alguns nem se lembram
do M.A.S.H.
Uns foram comprar comida, enquanto outros tomavam
banho... Depois de algumas confusões e amuos devido ao cansaço
de um dia de trabalho intenso, a malta estava toda junta na conversa
na sala da nossa casa. Umas brincadeiras de elefantes e umas partidas
de cartas e adivinhas...
E assim fomos ficando até que eram horas
de ir dormir. Eu já estava há muito deitado no chão
a pensar em me deslocar para o meu cantinho no chão do quarto
do andar de cima. E não resisti ao cansaço...
|